Folha de S. Paulo
Vivemos tempos epistemologicamente
complicados
Paul Feyerabend é o Bakunin da filosofia da
ciência. Se, nos anos 50, ele ainda era um bem-comportado discípulo de Karl
Popper, nos 70 já defendia o anarquismo epistemológico. A palavra
"anarquismo" aqui não é força de expressão. Para Feyerabend, não
existem regras que caracterizem o método científico. Não há diferenças
objetivas entre ciência, astrologia e entusiastas da dança da chuva. O que
temos são só discursos com diferentes capacidades de impor-se. Para Feyerabend,
a melhor forma de assegurar o avanço das ciências é deixar que elas interajam
livremente com esses outros discursos, num deliciosamente anárquico vale-tudo.
É raro ver as ideias de Feyerabend saírem do ambiente de discussões puramente teóricas em departamentos de filosofia, mas, de vez em quando, isso ocorre. Vem ocorrendo nos últimos meses na politicamente correta Nova Zelândia. Uma comissão do governo propôs que o "matauranga maori", o conhecimento tradicional maori, fosse incluído no currículo escolar em pé de igualdade com a ciência "ocidental".
Um grupo de sete acadêmicos da Universidade
de Auckland escreveu uma carta para um jornal criticando a ideia. Os
professores não se opunham ao ensino do "matauranga", mas sustentavam
que não fosse como ciência. A reação foi meteórica. Os signatários da carta
foram chamados de racistas e colonialistas.
Associações de cientistas e políticos se
juntaram ao coro. Alguns membros do grupo correm agora o risco de ser expulsos
da Royal Society, que abriu uma investigação disciplinar. É claro que também
houve quem os defendesse.
Acho que faltou um Bolsonaro à Nova
Zelândia. Se eles tivessem tido um líder como o nosso, teriam visto quão mortal
pode ser o vale-tudo.
Feyerabend envelheceu mal. Se, nos anos 70,
dava para sonhar que a ciência se enriqueceria com um pouco mais de anarquia e
subjetivismo, hoje vivemos tempos epistemologicamente mais sombrios.
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