Pólvora
da bravata contra a saliva da diplomacia e do bom senso não dará conta de
enfrentar e solucionar um confronto a sério com as potências que reagirem ao
risco de uma catástrofe ambiental no Brasil
Debates,
análises e decisões consistentes sobre o futuro do capitalismo após a pandemia
estão ocorrendo em diferentes lugares do mundo, especialmente nos países ricos.
A fácil e rápida disseminação do vírus invisível alcançou não só as
visibilidades do mundo real, mas sobretudo as fragilidades e contradições da
economia amplamente exposta às perturbações que se propagam a partir das
anomalias disseminadas por ocorrências como a da covid-19.
A
economia moderna se tornou um sistema de conexões inevitáveis. Atingido um elo
débil, de âmbitos que não o propriamente econômico, outras debilidades acabam
se manifestando e propagando. Não é casual que, no mundo inteiro, o debate
sobre a pandemia tenha se tornado um debate sobre a economia. O vírus
revelou-se mais convincente do que a economia de Chicago.
O impacto das diferentes irracionalidades que caracterizam a economia contemporânea torna-as mais graves do que têm sido até aqui. São fatores de problemas que não podem ser resolvidos pela economia e nem pelos economistas.
São
essas conexões que farão com que o futuro do Brasil não seja decidido aqui, mas
lá fora, nos países de que somos economicamente dependentes, por governos e
instâncias sobre os quais não adianta usar pólvora nem saliva.
Eminentes
figuras internacionais, de grande respeitabilidade, têm dito e sublinhado,
nestes últimos meses, com grande autoridade, que a economia mundial já não será
a mesma após a pandemia. A questão ambiental tem sido colocada em primeiro
lugar como questão reguladora da nova economia que virá.
Mas
também a questão da pobreza, das migrações decorrentes dos desenraizamentos e
das exclusões sociais nos países de Terceiro Mundo que padecem de grave
insuficiência de capitalismo e inviabilidade de economias alternativas. Países
em que a economia tradicional foi destruída para favorecer a expansão
propriamente capitalista, caso de economias camponesas e tribais.
Menosprezar
camponeses e indígenas, porque suas economias não são capitalistas, expressa
unicamente ignorância e falta de conhecimento científico em relação à
diversidade econômica, social e política do mundo. Uma coisa que tem sido
invocada pelo próprio governante brasileiro e alguns de seus mais notórios
auxiliares. Como aconteceu na exibição de uma índia brasileira destribalizada e
urbana na comitiva do presidente da República às Nações Unidas, como evidência
do índio que deu certo.
Essa
gente não tem a menor ideia do que está dizendo e do que está fazendo.
Incentivar a destribalização e o desconhecimento da rica singularidade social e
cultural dessas populações é destruir um patrimônio humano, culturalmente
superior ao da cultura dos que usam abusivamente o poder que têm para impor seu
desconhecimento aos frágeis e desvalidos.
As
populações indígenas são guardiãs da natureza, dotadas de culturas que explicam
o ambiente, suas regularidades e o modo de protegê-lo e o tem protegido até
aqui. Elas têm muito a ensinar aos que pretendem ensinar-lhes sem saber o que
ensinam.
O
reconhecimento da diversidade do mundo e dos perigos que corre depende da
ciência e dos cientistas. Único meio de dialogar com as etnociências das
populações simples, expressões de ancestral sabedoria protocientífica.
Uma
preocupante indicação do que está acontecendo no Brasil é motivada justamente
pelo desdém do governo atual pela ciência, pela contraposição de um senso comum
rastaquera às descobertas e recomendações científicas.
O
Brasil tem hoje ciência consolidada em todos os campos do conhecimento
científico. O Brasil faz ciência de Primeiro Mundo hoje minimizada por um
governo de Terceiro Mundo. É espantoso que militares não vejam a diferença e
insistam em coadjuvar a ignorância que nos governa e nos ameaça enquanto seres
humanos e como nação.
Pólvora
da bravata contra a saliva da diplomacia e do bom senso não dará conta de
enfrentar e solucionar um confronto a sério com as potências que reagirem
contra o risco de uma catástrofe ambiental no Brasil, país que é uma das
principais “fábricas” de oxigênio no mundo.
Governantes
de vários países e o próprio presidente eleito dos EUA já falaram em diferentes
modos de criar um fundo milionário que acabará sendo um sistema de
compartilhamento do destino da Amazônia. Nossa geopolítica subdesenvolvida, de
manuais velhos de mais de meio século, não considera tema de seu interesse e
preocupação os problemas que o vírus desencadeou sem bater continência a quem
quer que seja.
Esta
fase, vê-se agora, tem sido a da decadência de um modelo de capitalismo que pôs
milhões de seres humanos à margem da estrada e os descartou. Até crianças são
excluídas já ao nascer.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Moleque de Fábrica" (Ateliê).
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