Valor Econômico
Pleitos de Hungria, EUA, França, Colômbia e
China merecem ser acompanhados com especial atenção
Não é apenas por aqui, onde quase 150
milhões de brasileiros vão às urnas daqui a nove meses, que o futuro será
jogado em 2022. Portugal, Filipinas, Coreia do Sul, Austrália, Suécia e Costa
Rica terão eleições neste ano. Em cinco países, contudo, as próximas votações
merecem ser acompanhadas com especial atenção. Seja pelas implicações para a
democracia, seja pela densidade da relação política e econômica-comercial com o
Brasil. Vamos a elas.
1) Hungria: abril ou maio. Enquanto
antibolsonaristas não conseguem entrar em acordo nem mesmo sobre o dia certo de
ir às ruas, a oposição húngara se uniu em uma candidatura única contra o
extremista Viktor Orbán.
No poder desde 2010, o primeiro-ministro defende um “Estado iliberal” e já gabaritou a prova da direita radical: discurso anti-imigração, ataques à comunidade LGBT, controle da mídia, ampliação do tribunal constitucional e nomeação de novos juízes fiéis ao Executivo, transferência de universidades estatais para fundações ligadas a aliados de Orbán, mudança dos distritos eleitorais para favorecer o Fidesz (seu partido). Em vez de prender adversários e dissidentes, como outros autocratas, captura as instituições - característica dos golpes “cupim”, que corroem a democracia por dentro, não com tanques ou explosões.
Em 2019, quando a oposição se juntou nas
eleições regionais, o Fidesz perdeu 10 das 23 maiores cidades do país,
incluindo a capital Budapeste. Os resultados estimularam a costura de uma nova
coalizão. Esse pacto uniu seis partidos, dos socialistas ao Jobbik, legenda de
direita com raízes extremistas, que foi se moderando ao longo do tempo. Cada
sigla tinha, sozinha, 14% das intenções de votos. Agora, a Oposição Unida marca
empate nas pesquisas contra o Fidesz.
Péter Márki-Zay, o escolhido para enfrentar
Orbán, é um católico que entrou para a política há menos de quatro anos. Seu
perfil mais conservador foi considerado ideal para angariar eleitores
descontentes com os rumos do atual governo. Ele teve o apoio até de notórios
progressistas.
O que torna a votação na Hungria tão
relevante para o mundo é justamente o advento de sua frente ampla. Uma derrota
poderá espalhar a mensagem de que nem mesmo a improvável aliança entre quem
pensa muito diferente, tendo a preservação de valores democráticos como
denominador comum, é capaz de frear escaladas autoritárias.
2) EUA: 8 de novembro. As eleições
legislativas no meio do mandato presidencial refletem habitualmente a
popularidade do inquilino da Casa Branca. Desta vez, as “midterms” devem
significar a perda de maioria do Partido Democrata na Câmara (provável) e no
Senado (possível). Isso pode imobilizar o restante do governo Joe Biden, mas é
o de menos. As consequências podem aparecer em 2024, com Donald Trump novamente
candidato - pesquisa da Ipsos/Reuters o aponta como nome preferido de 54% dos
eleitores republicanos.
E se Trump concorrer mesmo e perder em
Estados-chave, por margem relativamente estreita, mais ou menos como ocorreu em
2020? E se ele repetir que as eleições foram roubadas, mas com a Câmara e o com
Senado sob controle republicano? Ian Bremmer, fundador da Eurasia, já alertou
que hoje o partido de Trump estaria mais vulnerável a seus apelos. É por isso
que as “midterms”, normalmente um pleito bocejante para quem está fora dos EUA,
importam tanto.
3) França: 10 e 24 de abril. É a segunda
eleição seguida sem chances de vitória da esquerda, após o governo impopular do
socialista François Hollande (2012-2017). Marine Le Pen, a candidata da extrema
direita, foi atenuando o discurso ao longo do tempo. Seu partido adotou um verniz
de normalidade e até mudou de nome, amenizou o antissemitismo e a xenofobia,
engavetou a ideia de deixar o euro e a União Europeia. O plano era, depois de
consolidar uma base radical, atrair os moderados.
Le Pen já havia obtido 34% dos votos no
segundo turno em 2017. Diante do crescente tédio dos jovens com a política e o
fortalecimento de movimentos antissistema, como os coletes amarelos, tornou-se
ainda mais competitiva e vinha buscando aos poucos elevar seu teto para um novo
duelo final contra Emmanuel Macron neste ano.
Surgiu então Éric Zemmour, com falas mais
extremistas até do que a antiga versão sincerona de Le Pen. Eis o aprendizado
para a ultradireita: é preciso manter o radicalismo, sem moderação, sob pena de
abandono pelo eleitorado mais ideológico e da abertura de um flanco à direita.
Em clima de fratricídio, Le Pen e Zemmour
agora dividem esse eleitorado e pontuam em torno de 15% cada um, afastando-se
mutuamente do segundo turno. Bom para Valérie Pécresse, a candidata dos
Republicanos (direita tradicional), que hoje desponta como favorita para chegar
ao segundo turno, em que Macron tem presença garantida e ainda um discreto
favoritismo. Pécresse é, ao mesmo tempo, um alívio para os moderados em geral e
uma ameaça à reeleição do presidente, que preferiria enfrentar Le Pen ou
Zemmour.
4) Colômbia: 29 de maio e 19 de junho. Com
sua política contemporânea influenciada pelo combate às Farc e à ELN, a
Colômbia ficou ao largo da “onda vermelha” que se espalhou pela América do Sul
na década de 2000. Pela primeira vez, poderá ter um presidente de esquerda.
Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá e
ex-guerrilheiro, lidera todas as pesquisas. Ainda é visto com receio por
empresários e investidores. Há menos de dois meses, falou em taxar grandes
fortunas, propriedades rurais e o “patrimônio improdutivo”. Quer proibir novas
explorações de petróleo. Seu desafio, no segundo turno, será acalmar assustados
com o fantasma do “comunismo”.
5) China: quarto trimestre. Xi Jinping
pavimentou o caminho para um terceiro mandato, algo inusual para líderes
chineses, no 20º Congresso Quinquenal do Partido Comunista. Não importa o
resultado, previsível em ditaduras, mas os sinais. Foi no 19º Congresso, em
2017, que o “pensamento” de Xi foi igualado oficialmente ao de Mao Tsé-tung e
Deng Xiaoping. Na ocasião, ele delineou o plano para tornar a China uma líder
global em 2050.
Agora a economia chinesa está em
desaceleração, o regime aperta a repressão, indispõe-se com os bilionários e
tenta levar adiante sua política de “prosperidade comum”. Ler nas entrelinhas
será essencial. O PC também vigia mais do que nunca a história do país,
buscando apagar capítulos sombrios da memória pública. Vale a máxima de George
Orwell: “Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente
controla o passado”.
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