Há
uma distância entre o número da inflação oficial e como ela é sentida pelos
brasileiros. No meio de uma recessão, com impacto maior sobre os alimentos, com
queda da renda e alta do desemprego, ela pesa muito mais do que os 4,22% dos
últimos 12 meses do IPCA-15. Hoje, sairá o IGP-M de novembro e pode superar 3%,
como no último mês. Os IGPs estão nas alturas, em torno de 25%, por causa dos
preços por atacado. A inflação tem natureza e peso diferentes desta vez. Não
existe hora boa para a chegada da inflação, mas agora ela é uma visita ainda
mais incômoda.
Em ambiente recessivo, os preços não deveriam subir. Mas já aconteceu recentemente. Em 2015 e 2016, quando houve o descongelamento de tarifas de energia, o índice passou de 10%. Agora, de novo, há vários motivos específicos. Uma forte desvalorização do dólar, o aumento das exportações de alimentos, um descompasso dentro da cadeia produtiva e até uma pressão de demanda em plena recessão. O auxílio emergencial produziu um aumento de renda temporário, mas a maior alta de preços bateu exatamente nos alimentos, que são os itens que mais pesam no orçamento das famílias.
O
Brasil viveu no começo deste ano uma maxidesvalorização. Em 31 de dezembro a
moeda americana estava cotada em R$ 4,03. No dia 14 de maio, o pior momento,
havia saltado para R$ 5,93. Alta de 47% em cinco meses. De lá para cá, caiu
para R$ 5,32, mas ainda acumula uma valorização de 32% este ano. O real mais
fraco tem o efeito econômico positivo de estimular as exportações, mas também
representa aumento de custos para diversos setores. A indústria utiliza
insumos, peças e máquinas importadas, e até alguns segmentos dos serviços
sentem o efeito. Nos transportes, por exemplo, os combustíveis estão atrelados
a preços internacionais. Há setores que reajustam preços sem dó nem piedade,
independentemente da baixa demanda. Passagens aéreas dispararam 39% em outubro
e mais 3,5% em novembro.
Outra
razão da inflação deste ano é o forte salto nos preços por atacado. Em grande
parte, reflexo da desvalorização cambial. Hoje, o IGP-M de novembro será
divulgado e a projeção é de uma nova alta forte, de 3,3%, segundo a LCA
Consultores, acima dos 3,23% de outubro. Os preços agropecuários no atacado
devem disparar mais 8,63%, com aumentos no milho, trigo e na soja, que são
matérias-primas para outros elos da cadeia de produção de alimentos. Os preços
industriais também estão subindo, e a estimativa é de alta de 2,48%.
O
Banco Central alegou que era um impacto temporário, concentrado nos alimentos,
e que vários países do mundo estavam enfrentando o mesmo problema. Mas as
histórias são diferentes de país para país, como mostrou o próprio presidente
Roberto Campos Neto em apresentação na última semana. Nos EUA, os alimentos
subiram mais de 5% na taxa anual, no pior momento da pandemia. Mas no Reino
Unido o aumento não chegou a 2%. Entre oito países emergentes comparados pelo
BC, o Brasil neste momento é o mais foi afetado pela inflação de alimentos, com
elevação acima de 15%. Na China, subiu muito, mas está desacelerando. No Peru,
não passou de 3%. A principal explicação é, de novo, a forte desvalorização do
real.
As
projeções de mercado apontam inflação na meta para este ano e o próximo, mas os
números têm sido revistos para cima, semana após semana. Essa mudança de
cenário tem sido encarada pelos economistas como um “vento contrário não
esperado”. Se as estimativas aumentarem muito, o Banco Central terá que elevar
a Selic, e o mercado de juros já tem mostrado um descolamento entre as taxas
mais curtas e as mais longas.
Alguns
economistas começam a olhar preocupados para essa inflação que nos visita em
hora totalmente imprópria. A renda caiu, mas os preços que mais sobem são de
produtos que não se pode deixar de comprar, os alimentos. Como várias
indústrias fecharam as portas durante a pandemia, está havendo em plena
recessão uma falta de insumos dentro da cadeia produtiva. Na reabertura, as
empresas estão produzindo menos porque não querem acumular estoques num cenário
de incerteza. E isso faz com que qualquer retomada econômica possa alimentar a
inflação.
Essa é uma inflação bem diferente dos outros eventos do passado recente. Acontece num contexto difícil para as famílias e para o governo, que está muito mais endividado. Uma visita realmente incômoda.
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