EDITORIAIS
Mais uma variante
Folha de S. Paulo
Nova cepa do vírus gera temores no mundo;
Bolsonaro reage com presteza incomum
O mundo estava preocupado com a nova onda
de infecções por Covid-19 na Europa, com a persistente disseminação do vírus
nos EUA e com as baixíssimas taxas de vacinação em países mais pobres.
Agora vê a possibilidade de que esses
surtos espalhem uma nova
variante do patógeno, identificada no sul da África e que já circula
por Europa, leste da Ásia e Oriente Médio. Governos já bloqueiam voos de países
africanos, e os temores afetam os mercados.
No Brasil, o governo Jair Bolsonaro reagiu
com presteza incomum. O Ministério da Saúde emitiu um alerta sobre a cepa e
recomendou o uso de máscaras; anunciou-se que será proibida a
entrada de viajantes que tenham estado em seis países africanos; o
mandatário ainda achou tempo para criticar a realização do Carnaval, um novo
cavalo de batalha de seus seguidores.
Bolsonaro, como se sabe, nunca esteve
preocupado com providências de contenção da epidemia. Pouco antes de o mundo
saber da nova mutação do coronavírus, cobrava a reabertura das fronteiras
terrestres do país.
Seu ministro da Justiça, Anderson Torres, discordava da exigência de certificados de vacinação para viajantes que pretendem entrar no país, recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o argumento precário do ministro, a vacina "não impede a transmissão".
Vacinas não impedem a transmissão, mas
diminuem de modo relevante a probabilidade de infecção. Bloquear voos vindos de
países em que a epidemia é preocupante tampouco é barreira forte. Trata-se de
contenção de danos.
O fato de o Brasil não exigir certificados
de vacinação ou quarentenas de viajantes provoca uma espécie de seleção
adversa. Pessoas que não se vacinaram, barradas em portos e aeroportos de
outras nações, podem escolher o território brasileiro como destino.
Note-se ainda que a prova de vacinação é
exigida de brasileiros que pretendem entrar nos EUA e na Europa, por exemplo.
Passaportes, bloqueios e quarentenas ajudam
a filtrar uma possível invasão de vírus, não importa se oriundos de países com
novas ou velhas versões do patógeno.
No momento, não há outros meios de diminuir
a entrada de novas infecções, nem de saber, aliás, se a nova variante é mais
transmissível ou letal e se despista os imunizantes. O alarme geral sobre
outras cepas já se mostrou injustificado, mas a prudência se impõe.
Quanto ao mais, é preciso completar logo a
vacinação, estudar a imunização de crianças e não descurar da prevenção.
Máscaras devem ser exigidas em lugares fechados ou de aglomeração evidente.
Em várias cidades, não é ou em breve não
será obrigatório seu uso em locais abertos. Mas tal medida deve ser comunicada
com cuidado. Não pode ser sinal de que a epidemia estava perto do fim, o que
seria um estímulo ao relaxamento.
Rusgas com Macron
Folha de S. Paulo
Bolsonaro e presidente francês mantêm
embate que os valoriza ante suas plateias
Em julho de 2019, uma descortesia
diplomática do presidente Jair Bolsonaro deu início a um embate, que se
prolonga, com seu homólogo francês, Emmanuel Macron.
Na ocasião, alegando problemas na agenda, o
brasileiro cancelou na última hora um encontro com o ministro das Relações
Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, então em visita ao país.
A indelicadeza se converteu em grosseria,
porém, quando o mandatário apareceu pouco depois do horário da reunião cortando
o cabelo numa transmissão pela internet.
A oportunidade para a desforra de Macron
veio um mês mais tarde, no momento em que as queimadas na Amazônia ganharam a
atenção do planeta. O francês vestiu a roupa de líder sensível à causa
ambiental e buscou capitalizar a crise, levando o assunto ao encontro do G7, do
qual ele era anfitrião.
Dedicado a alimentar a altercação com
Bolsonaro, Macron incorreu em conjecturas disparatadas sobre um estatuto
internacional para a região amazônica, as quais só serviram para fomentar a
paranoia nacionalista do Planalto.
A rixa ganhou tons de baixaria. Bolsonaro
endossou nas redes sociais um comentário ofensivo sobre a aparência da mulher
de Macron, posteriormente replicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O
mandatário francês retorquiu, afirmando que esperava que os brasileiros
"tivessem logo um presidente à altura do cargo".
Neste mês, a contenda conheceu novo round.
Em Paris, Macron armou uma recepção de gala ao ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT), com direito a honrarias inusuais para uma visita não oficial. O
gesto deu ao giro europeu do petista ares de triunfo diplomático e ensejou
comparações com a viagem de Bolsonaro ao Oriente Médio.
O brasileiro acusou o golpe. "Parece
uma provocação", disse. Completando o cortejo a desafetos de
Bolsonaro, o governo francês entregou sua mais importante comenda ao senador da
oposição Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
Por trás do confronto transatlântico,
nota-se que tanto Bolsonaro como Macron miram, na realidade, suas plateias
domésticas. Dissipada a espuma produzida por rusgas e desfeitas, o que
remanesce é a racionalidade do cálculo político.
Não é hora de brincadeira
O Estado de S. Paulo
Mutações virais são dados da natureza. O que impressiona é a negligência, a despeito do conhecimento já produzido sobre o coronavírus e da dor que o patógeno já causou
À vista de todos que se dispõem a
enxergá-los, os fatos acabam com as ilusões de quem acredita que a pandemia de
covid-19 é uma tragédia superada. O mundo está diante da ameaça de uma nova
onda de infecções pelo coronavírus e é extremamente importante que cada
indivíduo mantenha o máximo de cuidado a fim de evitar o pior. A esta altura,
todos sabem o que deve ser feito.
Há poucos dias, cientistas identificaram na
África do Sul uma variante do Sars-cov-2, chamada B.1.1.529, que pode ser mais
transmissível do que as cepas já identificadas e até mesmo resistente às
vacinas disponíveis no momento. A Pfizer já iniciou testes de eficácia de seu
imunizante contra a nova variante. Outros laboratórios devem seguir o mesmo
caminho. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que “levará semanas” até
que os riscos da B.1.1.529 sejam plenamente conhecidos.
Em primeiro lugar, o surgimento de uma nova
e ameaçadora variante do coronavírus não deve surpreender ninguém. Mutações
virais são dados da natureza. O que impressiona, portanto, não é a biologia,
mas a incompreensão humana e a reiterada negligência, a despeito de todo o
conhecimento já produzido sobre o vírus e, principalmente, de toda a dor que o
patógeno já causou.
Por definição, uma pandemia desconhece
fronteiras geográficas. Seu fim depende fundamentalmente da soma de esforços
entre países. A brutal desigualdade na distribuição de vacinas abriu flancos
para que o coronavírus seguisse circulando livremente entre populações de
países mais pobres, menos imunizadas. A isso se soma o individualismo de muitos
cidadãos que têm fácil acesso às vacinas em países ricos ou de renda média, mas
que simplesmente se recusam a recebê-las por uma série de razões, quase todas
egoístas. Combinados, esses dois fatores facilitam muito o ciclo natural do
coronavírus.
Mas a realidade se impõe. Fruto da
iniquidade na distribuição de vacinas ou da irresponsabilidade dos que podem,
mas não querem recebê-las, o mundo agora tem de lidar com a nova ameaça.
Mercados globais entraram no “modo pânico” diante da incerteza do que vem pela
frente. Novos fechamentos serão determinados por governos mundo afora? Haverá
mais pressão sobre os sistemas de saúde, mal saídos do maior teste de estresse
da história recente? Ninguém sabe.
Esse quadro de incerteza global provocado
pela nova variante do coronavírus deveria levar o governo federal a adotar
medidas de precaução para proteger a saúde e a vida dos brasileiros. Para isso,
no entanto, o presidente Jair Bolsonaro precisaria ser outra pessoa, alguém
mais cioso de suas responsabilidades como chefe de Estado e de governo, e não
este homem desprovido de quaisquer atributos técnicos e morais para estar no
cargo que ocupa. A apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se
limitou a dizer que os brasileiros “têm de aprender a conviver com o vírus”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) cumpriu o seu papel e recomendou o fechamento imediato das fronteiras
brasileiras para viajantes não vacinados e para qualquer pessoa que chegue da
África do Sul e mais cinco países do continente africano. O governo federal é
contra a medida, sabe-se lá por que razões. Científicas não são.
Contrário à exigência de certificado de
vacinação para estrangeiros que vêm ao Brasil, na trilha do negacionismo de seu
chefe, o ministro da Justiça, Anderson Torres, chegou a afirmar que “vacinas
não impedem a transmissão da doença”. Do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
não se ouviu nem um pio. É esse o grau de pusilanimidade e subserviência de
dois dos mais importantes ministros de um governo que fez do descaso uma
política pública.
A diretora-geral assistente da OMS,
Mariângela Simão, afirmou que “o mundo vive o começo de uma quarta onda de
covid-19”. O País foi citado no alerta. “São preocupantes as discussões sobre a
abertura do carnaval no Brasil, condição extremamente propícia para o aumento
da transmissão comunitária do vírus”, disse a diretora da OMS.
Do governo Bolsonaro não se espera nada. Só
a responsabilidade dos cidadãos e dos governos subnacionais pode evitar que o
Brasil experimente os horrores de um recrudescimento da pandemia.
Artimanhas para controlar o Supremo
O Estado de S. Paulo
Três semanas após o STF ter suspendido o
orçamento secreto, a CCJ da Câmara aprova duas PECS casuísticas para tentar
controlar a cúpula da Justiça
Por 35 votos contra 24, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) que reduz de 75 para 70 anos a idade de aposentadoria
compulsória dos ministros dos tribunais superiores. Embora ainda tenha de
percorrer um longo caminho até ser votada pelo plenário e, também, de passar
pelo Senado, a mudança, se for aprovada em 2022, obrigará os ministros Ricardo
Lewandowski e Rosa Weber a deixarem o Supremo Tribunal Federal (STF), o que
permitirá ao presidente Jair Bolsonaro fazer mais duas indicações no final de
seu mandato.
A PEC foi apresentada no início do governo
Bolsonaro pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) e estava esquecida num
dos escaninhos da CCJ, da qual ela é presidente. Foi desengavetada três semanas
após o STF ter proibido o pagamento das chamadas emendas de relator, coração do
“orçamento secreto”, ardil que permite o repasse de recursos da União a aliados
do governo em troca de sua fidelidade nas votações do Congresso.
Para assegurar a aprovação dessa PEC, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também vinculado a Bolsonaro, atrasou
o início da sessão de plenário, para esperar o término da votação na CCJ. Pelo
regimento da Casa, quando a sessão de plenário começa, as sessões das comissões
técnicas são suspensas. Uma das razões que levaram a CCJ a encerrar mais tarde
seus trabalhos foi a aprovação, juntamente com a proposta de redução da idade
máxima de aposentadoria da magistratura, de uma outra PEC, que amplia de 65
para 70 anos a idade máxima para a indicação de ministros das instâncias
superiores da Justiça.
Embora pareça contraditória com a primeira
PEC, na prática a segunda PEC permite a entrada no STF, no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), no Tribunal Superior do Trabalho e nos Tribunais Regionais
Federais de magistrados que não poderiam ser promovidos pelas regras em vigor. E,
em alguns desses tribunais, especialmente no STJ, tanto o governo quanto os
próprios filhos do presidente Bolsonaro atualmente são partes de ações em
tramitação – uma delas trata do caso das “rachadinhas” e envolve o primogênito
do presidente, o senador Flávio Bolsonaro.
Ao justificar a defesa da redução de idade
da aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores, os
deputados bolsonaristas alegaram que a rotatividade na cúpula do Judiciário
ficou muito baixa após a entrada em vigor da chamada PEC da Bengala. Trata-se
de uma formidável mudança de posição, considerandose que a PEC da Bengala,
aprovada em 2015, foi aprovada com o voto do então deputado Jair Bolsonaro, na
época muito interessado em impedir que a então presidente Dilma Rousseff
nomeasse cinco ministros em seu segundo mandato, o que lhe permitiria ter
maioria confortável no STF.
Assim, do mesmo modo que a PEC da Bengala
não passou de uma manobra da oposição para impedir o controle do STF pelo
governo Dilma, as duas PECS aprovadas pela CCJ também não passam de um duplo
casuísmo para que Bolsonaro possa ter maior influência nos tribunais
superiores. No caso do STF, caso consiga se reeleger, o presidente poderá
indicar mais três ministros no segundo mandato. Como já indicou dois nomes, um
dos quais espera a aprovação do Senado, e ainda poderá indicar mais dois até o
final de 2022, caso a PEC seja aprovada, ele terá nomeado 7 dos 11 membros do
STF. O próprio presidente já falou sobre isso a seus apoiadores, no cercadinho
do Alvorada.
Países como Itália, França e Espanha
estabelecem mandatos para suas cortes supremas. Nos Estados Unidos, não há
limite de idade. A Alemanha combina os dois critérios – o mandato é de 11 anos,
mas com idade limite de 68 anos. Já no Brasil, as idades de entrada e de
permanência de ministros dos tribunais superiores jamais foram discutidas com
base em critérios institucionais. Pelo contrário, sempre foram decididas por
meio de manobras legislativas, que atendem a interesses pouco republicanos.
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