Expectativa
nos foros internacionais é que Joe Biden reduza belicosidade americana no
comércio global
No
apagar das luzes deste terrível 2020, a diplomacia brasileira começou
discretamente a dar ênfase, na Organização Mundial do Comércio (OMC), a uma
questão até agora minimizada por Jair Bolsonaro: sustentabilidade ambiental.
É
preciso ver que o governo brasileiro tem procurado, sem sucesso, corrigir a
percepção internacional, resumida pela revista “The Economist”, de o presidente
Jair Bolsonaro como possivelmente o chefe de Estado mais perigoso no mundo para
a área ambiental.
O
cerco ao seu governo nessa área tende a aumentar em 2021 especialmente pelos
Estados Unidos sob o comando do democrata Joe Biden a partir de 20 de janeiro.
A
União Europeia (UE) já se apressou em delinear uma estratégia para trabalhar
junto com os EUA em comércio e clima, medidas visando evitar fuga de carbono,
aliança em torno de tecnologias verdes, um quadro regulatório mundial para
finanças sustentáveis, uma liderança comum na luta contra o desmatamento e o
reforço da proteção dos oceanos.
Essa agenda interessa à China. Pequim investe maciçamente em tecnologia verde, tem planos para acelerar a descarbonização de sua economia e evitar propagação de novos tipos de barreiras no comércio global.
Nesse
novo tabuleiro, o risco é de que os três elefantes do comércio mundial, ao
enfatizar a sustentabilidade ambiental na agricultura, acabem por alvejar
especialmente o Brasil, um dos maiores produtores e exportadores do mundo.
Assim,
no dia 22, último dia útil de trabalho no ano na OMC, a delegação brasileira em
Genebra fez o primeiro disparo sobre sustentabilidade ambiental.
E
submeteu, para surpresa de muitos, uma proposta para que os 164 países-membros
se comprometam com os mais altos padrões de sustentabilidade ambiental como
componente vital na conclusão do acordo sobre subsídios no setor pesqueiro.
O
interesse comercial do Brasil nessa negociação é mínimo, não tem quase nada a
perder nem reticências internas. Isso facilita cobrar dos outros, especialmente
de chineses e europeus, que dão volumes importantes de subsídios à pesca. Mas,
sobretudo, dá uma mensagem de que Brasília vai tentar elevar o perfil e se
posicionar ofensivamente nessa questão.
O
próximo passo, se superada também a timidez burocrática, causada inclusive pelo
menosprezo do presidente pelo tema, é elaborar uma estratégia para uma
discussão que não ficará limitada à pesca ou à área agrícola.
Basta
ver que, também neste mês de dezembro, os EUA ainda com Donald Trump apareceram
na OMC com uma proposta sobre comércio e meio ambiente em geral, que dificilmente
o governo de Joe Biden vai retirar.
O
governo Trump argumenta no documento apresentado em Genebra que “visa a
promover objetivos de sustentabilidade graças às regras comerciais para
assegurar condições iguais para todos (level playing field)’’. A ideia é que
nenhum país deve obter vantagem comparativa no comércio devido a leis,
regulamentos e padrões ambientais insuficientes ou não aplicados na prática.
Washington
defende a imposição de medidas compensatórias, como sobretaxas, para combater
subsídios dados por outros países com padrões ambientais fracos ou
inapropriados. Os americanos argumentam que isso deve “encorajar” a
internalização adequada dos custos ambientais nos cálculos dos custos de
produção e corrigir políticas que criam ineficiências de mercado e assim
distorcem o comércio.
Para
os EUA, o fiasco de um governo em adotar, manter, implementar e efetivamente
fazer cumprir as leis e regulamentos que garantem proteções ambientais a um
nível igual ou superior às normas fundamentais constituirá um subsídio
acionável na OMC, ou seja, poderá ser contestado pelos parceiros diante dos
juízes.
Acrescenta
que, se uma indústria se beneficiar desproporcionalmente de controles de
poluição fracos ou outras medidas ambientais estabelecidas abaixo de certos
padrões, um país importador poderá portanto impor um direito compensatório
igual ao benefício recebido pela indústria em questão.
Em
Genebra, a expectativa é que a União Europeia circule entre os membros da OMC
em breve uma proposta ampla sobre comércio e sustentabilidade. O presidente do
Conselho da UE, o belga Charles Michel, antecipou no recente G-20 virtual, em
novembro, que a Europa quer uma reforma da OMC que torne as políticas
comerciais “mais verdes”.
Na
prática, o cerco continua aumentando sobre o governo Bolsonaro na área
ambiental, e não apenas no âmbito do acordo de livre-comércio do Mercosul com a
UE.
A
Europa, de toda maneira, tem plano para proteger as florestas tropicais,
visando incentivar o consumo de commodities de cadeias de abastecimento livres
de desmatamento. A ideia é combater o “desmatamento importado”.
As
principais commodities que deverão ser enquadradas como risco de contribuir
para o desmatamento das florestais tropicais são soja, gado (carne e couro),
milho, café, cacau, óleo de palma e borracha, conforme fontes em Bruxelas.
A
diplomacia brasileira tenta evitar uma postura defensiva sobre
sustentabilidade. Mas não será fácil persuadir os parceiros, diante do acúmulo
de disparates de Bolsonaro nos últimos dois anos.
Entre
importantes negociadores, a expectativa é que o governo de Joe Biden será de
menos confronto no comércio global - pelo menos não como Donald Trump. Só isso
já acomoda os chineses, que não querem ser alvos de agressividade o tempo todo.
A futura negociadora comercial chefe americana, Katherine Tai, é uma escolha
mais técnica e poderá colocar um pouco de racionalidade no confronto bilateral.
Outra expectativa é de Biden acabar aceitando a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala como nova diretora-geral da OMC, substituindo o brasileiro Roberto Azevêdo, que partiu para uma vice-presidência mundial da Pepsi. O governo Trump barrou a escolha da nigeriana, que também tem passaporte americano. Se Biden rever o veto, pode aliviar o ambiente na OMC, ainda mais que vários países não querem de jeito nenhum retomar o processo de escolha do novo diretor-geral.
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