Governo
finge que quer preservar o teto de gastos
Neste
final de ano, a política fiscal do governo está fadada a ter um encontro
marcado com a verdade. Já não há mais espaço para autoengano sobre suas reais
possibilidades. Ao cabo de meses e meses de ilusionismo, falta de foco e
escancarada procrastinação do anúncio das medidas de ajuste nas contas públicas
que se fazem necessárias, o Planalto se descobre, agora, com não mais que três
semanas e meia para escapar do entalo fiscal em que se meteu.
O governo nem mesmo conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E a apreciação do Orçamento ainda inspira cuidados. Vem sendo tumultuada pela disputa precoce pelo controle das mesas do Congresso, instigada pelo próprio Planalto. Vai-se entrar em dezembro sem que Comissão Mista de Orçamento tenha sido sequer instaurada. É espantoso.
Salta
aos olhos que, prestes a completar a primeira metade de seu mandato, Bolsonaro
já não tem mais qualquer intenção de levar adiante um esforço sério de ajuste
fiscal no que lhe resta de mandato. Não é isso que preconiza a ala
desenvolvimentista do governo, nem o que acalenta a bancada que lhe dá apoio no
Centrão nem, tampouco, o que defende o círculo mais próximo de conselheiros do
presidente.
O
que se viu até aqui foi um jogo de aparências, em que o governo finge que quer
preservar o teto de gastos. De um lado, porque continua a temer que qualquer
discurso mais ostensivo contra o teto possa desencadear reações implacáveis dos
mercados. E, de outro, porque continua assombrado pelo temor de dar margem a um
processo de impeachment, caso se disponha a violar abertamente uma regra fiscal
claramente inscrita na Constituição.
Sobram
razões para a preservação do teto de gastos, especialmente num governo que já
não esconde sua falta de compromisso com o ajuste fiscal. E é improvável que as
forças do Congresso que já se articulam em torno de projetos políticos de
enfrentamento do bolsonarismo, em 2022, estejam dispostas a ajudar o governo a
se desvencilhar da camisa de força constitucional que vem tolhendo, com
eficácia, seus excessos fiscais.
É
bem sabido que, encantado com o ganho de popularidade que lhe trouxe o auxílio
emergencial, Bolsonaro continua fixado na ideia de poder implantar um programa
similar no início do ano que vem, quando o pagamento do auxílio tiver sido
suspenso, ao fim do período de vigência do estado de calamidade.
Dada
a dificuldade de acomodar um programa dessas dimensões sob o teto de gastos, a
“solução” fácil que, agora, vem sendo contemplada é a simples prorrogação do
estado de calamidade que, supostamente (há quem discorde), permitiria estender
o pagamento do auxílio por alguns meses mais.
Como
tal “solução” só seria minimamente defensável se de fato estivesse havendo
claro recrudescimento da pandemia no país, não falta agora, no governo, quem
esteja pronto a interpretar qualquer oscilação para cima nos números nacionais
de casos ou mortes como evidência inequívoca do avanço de uma “segunda onda”
pandêmica no Brasil. Quem te viu, quem te vê. O negacionismo que pautou a
postura do governo na primeira onda da pandemia cedeu lugar, agora, a um
alarmismo oportunista acerca da suposta segunda onda. “Não tem como não
prorrogar” (o auxílio emergencial) é a palavra de ordem que ganha força no
Centrão.
Quanto
a medidas de ajuste fiscal de mais fôlego, é difícil discernir, em meio ao
discurso caótico do governo — seja no Planalto, seja no Ministério da Economia
—, algo que se assemelhe, ainda que remotamente, a um plano claro de jogo.
Findo o segundo turno das eleições municipais, a ser disputado em 57 cidades no domingo, o país testemunhará o despreparo com que o governo se verá obrigado a enfrentar, afinal, no apagar das luzes do ano legislativo, as alarmantes indefinições fiscais que, há meses, vem se permitindo manter.
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