Valor Econômico
Pacheco é especialista em se aproveitar de
vácuos
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é
um político tradicional apenas na aparência. Ele tem pose, discurso e prática
de político tradicional, mas na realidade não é. Sua carreira pública tem menos
de oito anos de idade. Uma trajetória tão meteórica quanto a sua, de “outsider”
para deputado federal em 2014 até presidenciável em 2021, não é normal. Só pode
começar a ser compreendida quando se observa o que aconteceu em Minas Gerais
nos últimos tempos. A possível opção presidencial do PSD em 2022 é um fruto da
destruição de lideranças que marcou a década passada, no qual o caso mineiro é
emblemático.
Minas Gerais tornou-se uma terra de ninguém, do ponto de vista político. A destruição da imagem pública de Aécio Neves (PSDB) e o governo catastrófico de Fernando Pimentel (PT), dizimaram as forças políticas que tracionavam o Estado desde os anos 90. Figuras do establishment mineiro tiveram que encerrar suas trajetórias. Entraram em cena dois personagens da antipolítica, o governador, Romeu Zema (Novo) e o prefeito de capital, Alexandre Kalil (PSD). São os quadros mais importantes no cenário eleitoral mineiro, mas não conseguem agregar. Continuam de certo modo lobos solitários.
“Minas
está sem maestro. O governador e o prefeito são figuras desmobilizadoras”,
constata um dos muitos políticos do Estado que foi varrido do mapa na década
passada, o ex-deputado e ex-ministro Roberto Brant.
É neste cenário que surgiu Rodrigo Pacheco.
Ele foi mais um a se beneficiar do deserto, demonstrando duas características:
obstinação e ambição. Elegeu-se deputado federal já de olho no degrau seguinte.
Tornou-se candidato a prefeito da capital gastando R$ 4 milhões do próprio
bolso na campanha, em 2016, financiando-a quase em sua integralidade. Ficou em
terceiro, mas com 10% dos votos, um desempenho que o projetou. Ganhou o Senado
dois anos depois em uma eleição onde o mineiro fundamentalmente fez as suas
duas escolhas para senador de modo a excluir a ex-presidente Dilma Rousseff,
que se candidatou pelo PT. O outro senador eleito foi um repórter da rádio
Itatiaia, Carlos Viana, mais um outsider.
Pacheco deixou de ser escoteiro na política
ao conseguir coordenar interesses e articular grupos diversos onde ninguém
conseguia exercer este papel. O acaso lhe estendeu os braços: chegou a
presidente do Senado quando caiu por terra a articulação de seu antecessor,
Davi Alcolumbre, para se reeleger com o aval do Supremo. Pacheco vai assim
aproveitando o vácuo, construindo sua ascensão com vitórias por WO. Mas isso em
Brasília, não em Minas Gerais. No seu Estado, Pacheco tem dificuldade de
construir um grupo político, dada a polarização nacional e o caráter
desmobilizante das lideranças de Zema e Kalil.
No quadro mineiro, segundo o professor
Malco Camargos, do Instituto Ver, o desempenho do senador é nulo. Com 10% do
eleitorado nacional, Minas Gerais segue o padrão nacional na eleição
presidencial: Lula muito à frente de Bolsonaro e todos os demais em patamar
muito inferior. O projeto político de Pacheco, portanto, precisa ser construído
fora de Minas.
E fora de Minas há um outro deserto. Existe
uma demanda - candidato a terceira via - que não é atendida no momento pela
oferta de candidatos em pauta. E quando se menciona demanda aqui não há
referência ao eleitorado. Esse ainda está mergulhado na polarização entre Lula
e Bolsonaro.
A demanda surge da classe política e de
parte do mundo empresarial. Há um processo informal de recrutamento em curso
para apresentar um nome alternativo para a presidência.
A um ano da eleição, o momento é propício
para fatos novos. Só o fato novo pode gerar um catalisador para alimentar uma
terceira via. A novidade tem o potencial de formar uma onda que leve um
determinado nome a compor alianças em um ritmo crescente. E aí, quem sabe,
cruzar o umbral de 10% nas pesquisas e ganhar competitividade.
A prévia do PSDB no próximo mês será um
fato novo. Se o ex-juiz Sergio Moro se filiar a algum partido, também irá gerar
um fato novo. O movimento partidário de Pacheco é um fato novo. Ele só pode ser
compreendido dentro da lógica da eleição presidencial. Para se conseguir uma
eventual reeleição à presidência do Senado, como observa Brant, não haveria
necessidade de abandonar o União Brasil, produto do casamento entre PSL e DEM.
Os presidenciáveis da terceira via
atualmente só têm duas estratégias eleitorais possíveis. Uma é a de competir
pela direita, apostando no antipetismo. Neste caso parte-se da premissa de que
Lula já está no segundo turno e de que o desgaste de Bolsonaro pode levar parte
do eleitorado a fazer uma espécie de voto útil em um nome sem a mesma rejeição
do atual presidente, mas com a mesma capacidade de manejar uma machadinha.
Parece ser essa a aposta do governador paulista João Doria (PSDB) e do
ex-governador Ciro Gomes (PDT).
A outra estratégia é acreditar que o
eleitor está cansado da polarização e busca um candidato que não combine com
conflito e enfrentamento. Nesta seara está o governador gaúcho Eduardo Leite
(PSDB) e Rodrigo Pacheco, na opinião de Camargos. Se o eleitor de fato quiser
isso, um candidato com um perfil conciliador seria capaz de tirar votos
simultaneamente de Lula e Bolsonaro.
Ser incolor, insípido e inodoro, um fluido
capaz de preencher espaços físicos de diferentes formas, como a água, é o
trunfo de Pacheco para vestir este figurino. Em se tratando de um livro em
branco, sem compromisso inarredável com ninguém, Pacheco estará livre para
assumir posições à vontade. É um personagem em busca de um autor, para lembrar
Pirandello.
Não terá nessa empreitada a base política
regional e o conhecimento do eleitorado. Mas tem seus trunfos: além da
obstinação e da ambição, conta com a incrível incapacidade dos demais
presidenciáveis da terceira via em acertarem o passo. Um exemplo é o PSDB,
partido mais forte no campo do centro, vive uma disputa interna em suas prévias
que pode chegar a tal nível de animosidade que inviabilize a candidatura
presidencial, seja quem for o vencedor da escolha interna. Nem no caso de
Doria, nem no caso de Leite, há segurança de que conseguirão unir a sigla.
Crescer no vácuo é uma especialidade de Rodrigo Pacheco.
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