Dino:
“eleição mostrou que sozinho ninguém faz gol”.
Um dos desafetos do presidente Jair Bolsonaro, e ator relevante nas articulações por uma (ainda utópica) frente ampla progressista, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), conversou com a coluna sobre três temas espinhosos para o governo federal: Amazônia, vacinas e a movimentação da esquerda para 2022, na esteira do resultado das eleições municipais.
Há
oito dias, Dino foi eleito presidente do consórcio da Amazônia Legal, bloco que
reúne os nove Estados da região (AM, AC, RO, RR, PA, MA, AP, TO e MT), e mantém
interlocução com o presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente
Hamilton Mourão.
De
perfil conciliador, Dino explica que a articulação que o alçou à presidência do
bloco deveria ser exemplo para as imbricadas disputas da esquerda por espaço no
tabuleiro eleitoral.
“Vou presidir o consórcio na base do entendimento”, ensina. Duas semanas antes da eleição, ele começou a telefonar para cada um dos oito governadores, a maioria do espectro político de direita. Até o governador de Roraima, Antônio Denarium (sem partido), bolsonarista, votou nele, eleito por unanimidade. “Se há diálogo, você consegue agregar. Se tenta impor na pancada, fica difícil."
Dino
exercerá mandato de um ano à frente do bloco econômico-ambiental. Poucos meses
depois, em abril de 2022, vai se desincompatibilizar do mandato de governador
para concorrer a uma vaga de senador.
Mas
ressalva que estará “disponível” se uma união da esquerda quiser lhe atribuir
outro papel. “Se o campo da esquerda sair com três, quatro, cinco candidaturas
a presidente, será a crônica de uma morte anunciada, disso eu não participo. O
resultado será um segundo turno entre o Bolsonaro e um candidato de
centro-direita”.
Dino
- que já foi chamado por Bolsonaro de “pior governador” entre os “governadores
de paraíbas” - não quer novos arrufos com o adversário político, ao menos na
agenda ambiental. Uma de suas metas mais ambiciosas à frente do consórcio é
tentar destravar o Fundo Amazônia, paralisado há quase dois anos, por causa dos
contenciosos do governo federal com Noruega e Alemanha, que suspenderam os
repasses. Segundo o Observatório do Clima, o saldo estimado do fundo é de R$
2,9 bilhões.
Dino
acha que o caminho para reativar o fundo é elevar a pressão pública sobre o
governo federal pela preservação do bioma. Em paralelo, como representante dos
Estados da Amazônia Legal, ele quer estabelecer pontes diretamente com os
embaixadores da Alemanha e da Noruega.
“Farei
essa diplomacia do consórcio com os países financiadores, vendo como avançar no
plano interno para que eles concordem em retomar os financiamentos”. Se o
diálogo evoluir, Dino explica que, na etapa seguinte, caberá ao Conselho da
Amazônia entrar nas negociações para viabilizar a retomada dos repasses.
Dino
acrescenta que caberá ao consórcio intensificar o monitoramento e controle
sobre desmatamentos e queimadas ilegais. Na área de segurança, ele quer
integrar a base de dados das polícias dos nove Estados do consórcio para
incrementar o combate à biopirataria e narcotráfico nas fronteiras.
Outra
meta é implantar a “Farmácia da Amazônia” para estimular aquisição conjunta de
medicamentos pelo bloco, e, simultaneamente, a produção de fármacos
alternativos, como fitoterápicos.
Sobre
a vacina contra a covid-19, Flávio Dino avalia que a disposição dos
governadores é esperar até 15 de janeiro para que o Plano Nacional de Vacinação
do governo federal decole. “Até lá, todo mundo [governadores] espera pra ver.
Se der apagão, vai ser cada um por si”.
Dino
pondera que o Brasil chegou a um patamar absurdo, sem perspectiva de início da
vacinação, enquanto mais de 40 países começaram a imunizar suas populações. “Se
esse patamar se mantiver até o dia 15, haverá um movimento de
salve-se-quem-puder”.
Ele
acredita que os próximos 18 dias serão determinantes para que se dissipem as
incertezas em torno das principais apostas do governo federal: a vacina da
AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, e a Fiocruz; e a
Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Butantan.
Espera-se que ainda nesta semana, a Fiocruz peça o registro da vacina da
AstraZeneca para uso emergencial. E que até 15 de janeiro, o mesmo ocorra com o
imunizante da Sinovac.
Dino
ressalta que o início da vacinação contribuirá, inclusive, para a evolução das
conversas no campo da esquerda, restritas até agora pelo distanciamento social
compulsório.
Depois
do segundo turno, Dino já participou de pelo menos 20 conversas com lideranças
do PT, PCdoB, PSB e Psol. O time de interlocutores inclui o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, Guilherme Boulos e
Marcelo Freixo. O encontro com Ciro Gomes ficou para janeiro.
“A
eleição municipal trouxe a sensação geral [na esquerda] de que sozinho ninguém
vai fazer um gol. Acontece de um jogador pegar a bola no meio do campo, driblar
todo mundo, e fazer um gol, mas é raro”.
Ele
cita o exemplo das alianças amplas que levaram a esquerda a vencer
bolsonaristas em Fortaleza (CE) e Belém (PA). Acrescenta que a eleição para a
presidência da Câmara, onde a esquerda se uniu em torno do bloco de Rodrigo
Maia (DEM-RJ), é um bom “termômetro” para os próximos movimentos desse campo.
Isso
não quer dizer, ressalva, que a esquerda marchará com DEM, MDB e PSDB em 2022.
“Mas tem uma intervenção da esquerda conjunta nesse processo que é sinal de
amadurecimento”.
Dino alerta que seu otimismo “não é ingênuo, é lastreado em fatos”. “A atitude madura, convergente da esquerda [na eleição para a Mesa da Câmara] é reveladora de um sentimento geral de unidade”. Isso estará presente nas discussões sobre reconfiguração partidária em 2021, aposta.
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