O Globo
Nós, brasileiros, não somos debochados com
a morte e a dor. Somos solidários, sentimentais, abraçamos até desconhecidos.
Não sei quem vamos eleger em 2022. Mas somos como o intérprete de libras que se
emocionou na CPI com a fala trêmula de Giovanna, de 19 anos, órfã de mãe e pai,
vítimas da Covid. O intérprete foi substituído porque não conseguiu continuar.
Levou a mão à boca, prestes a chorar.
Mal sabia ele que esse gesto seria o mais
compreensível no país inteiro. Nos identificamos com ele. O intérprete nos
traduziu. É impossível continuar a viver normalmente, amar, trabalhar, dormir,
enquanto tivermos no poder uma família que debocha do sofrimento alheio, do
luto. Uma família que dá gargalhadas com viés de escárnio, nos acusando de
maricas e mimimi.
“Você conhece aquela gargalhada dele? Hahahaha”, imitou Flávio Bolsonaro, num riso tosco. “Porque não tem o que fazer diferente disso”, disse o 01. Respondia à pergunta de como o pai recebeu o relatório da CPI da Covid que o acusa de nove crimes graves. Riem como hienas. Imitam falta de ar. São deficientes de compaixão. Fazem pouco de centenas de milhares de famílias que perderam parentes próximos.
Giovanna Gomes Mendes da Silva perdeu a mãe
e o pai por complicações da Covid em um intervalo de 14 dias. Conseguiu a
guarda da irmã de 11 anos. A mãe passou uma noite, durante a internação, com
máscara furada de oxigênio. “A gente não teve nem tempo de sofrer pela
minha mãe, pois não podia ficar chorando na frente do meu pai”, disse a jovem,
tentando não cair no choro. “Perdemos as pessoas que mais amávamos”. Na
CPI, os parentes de vítimas lamentaram “cada deboche, cada sorriso, cada
ironia” do presidente.
Jair está sem partido. Vamos ajudar Jair.
Temos várias novas siglas possíveis. PCCH, o partido dos Crimes Contra a
Humanidade (meu favorito). PNB, o partido Negacionista Brasileiro. PSVC, o
partido dos Sem-Vergonha na Cara. PMRH, o partido dos Misóginos, Racistas e
Homofóbicos. PVA, o partido da Violência Armada. PTP, o partido da Terra Plana.
Aceitamos sugestões. Cartas para a redação.
Pode ser também o KKK, o partido da risada
atroz ou da Ku Klux Klan. Só não pode chamar de genocida, não é mesmo? Afinal,
genocida é um homicida visando exterminar uma etnia. E o Jair foi além, visou
todas as etnias, sem distinção, levando à morte boa parte dos 600 mil. Se fosse
parar em Nuremberg, faria como os nazistas. Em vez de pedido de desculpas, a
galhofa, o cinismo: “Fizemos a coisa certa desde o primeiro momento, não temos
culpa de absolutamente nada”.
Jair não será derrotado pela política de
extrema-direita, o desprezo por mulheres, negros, gays e índios, a idolatria do
fuzil e da tortura. Não perderá a reeleição para a inflação, a miséria, a fome,
o desemprego, o preço dos alimentos, da luz, do combustível, o desmatamento da
Amazônia, ou até a gestão criminosa na pandemia e a demora em vacinar ou
garantir oxigênio para salvar vidas.
Jair não perderá para Lula, para Ciro,
Mandetta, Moro ou qualquer candidato que se invente na última hora. Diz-se que
o mundo vota com o bolso, é a economia, estúpido. Mas acho que o Brasil vai
votar com o coração. Jair perderá para ele mesmo, para a sua persona
desagradável. Eleitores pensarão: é certo eleger quem debocha da morte? Deus
castiga, viu, Pacheco e Lira? Aras nem digo.
Meu Brasil é o do intérprete de libras que
não conseguiu segurar a emoção em público. Ele tem coração, é gente como a
gente. O partido dele não é KKK. E o seu?
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