Valor Econômico
É importante desmontar as “armadilhas da
pobreza”, evitando a dependência crônica das políticas públicas
Em artigo de 2007 publicado no Journal of
Economic Perspectives, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, vencedores do prêmio
Nobel de Economia de 2019, investigaram de forma detalhada a vida de pessoas
que vivem na extrema pobreza em um conjunto de 13 países.
Verificou-se serem indivíduos que vivem em
famílias numerosas, gastando de 56 a 75% da renda com alimentação. Cerca de 10%
dos gastos dessas famílias são com ritos sociais, a exemplo de casamentos e
velórios, enquanto, em média, 10% dos gastos são com álcool ou cigarro. Tais
famílias quase não investem em educação e dependem do Estado ou de organizações
não governamentais para receberem algum tipo de investimento em capital humano.
Os adultos vivendo na extrema pobreza na
grande maioria trabalham por conta própria ou são pequenos empreendedores
operando em baixa escala e com quase nenhum ativo produtivo, a exemplo de
terras e máquinas. São pessoas com pouca especialização, exercendo mais de uma
atividade e com acesso restrito ao crédito.
De fato, um dos principais problemas em desenvolvimento econômico é entender a razão pela qual grande contingente de indivíduos permanecem em situações de extrema pobreza e em atividades de baixíssimo rendimento. Quais são as principais restrições e barreiras que evitam que essas pessoas saiam da pobreza? Entender isso é importante para definir políticas efetivas que possam melhorar a vida de quase 1 bilhão de habitantes do planeta. Principalmente, quando o orçamento dos governos para gastos sociais é limitado.
A questão é longínqua e atraiu vários
pensadores e economistas. O médico pernambucano Josué de Castro escreveu sobre
o assunto ainda na primeira metade do século passado. Ele observou a vida dos
pobres no Recife e postulou que alguns operários da época eram pouco produtivos
porque eram mal alimentados. Assim, a má nutrição estaria causando a pobreza e
políticas redistributivas e de combate à fome teriam efeitos positivos e
significantes.
Partha Dasgupta e Debraj Ray nos anos de
1980 desenvolveram teoria consistente com os argumentos de Josué de Castro e
mostraram como a má nutrição pode ser importante determinante de renda e da
acumulação de ativos. Angus Deaton, prêmio Nobel de 2015, estudou o problema
nos anos 1990 com trabalhos empíricos corroborando as ideias de Dasgupta e Ray.
A questão nutricional é certamente
relevante para os casos de extrema carência material, mas mesmo quando essa
questão parece resolvida a persistência da pobreza se mostra ainda relevante.
Há duas teorias principais para explicar
essa persistência. Alguns economistas defendem a ideia que algumas pessoas
trabalham em ocupações de baixo rendimento porque não possuem atributos, como
capital humano ou talento, para exercerem outras atividades.
A educação, por exemplo, habilita as
pessoas a aprenderem e utilizarem melhor as informações, os processos
produtivos, abrindo oportunidades para diversas atividades. O baixo capital
humano dos indivíduos explicaria a permanência das mesmas em certas atividades
e em situação de privação material.
De acordo com essa teoria, a pobreza seria
erradicada com um maior investimento nas pessoas através da expansão e melhoria
da saúde e da educação públicas. Ações diretas de combate à pobreza, como a
transferência de renda e/ou o acesso ao crédito, não teriam necessariamente
efeitos significativos e permanentes na pobreza de longo prazo.
Uma outra visão entre os economistas é que
as pessoas permanecem em atividades de baixo rendimento porque não têm ativos
ou renda suficiente para fazerem certos investimentos e assim saírem da
“armadilha da pobreza”. Um pequeno empresário pode precisar de máquinas e
equipamentos para aumentar sua escala produtiva e vendas, assim podendo acumular
ativos. Neste caso, acesso ao crédito barato e políticas de transferência de
renda poderiam induzir investimentos e a saída de situações de extrema pobreza.
A visão de Josué de Castro sobre o efeito
negativo na produtividade do trabalho de uma nutrição inadequada se insere
também nesta teoria da existência de uma “armadilha da pobreza”.
É pouco questionável que políticas que
levem a melhoria do capital humano possam tirar os indivíduos da pobreza. A
questão que levanta mais dúvidas é se há ou não evidência sobre a existência de
uma “armadilha da pobreza” e se políticas redistributivas podem ter efeitos
duradouros sobre a incidência da pobreza.
Em um trabalho a sair no Quartely Journal
of Economics, economistas da London School of Economics analisam um experimento
controlado de 2007 com cerca de 26.000 famílias em Bangladesh, quando mulheres
dessas famílias aleatoriamente receberam uma transferência de um ativo com
valor de aproximadamente US$ 490 ou aproximadamente 90% do valor anual de
gastos com consumo dessas famílias.
Se a pobreza em Bangladesh é determinada
principalmente por atributos individuais dessas mulheres, era esperado que tal
transferência geraria efeitos temporários no consumo das famílias beneficiadas
pelo programa, mas não necessariamente teria levado a alterações relevantes nas
atividades laborais e na renda.
No entanto, após 11 anos, os autores do
estudo mostram que essa transferência gerou de fato mudanças duradouras,
afetando positivamente o número de horas trabalhadas, assim como as atividades
exercidas e o acúmulo permanente de ativos das mulheres. Os economistas indicam
que a taxa interna de retorno do programa foi bem mais elevada do que as taxas
de juros praticadas pelas instituições financeiras em Bangladesh.
O referido estudo revela que a “armadilha
da pobreza” pode ser um determinante importante da persistência de indivíduos
em atividades de baixa remuneração. Portanto, não só políticas de investimento
de capital humano são efetivas para combater a pobreza de curto e longo prazos;
ações redistributivas podem também ter um papel relevante.
Contudo, é essencial pensar em como
melhorar o desenho de políticas redistributivas em larga escala. É importante
desmontar as “armadilhas da pobreza”, evitando a dependência crônica das políticas
públicas. Temos sim que dar o peixe para todos que passam fome, mas o objetivo
fundamental é ensinar a pescar e promover os incentivos para a criação de valor
e o fortalecimento do trabalho produtivo.
*Tiago Cavalcanti é professor
de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP
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