sexta-feira, 22 de outubro de 2021

César Felício - Terra de ninguém

Valor Econômico

Pacheco é especialista em se aproveitar de vácuos

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é um político tradicional apenas na aparência. Ele tem pose, discurso e prática de político tradicional, mas na realidade não é. Sua carreira pública tem menos de oito anos de idade. Uma trajetória tão meteórica quanto a sua, de “outsider” para deputado federal em 2014 até presidenciável em 2021, não é normal. Só pode começar a ser compreendida quando se observa o que aconteceu em Minas Gerais nos últimos tempos. A possível opção presidencial do PSD em 2022 é um fruto da destruição de lideranças que marcou a década passada, no qual o caso mineiro é emblemático.

Minas Gerais tornou-se uma terra de ninguém, do ponto de vista político. A destruição da imagem pública de Aécio Neves (PSDB) e o governo catastrófico de Fernando Pimentel (PT), dizimaram as forças políticas que tracionavam o Estado desde os anos 90. Figuras do establishment mineiro tiveram que encerrar suas trajetórias. Entraram em cena dois personagens da antipolítica, o governador, Romeu Zema (Novo) e o prefeito de capital, Alexandre Kalil (PSD). São os quadros mais importantes no cenário eleitoral mineiro, mas não conseguem agregar. Continuam de certo modo lobos solitários.

 “Minas está sem maestro. O governador e o prefeito são figuras desmobilizadoras”, constata um dos muitos políticos do Estado que foi varrido do mapa na década passada, o ex-deputado e ex-ministro Roberto Brant.

É neste cenário que surgiu Rodrigo Pacheco. Ele foi mais um a se beneficiar do deserto, demonstrando duas características: obstinação e ambição. Elegeu-se deputado federal já de olho no degrau seguinte. Tornou-se candidato a prefeito da capital gastando R$ 4 milhões do próprio bolso na campanha, em 2016, financiando-a quase em sua integralidade. Ficou em terceiro, mas com 10% dos votos, um desempenho que o projetou. Ganhou o Senado dois anos depois em uma eleição onde o mineiro fundamentalmente fez as suas duas escolhas para senador de modo a excluir a ex-presidente Dilma Rousseff, que se candidatou pelo PT. O outro senador eleito foi um repórter da rádio Itatiaia, Carlos Viana, mais um outsider.

Pacheco deixou de ser escoteiro na política ao conseguir coordenar interesses e articular grupos diversos onde ninguém conseguia exercer este papel. O acaso lhe estendeu os braços: chegou a presidente do Senado quando caiu por terra a articulação de seu antecessor, Davi Alcolumbre, para se reeleger com o aval do Supremo. Pacheco vai assim aproveitando o vácuo, construindo sua ascensão com vitórias por WO. Mas isso em Brasília, não em Minas Gerais. No seu Estado, Pacheco tem dificuldade de construir um grupo político, dada a polarização nacional e o caráter desmobilizante das lideranças de Zema e Kalil.

No quadro mineiro, segundo o professor Malco Camargos, do Instituto Ver, o desempenho do senador é nulo. Com 10% do eleitorado nacional, Minas Gerais segue o padrão nacional na eleição presidencial: Lula muito à frente de Bolsonaro e todos os demais em patamar muito inferior. O projeto político de Pacheco, portanto, precisa ser construído fora de Minas.

E fora de Minas há um outro deserto. Existe uma demanda - candidato a terceira via - que não é atendida no momento pela oferta de candidatos em pauta. E quando se menciona demanda aqui não há referência ao eleitorado. Esse ainda está mergulhado na polarização entre Lula e Bolsonaro.

A demanda surge da classe política e de parte do mundo empresarial. Há um processo informal de recrutamento em curso para apresentar um nome alternativo para a presidência.

A um ano da eleição, o momento é propício para fatos novos. Só o fato novo pode gerar um catalisador para alimentar uma terceira via. A novidade tem o potencial de formar uma onda que leve um determinado nome a compor alianças em um ritmo crescente. E aí, quem sabe, cruzar o umbral de 10% nas pesquisas e ganhar competitividade.

A prévia do PSDB no próximo mês será um fato novo. Se o ex-juiz Sergio Moro se filiar a algum partido, também irá gerar um fato novo. O movimento partidário de Pacheco é um fato novo. Ele só pode ser compreendido dentro da lógica da eleição presidencial. Para se conseguir uma eventual reeleição à presidência do Senado, como observa Brant, não haveria necessidade de abandonar o União Brasil, produto do casamento entre PSL e DEM.

Os presidenciáveis da terceira via atualmente só têm duas estratégias eleitorais possíveis. Uma é a de competir pela direita, apostando no antipetismo. Neste caso parte-se da premissa de que Lula já está no segundo turno e de que o desgaste de Bolsonaro pode levar parte do eleitorado a fazer uma espécie de voto útil em um nome sem a mesma rejeição do atual presidente, mas com a mesma capacidade de manejar uma machadinha. Parece ser essa a aposta do governador paulista João Doria (PSDB) e do ex-governador Ciro Gomes (PDT).

A outra estratégia é acreditar que o eleitor está cansado da polarização e busca um candidato que não combine com conflito e enfrentamento. Nesta seara está o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) e Rodrigo Pacheco, na opinião de Camargos. Se o eleitor de fato quiser isso, um candidato com um perfil conciliador seria capaz de tirar votos simultaneamente de Lula e Bolsonaro.

Ser incolor, insípido e inodoro, um fluido capaz de preencher espaços físicos de diferentes formas, como a água, é o trunfo de Pacheco para vestir este figurino. Em se tratando de um livro em branco, sem compromisso inarredável com ninguém, Pacheco estará livre para assumir posições à vontade. É um personagem em busca de um autor, para lembrar Pirandello.

Não terá nessa empreitada a base política regional e o conhecimento do eleitorado. Mas tem seus trunfos: além da obstinação e da ambição, conta com a incrível incapacidade dos demais presidenciáveis da terceira via em acertarem o passo. Um exemplo é o PSDB, partido mais forte no campo do centro, vive uma disputa interna em suas prévias que pode chegar a tal nível de animosidade que inviabilize a candidatura presidencial, seja quem for o vencedor da escolha interna. Nem no caso de Doria, nem no caso de Leite, há segurança de que conseguirão unir a sigla. Crescer no vácuo é uma especialidade de Rodrigo Pacheco.

 

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