Equilíbrio
fiscal é a mãe de todos os equilíbrios, diz Delfim
As
expectativas de que a PEC síntese das propostas de emenda constitucional do
Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos dê ao Executivo as ferramentas para
a gestão fiscal no ano que vem, respeitando o teto de gastos, podem se frustar.
O substitutivo da PEC 186, do senador Marcio Bittar (MDB-AC), ainda está sob
discussão nas lideranças políticas do Congresso, mas o texto preliminar será de
pouca valia para se ter uma política fiscal minimamente eficaz. Mais uma vez,
caminhamos para uma meia-sola.
O
substitutivo não comportou, por exemplo, a possibilidade de redução de até 25%
dos salários e da jornada de trabalho do funcionalismo em casos de grave
desequilíbrio fiscal. O Congresso continua a manter os privilégios do setor
público frente aos trabalhadores do setor privado que, neste ano, por causa da
pandemia tiveram seus salários e jornada cortados.
Não incluiu nenhum dos três D - a desindexação, a desobrigação e a desvinculação das receitas à despesas previamente definidas. Para ter noção do tamanho do engessamento orçamentário da União, de um total de R$ 1,6 trilhão de receitas, somente R$ 108,4 bilhões são de livre aplicação pelo Executivo federal, sendo que R$ 16 bilhões correspondem às emendas parlamentares.
E
não incorporou, também, a unificação dos gastos em saúde e educação, de forma a
desvincular o piso dos dois orçamentos. Isso daria alguma margem de manobra
para os gestores considerarem a questão demográfica, já que o envelhecimento da
população vai demandar mais gastos com saúde do que em educação.
Aparentemente
o relator desvinculou os recursos dos cerca de 200 fundos setoriais. Mas
imediatamente os “revinculou” aos gastos na erradicação da pobreza e em
projetos de infraestrutura, dentre outros.
O
substitutivo traz, ainda, punição para o caso de não haver o cumprimento de um
“plano de redução de incentivos e benefícios federais de natureza tributária,
financeira e creditícia (...)”. Assim, se o presidente da República não
apresentar tal proposta em 90 dias (a contar da data de promulgação da PEC),
estará incorrendo em crime de responsabilidade. Os congressistas terão seis
meses para votar a proposta, caso contrário ficarão suspensas as emendas
parlamentares.
No
âmbito da administração federal, o substitutivo se resume praticamente a três
medidas: acionar os gatilhos do teto de gastos quando as despesas obrigatórias
chegarem a 95% da despesa primária total, extinguir fundos públicos e reduzir
os subsídios (gastos tributários, subsídios financeiros e creditícios). O
objetivo é cortar a conta dos subsídios dos atuais 4,3% do PIB para 2% do PIB
em cinco anos.
O
impacto fiscal da PEC só ocorrerá a partir de 2022, pois, como lembra o
pesquisador do Insper Marcos Mendes, os gatilhos já foram acionados pela Lei
Complementar 173 até o fim de 2021. Não haverá, assim, redução adicional de
despesas para o ano que vem. Para 2022, o impacto desses gatilhos é bastante
modesto, próximo a R$ 5 bilhões, o que está longe de resolver as pressões sobre
o teto que já superam R$ 20 bilhões.
Mendes
faz mais reparos à PEC. Na questão dos subsídios, por exemplo, tem a meta de
redução dos gastos em cinco anos, mas, como cada artigo tem o seu senão, o
texto diz que “não serão contabilizados para o atingimento da meta” os
seguintes subsídios que, somados, correspondem à 50% do total dos gastos
tributários: Simples Nacional; isenções tributárias para entidades
beneficentes, filantrópicas e sem fins lucrativos; subsídios ligados à função
de desenvolvimento regional; Zona Franca de Manaus e desoneração da cesta
básica. “Ou seja, a regra é praticamente irrelevante, gerando ganho de receita
equivalente a 0,15% do PIB”, segundo as contas do pesquisador.
A
conclusão de Mendes é que, se aprovado o texto do projeto substitutivo,
“acabará a esperança de que a PEC emergencial ajude o cumprimento do teto.
Terão que ser buscadas outras medidas”.
Em
debate ontem patrocinado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), o
ex-ministro Delfim Netto foi taxativo: “É o investimento público que dá ao
setor privado a garantia de que haverá crescimento”. Portanto, é imperativo que
se busque espaço nas despesas obrigatórias para o investimento público, sem o
que não haverá investimentos privados e “nunca mais voltaremos ao crescimento
econômico”. A isso Delfim adiciona a questão de insegurança jurídica e faz um
apelo para que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida questões relevantes no
plenário, e não de forma monocrática.
O
ex-ministro da Fazenda Eduardo Guardia, também presente no debate, considerou a
tentativa de eliminar a lei do teto de gastos uma “tragédia” e, diante do
quadro de grave desequilíbrio nas contas públicas e expansão da dívida/PIB para
a casa dos 100%, defendeu uma segunda rodada de reforma na Previdência e uma
boa reforma administrativa, pois a proposta do Executivo é tímida.
“O
equilíbrio fiscal é a mãe de todos os equilíbrios”, sem o qual a saída será a
dominância fiscal e a volta da hiperinflação, disse Delfim.
Como
constituinte em 1988, Delfim faz uma avaliação bastante crítica das decisões tomadas
na época. “Por um ato de insensatez, nós engessamos demais o Orçamento” que
hoje reflete as prioridades de 32 anos atrás. Ali criou-se, também, segundo
ele, uma burocracia que se apropria do excedente produtivo de uma “maneira
extravagante”.
Há uns 30 anos que o drama fiscal está à nossa frente, agravado pelos gastos com a pandemia. Falta compreensão, convicção e coragem nos três Poderes para enfrentá-lo. O Executivo e o Legislativo se digladiam em torno de uma proposta que vai sendo desidratada até tornar-se irrelevante; e o Judiciário não tem a menor sensibilidade para com as restrições orçamentárias.
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