Choques de preço serão revertidos nos próximos 3 anos, e haverá pressão desinflacionária
A inflação tem subido. Tenho escrito sobre o tema desde a coluna de 3 de outubro último.
Em
abril deixou de vigorar no Brasil o mecanismo equilibrador entre movimentos de
commodities e do câmbio.
Desde
a implantação do regime de câmbio flutuante, como somos um grande produtor e
exportador de commodities, sempre que o preço das matérias-primas no mercado
mundial sobe, nossa moeda se aprecia, e vice-versa.
A
gangorra dos movimentos do câmbio e das commodities insula a economia brasileira
dos efeitos inflacionários da subida dos preços das matérias-primas.
No
entanto, faltou nas colunas passadas melhor compreensão dos fatores que
explicam a subida das matérias-primas.
O
movimento das commodities parece ter duas origens. Primeiro, foi a recomposição
do rebanho suíno na China em 2020, após a redução de 40% em 2019 em razão
da gripe suína
africana, que castigou pesadamente a suinocultura chinesa.
Os maiores problemas sanitários ocorreram na produção doméstica de suínos alimentados por restos de alimentos, a famosa lavagem. A reconstituição do rebanho suíno ocorreu preferencialmente em modernas granjas. Houve a elevação permanente da demanda por ração, isto é, soja e milho.
Para
termos ideia do tamanho do problema, o chinês, em média, consome 40 quilos de
carne suína por ano. A demanda mundial por carne vermelha é, em média, da ordem
de 40 quilos per capita. Como a China tem 20% da população mundial, a
suinocultura chinesa representa 20% da produção de proteína animal no mundo.
A
recomposição de 40% do rebanho com nova tecnologia moderna representa elevação
de 8% (basta multiplicar 0,4 por 0,2) na demanda global por ração! Levará
alguns anos para que a oferta se ajuste.
Assim,
temos soja e milho e seus substitutos próximos nas nuvens. E, portanto, o preço
da proteína animal continuará elevado por mais tempo.
O
segundo choque de preços está associado diretamente à epidemia da Covid-19. As
famílias reduziram pesadamente o consumo de serviços no mercado. Substituíram pela
produção de serviços em casa.
Assim,
há forte demanda para: reformas de
casas; reaparelhamento de escritórios domésticos para teletrabalho e
aulas remotas; compras de utensílios de cozinha; bicicletas e outros
equipamentos que substituem as academias fechadas; automóveis para fugir do
transporte público, e assim sucessivamente.
Ou
seja, a produção doméstica de serviços gerou forte demanda pela aquisição de
mercadorias. A indústria de transformação agradece. Por exemplo, no 1º
trimestre ante o mesmo período de 2019, a indústria brasileira de transformação
opera em nível 4% superior.
O
fenômeno da recuperação da indústria é universal. Após queda muito profunda no
2º trimestre de 2020, a retomada muito rápida no 2º semestre pegou a indústria
mundial com estoques baixos. Há falta de
matéria-prima, e as linhas comerciais operam no limite da
capacidade. Faltam contêineres.
Enquanto
bares, restaurantes, cinemas, teatros, escolas, etc. estão vazios, a pandemia
demanda muito da logística e da indústria.
A
sondagem da indústria conduzida pelo meu colega do FGV Ibre Aloisio Campelo
mostra que 25% dos estabelecimentos industriais reportam dificuldades com
matérias-primas. Nos últimos 11 anos, esse indicador roda em torno de 5% e
nunca antes havia ultrapassado 10%.
Analogamente,
a sondagem do varejo, também conduzida pelo FGV Ibre, indica que 18% dos
varejistas têm dificuldades com fornecedores. Esse número chegou a 25% em
novembro e tem retornado muito lentamente. Da mesma forma, nos últimos dez anos
esse indicador roda em torno de 5% e nunca antes havia ultrapassado 13%.
Minha
avaliação é que não temos pela frente um outro superciclo de commodities. Na
primeira década do século, tínhamos o forte crescimento da China sustentado na
expansão da indústria pesada e dos investimentos em infraestrutura. Isto é,
tratava-se de um padrão de crescimento fortemente intensivo em commodities.
Temos
agora uma soma de choques muito intensos, que produzirão preços de commodities
altos por um bom tempo. Pode ser um período mais longo. Mas nos próximos três
anos os choques serão revertidos e haverá pressão desinflacionária.
*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
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