Folha de S. Paulo
Causa mortis do partido foi a gripe do
antipetismo e a pneumonia de bolsonarismo
MAD, iniciais em inglês de Mútua Destruição
Assegurada, é o nome da doutrina nuclear seguida por EUA e URSS na Guerra Fria.
Aplica-se, porém, ao espetáculo
falimentar das prévias do PSDB.
Se estrategistas de Bolsonaro e Lula se
reunissem para escrever um roteiro de implosão da candidatura presidencial
tucana, não fariam serviço mais perfeito que o dos próprios tucanos.
A
culpa é do app, ou do cronograma alternativo, ou da empresa contratada para
fabricar o software, a julgar pela guerra de declarações desferidas por Eduardo
Leite e João Doria.
A retórica bélica não deixou entrever algum
fundamento político para a cisão irreparável, o que é prova definitiva da
bancarrota do partido. Mas, de fato, o PSDB morre de política.
Lá na origem, o partido surgiu como
expressão de um projeto social-democrata adaptado ao Brasil. Pouco mais tarde,
no seu auge, os tucanos derivaram para uma plataforma social-liberal, sintetizada
no Plano Real.
As reformas empreendidas pelo governo FHC não se confinaram à estabilização da moeda, alastrando-se aos campos do equilíbrio fiscal, das privatizações, da responsabilidade gerencial e de um ensaio de abertura comercial. O programa abriu caminho para, já sob Lula, a expansão das políticas de renda formuladas pelo antecessor.
Na oposição, porém, o PSDB revelou-se
incapaz de operar como usina de ideias. Ao longo dos três mandatos e meio do
lulopetismo, os tucanos não conseguiram oferecer um contraponto abrangente às
políticas sociais de Lula.
Na prática, limitaram-se à crítica
negativa, apontando os riscos do populismo fiscal ao equilíbrio macroeconômico
e, sobretudo, concentraram-se na denúncia dos escandalosos esquemas de
corrupção (mensalão e petrolão). Num
certo ponto, tornaram-se caudatários do Partido dos Procuradores que, por meio
da Lava Jato, encarnava o salvacionismo judicial.
O antipetismo vazio conduziu, paradoxalmente,
à rendição. Alckmin inaugurou sua campanha de segundo turno, contra Lula, em
2006, pregando os broches das estatais na sua camisa. Serra introduziu sua
campanha contra Dilma, em 2010, exibindo uma foto de Lula ao lado da sua, para
simular uma ilusória continuidade. Quando nada tem a dizer, o político recorre
a truques circenses.
Colocar o antipetismo no lugar de um
programa tem preço —e a fatura completa chegou em 2018. À sombra de uma crise
multifacética, o eleitorado
tradicional do PSDB migrou em massa para o candidato mais antipetista:
Bolsonaro venceu por larga margem nas fortalezas tucanas do Centro-Sul,
abandonando Alckmin ao relento.
Os líderes seguiram os eleitores, ao invés
de liderá-los. Doria e Leite engajaram-se na campanha de Bolsonaro, no segundo
turno, ignorando a deliberação partidária de neutralidade.
O líquido poluído do bolsonarismo
espalhou-se pela lagoa tucana, paralisando o partido. Nos últimos anos, o PSDB
declarou-se "independente", abrindo caminho para a maioria de sua
bancada federal acomodar-se, efetivamente, no conforto da base governista.
De nada adiantou o giro
oficial recente, para a oposição: na votação da PEC dos Precatórios, a
maioria dos deputados tucanos alinhou-se com o governo.
Nas prévias, Doria e Leite exibiram-se como
opositores de Bolsonaro, tentando apagar a mancha de 2018. Aécio
Neves, protagonista oculto, firmou aliança com Leite, mas para cumprir
agenda própria.
O mineiro busca conservar a
"independência" da bancada, não selecionar um candidato presidencial.
O partido carente de programa já não se distingue do "centrão",
almejando apenas assegurar cadeiras no Congresso, a fim de apoderar-se de
fração significativa do fundo partidário e do "orçamento secreto".
O PSDB está morto. A causa mortis não é o
app ou a guerra fratricida entre lideranças sem discurso. O partido dos tucanos
morreu da gripe do antipetismo e de sua sequela, a pneumonia de bolsonarismo.
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