Revista Veja
Pacificação e unidade são palavras
recorrentes dos envolvidos na articulação de candidaturas ao centro. Nada mais
falso e distante da realidade
Pacificação e unidade são duas palavras
recorrentes tanto nos pronunciamentos oficiais quanto nas conversas informais
dos envolvidos na articulação de candidaturas capazes de percorrer caminho
alternativo a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva. Nada mais falso e distante
da realidade de cada um desses grupos.
Não significa que não haverá desistências
adiante. É bastante possível, e até provável que haja, mas não ocorrerão em
nome de uma união fraterna, e sim em atendimento a interesses pontuais
resultantes do balanço entre custos e benefícios imposto pelas circunstâncias.
Em princípio, os partidos precisam de candidaturas a presidente para “puxar” votos à Câmara dos Deputados, nesta que será a primeira eleição geral com a proibição de coligações proporcionais. Quem quiser, e todos querem, ampliar suas bancadas federais e estaduais terá de se atrelar a cabeças de chapa fortes. Isso vale também para as disputas por governos de estados.
É um fator importante, em alguns casos
decisivo, pois, quanto maior o número de deputados eleitos, mais significativa
é a influência junto ao Poder Executivo e mais volumosa é a parcela de dinheiro
público destinada à legenda.
Na ausência das doações de empresas,
proibidas pela Justiça, hoje o Fundo Eleitoral é a principal fonte de recursos
para o financiamento de campanhas. Daí o esforço de suas excelências para
reservar 5 bilhões de reais do Orçamento da União para tal. Sob o pretexto de
“custear a democracia”, financiam a causa própria.
Trata-se, portanto, muito mais de poder e
dinheiro do que de projeto de país. E, quando se fala disso, a união de forças
toma a forma difusa de conversa mole. Há mais fatores a dividir que a unir os
grupos que disputam um mesmo capital.
Na cantilena da unidade, entoada com vigor
sob a luz de holofotes e ao som dos microfones, parecem todos muito
civilizados. A cortesia, porém, não resiste ao lusco-fusco reinante nos
bastidores. Exemplo mais recente vimos nas prévias do PSDB. Nos debates
promovidos por meios de comunicação — foram três — os governadores João Doria
(SP) e Eduardo Leite (RS) mais pareciam disputar a diretoria de colégio para
moças (referência antiga, eu sei, mas ilustrativa no caso) de tão amáveis um
com o outro.
Fora do palco, corriam soltas a troca de
acusações pesadas e desqualificações recíprocas que acabaram vindo à tona no
episódio da falha no aplicativo de votação. Ali se rasgaram as fantasias de
unidade e pacificação.
Mesmo por vezes desmascarada, a coreografia
persiste. Quando se juntam dois, três ou mais pretendentes ao Planalto em
eventos públicos, o que mais se ouve é a afirmação de que ninguém está ali em
nome de “projetos pessoais”. Como assim, se o que mais existe em disputas de
poder e dinheiro são projetos específicos? No momento o jogo é individual. A
plateia, nessas ocasiões, aplaude tais demonstrações de desapego numa evidência
de que o desprendimento agrada. Seria um ativo, não fosse enganoso.
A ideia da candidatura única no primeiro
turno só prospera na cabeça do eleitor esperançoso (crédulo?). Os mais
familiarizados com os meandros da natureza humana, cujos instintos primários se
exacerbam na política, não enxergam adiante condições objetivas para a
materialização da fraternidade prometida, ou presumida.
Alude-se a uma concertação geral para o
início de 2022. Difícil, pois àquela altura estarão todos voltados para a
realização das convenções partidárias, onde é dada a palavra final sobre as
candidaturas. Isso acontece no meio do ano, faltando ainda quase quatro meses
para a eleição.
Se o panorama já é volátil hoje, imagine-se
que será muito mais quando da proximidade da data fatal e havendo tempo
suficiente para alteração do humor do eleitorado. Cedo para convencer os que se
acham ainda capazes de se viabilizar a desistir em prol desse ou daquele
potencial adversário. Tarde, no entanto, para a construção de laços firme e
fortes em torno de um nome. Ou dois, que seja.
Ainda que alguém desponte nas pesquisas (Sergio Moro, Ciro Gomes ou um tucano, suponhamos) como capaz de tirar Lula ou Bolsonaro do segundo turno, restarão as picuinhas político-partidárias para ser enfrentadas, todas de difícil solução. É um campo em que ninguém engole ninguém de verdade. Ambiente mais propício à briga de foice no escuro que ao alcance da sonhada paz na Terra entre os homens de boa vontade.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766
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