quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Bruno Boghossian: A serviço do presidente

Folha de S. Paulo

Audiência pública organizada às pressas serviu para mascarar sabotagem do presidente

O Ministério da Saúde mobilizou a máquina do governo para satisfazer os caprichos de Jair Bolsonaro. Na reta final de 2021, a pasta abriu uma consulta pública com perguntas feitas sob medida para confundir os pais e dificultar a vacinação de crianças contra a Covid. Nesta terça-feira (4), organizou uma audiência pública para espalhar desinformação sobre os imunizantes.

A operação foi montada a jato. Em 16 de dezembro, o corpo técnico da Anvisa autorizou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Naquela mesma noite, Bolsonaro atacou publicamente a decisão da agência: levantou riscos do imunizante e disse que divulgaria os nomes dos responsáveis pela análise. Dois dias depois, o Ministério da Saúde anunciou a tal consulta pública.

Um formulário foi divulgado na antevéspera do Natal. As perguntas eram direcionadas para atender aos critérios que Bolsonaro tentava inventar, como a apresentação de receita médica e de um termo de compromisso assinado pelos pais.

O objetivo da consulta não era obter uma análise sobre a segurança e a eficácia das vacinas. Essa avaliação já havia sido feita pela Anvisa e por uma câmara técnica do próprio Ministério da Saúde. A ideia, ao contrário, era criar dúvidas e adiar o início da aplicação das doses.

A enquete não saciou o desejo do presidente. O ministério realizou uma audiência pública em que deu espaço para conhecidos porta-vozes do movimento antivacina. Um deles citou os raríssimos casos de miocardite em crianças vacinadas. Ele não quis dizer que a incidência dessa inflamação é maior em crianças que desenvolvem Covid. A Anvisa se recusou a participar do evento.

Foi um espetáculo de manipulação política, com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo. Em vez de realizar uma análise sóbria dos imunizantes e organizar o início da aplicação das doses, o Ministério da Saúde preferiu fertilizar teorias da conspiração. Tudo para dar uma aparência técnica à sabotagem diária liderada pelo presidente.

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