Uma
operação com blindados e helicópteros aterrorizou o Jacarezinho e deixou 28
mortos no maior massacre da história do Rio. Na manhã seguinte, a Polícia Civil
só havia identificado a vítima que usava farda. Sem conhecer as outras 27, o
vice-presidente Hamilton Mourão sentenciou: “Tudo bandido”.
O
general está afinado com a tropa no poder. O governador Cláudio Castro, aliado
do Planalto, classificou a matança como fruto de um “detalhado trabalho de
inteligência”. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, fez piada com
o relato de uma viúva. Há poucos dias, seu pai ergueu um cartaz com a inscrição
“CPF cancelado”. O capitão é um velho defensor de milícias e grupos de
extermínio.
“A polícia não mata sozinha. Esse tipo de discurso legitima a barbárie e a violência policial”, afirma o advogado Joel Luiz Costa, coordenador do Instituto de Defesa da População Negra. Criado no Jacarezinho, ele voltou à favela horas depois do banho de sangue. Percorreu as vielas, ouviu testemunhas e saiu convencido de que ocorreu uma chacina.
Em
2018, o Rio elegeu um governador que se fantasiava de soldado do Bope e mandava
a PM atirar “na cabecinha”. Seu substituto é mais discreto, mas quer provar que
também tem DNA bolsonarista. Ao exaltar a inteligência da polícia, Castro
ofende a inteligência alheia. A operação deveria cumprir 21 mandados de prisão,
mas só cumpriu três. Além de produzir uma carnificina na favela, feriu dois
passageiros dentro de um vagão de metrô.
Representantes
da OAB e da Defensoria Pública apontam outros abusos. Os policiais modificaram
cenas e removeram os corpos sem perícia. Depois levaram mais de 24 horas para
entregá-los ao IML. Testemunhas relataram execuções sumárias e uso
desproporcional da força. Apesar de tudo, a polícia se sentiu autorizada a
comemorar a operação.
Na
quinta, uma entrevista sobre o caso virou comício bolsonarista. O subsecretário
Rodrigo Oliveira reclamou do “ativismo judicial” e disse que os defensores dos
direitos humanos têm “sangue do policial nas mãos”. O delegado Felipe Curi
julgou e condenou os 27 mortos pelos colegas. “Não tem nenhum suspeito aqui. A
gente tem criminoso, homicida e traficante”, afirmou.
O
chefe do setor que deveria investigar o massacre já se convenceu de que não há
o que apurar. “Não houve execução. Houve sim uma necessidade real de um revide
a uma injusta agressão”, disse o diretor do Departamento de Homicídios,
delegado Roberto Cardoso. As declarações mostram o caso não pode ficar nas mãos
da Polícia Civil.
Além de ignorar regras e protocolos, a matança pisoteou a decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe operações em favelas durante a pandemia, salvo em casos excepcionais. Numa clara provocação, a polícia batizou a ação no Jacarezinho de “Exceptis”. Os responsáveis pela barbárie também não fariam isso sozinhos. Eles sabem que têm cobertura para desafiar o Judiciário e as leis.
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