Quebra
de patentes ajusta política externa, mas não cura Bolsonaro
O
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,
fez uma espetacular jogada de marketing ao aderir à tese de quebra de patentes das vacinas em meio à pandemia de
covid-19, o que não só consolida a imagem de Biden como marca a volta dos EUA à
liderança mundial das grandes causas, como meio ambiente e combate ao vírus.
O
mundo desenvolvido e civilizado aplaude e se move na mesma direção, chacoalhando a Organização Mundial do Comércio (OMC), a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e, com elas, o multilateralismo, tão
achincalhado na era Donald Trump. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas, do
marketing a resultados, da intenção à ação, é que são elas.
Não é simples, nem rápido, uma guinada dessa magnitude, muito menos com o mundo em frangalhos pelo efeito do coronavírus nas pessoas, nos sistemas de saúde, nos países, nas empresas, nos empregos. É uma emergência, mas a teia de interesses é imensa – e poderosa. Quebra de patentes pode demorar anos, e a pandemia exige resultados já.
As
questões humanitárias, financeiras e políticas dividem o mundo entre os poucos
países que detêm as patentes e a grande maioria que demanda desesperadamente as
vacinas. E essas questões unem – contra – os grandes laboratórios, que
despendem recursos e recrutam os melhores cérebros do planeta para obter
sucesso – no caso da covid, em tempo recorde.
A
reação da União Europeia foi de apoio a Biden, mas, nos bastidores, a posição
de boa parte dos países está mais próxima da manifestada pela Alemanha, já
seguida pela França, contra a quebra de patentes. Não será surpresa se, um a
um, outros forem na mesma linha, lembrando que os EUA nunca exportaram uma
mísera dose e doam as estocadas a conta-gotas.
Assim,
segundo diplomatas e experts em negociação, do Brasil e do exterior, a quebra
de patentes a jato é improvável e o razoável são soluções alternativas, ou uma
“terceira via”: cessão de excedentes de vacina dos países ricos para médios e
pobres, transferência de tecnologia e redução de medidas protecionistas para os
insumos de vacinas.
No
mundo real, para além da geopolítica, só a quebra de patentes não vai
multiplicar as doses e proteger as bilhões de vidas do planeta, porque não
basta querer, é preciso poder fabricar as vacinas. Isso vale para o Brasil, que
tem Butantan, Fiocruz e capacidade de produção de vacinas, mas não o suficiente
para a demanda nacional, com ou sem quebra de patentes.
O
efeito da fala de Biden por estas bandas também é político e diplomático,
depois de o governo jogar para o alto o troféu do Brasil de capitão da quebra
de patentes no combate à Aids, uma vitória que marca a biografia do
ex-ministro José Serra (PSDB-SP). Para se alinhar a Trump, Bolsonaro
virou as costas para Índia e África do Sul, parceiros dos BRICS, e ficou contra
a quebra de patentes na era da Covid.
Sem
Trump e com Biden, sem Ernesto Araújo e com Carlos França, a questão das patentes vem bem a calhar para a
correção de uma política externa até aqui desastrosa. Mas, enquanto quatro
ministros dizem em nota que o governo recebeu “com satisfação” as propostas dos
EUA, três deles são obrigados a implorar, de novo, o perdão da China. Por quê?
Porque Bolsonaro continua atrapalhando.
Ao insinuar que a China criou o vírus em laboratório para gerar uma “guerra química”, ele, aliás, deixa uma suspeita: a de que quer, deliberadamente, prejudicar a entrega de insumos para a “vacina chinesa do Doria” – que, na prática, é a que garante a imunização no Brasil. Para piorar, a OMS aprovou a vacina da Sinopharm, também chinesa, antes da Coronavac. Isso aumenta a ansiedade e, como efeito colateral, brasileiros nem poderão ir à Europa. Bolsonaro ri, o Brasil chora.
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