sexta-feira, 13 de maio de 2022

Humberto Saccomandi: Piora externa é desafio à reeleição de Bolsonaro

Valor Econômico

Choques simultâneos, tanto do lado da demanda quanto da oferta, podem dificultar as chances de reeleição de Bolsonaro

Como a economia global poderá influenciar a eleição presidencial deste ano no Brasil?

Atrás nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro precisa de um bom desempenho da economia brasileira no restante do ano para manter as chances de reeleição em outubro. Mas justamente quando o cenário econômico interno dá sinais de melhora, o cenário externo começa a piorar mais acentuadamente. Assim, é improvável que a economia global vá favorecer o presidente na reta final da disputa eleitoral. Pode até prejudicá-lo.

A economia global enfrenta atualmente vários choques simultâneos. Há os efeitos ainda da pandemia de covid-19, a desaceleração na China, os problemas derivados da guerra na Ucrânia, a alta da inflação global e o movimento de elevação dos juros pelo mundo. Tudo isso gera fortes pressões negativas, tanto do lado da demanda como no da oferta.

O choque na demanda (que já é claro na China e que começa a se espalhar pela Europa, mas ainda não pelos EUA) enfraquece o crescimento. O choque na oferta, causado principalmente pelos problemas nas cadeias globais e pela guerra na Ucrânia, aumenta os preços globais de uma série de produtos, de chips de carros a commodities agrícolas e energéticas - ontem os EUA previram uma queda da produção global de trigo neste ano, o que fez o preço subir 6%.

Essa combinação de choque de demanda e choque de oferta é pouco comum e ameaça gerar o fenômeno conhecido como estagflação, quando ocorre ao mesmo tempo uma estagnação econômica e inflação alta. Normalmente, a inflação sobe quando a economia está aquecida e cai quando ela esfria.

Apesar de a atividade econômica nos EUA ainda estar aquecida, o debate do momento no país é se a economia americana conseguirá ter um pouso suave, isto é, reduzir a inflação (que está no maior nível em 40 anos) sem gerar uma recessão. Autoridades americanas obviamente se dizem confiantes. Mas muitos economistas discordam. Na semana passada, o ex-secretário do Tesouro Larry Summers, um democrata, sugeriu que o pouso suave é muito improvável. Uma recessão nos EUA provavelmente não virá neste ano, mas crescem as apostas de que já está contratada para 2023. Assim, os agentes econômicos começam a se ajustar, o que por si só já induz a uma desaceleração.

A China, cuja demanda é vital para países exportadores de commodities, como o Brasil, atravessa possivelmente o pior momento econômico desde a crise do final dos anos 80. Os problemas nas cadeias de produção induzidos pela pandemia, a campanha do governo contra alguns setores, como as empresas privadas de tecnologia, e mais recentemente os lockdowns para conter a covid-19 infligiram um duro golpe à economia chinesa. A meta oficial de crescimento deste ano é de cerca de 5,5%, que já seria o menor desde 1991. Mas economistas privados já falam de expansão do PIB abaixo de 4%.

Na Europa, que esperava um ano de retomada após a pandemia, a guerra na Ucrânia está induzindo a uma inesperada freada da economia, causada principalmente pelo aumento dos custos da energia. A escala desse ajuste ainda é incerta e vai depender do desenrolar do conflito na Ucrânia, mas o risco de uma recessão no ano é grande. Dado divulgado ontem apontou queda na atividade econômica no Reino Unido em março.

A expectativa de que a inflação começasse a ceder, tanto no Brasil como no exterior, a partir deste segundo trimestre, também está incerta. Os preços dos combustíveis e da energia continuam aumentando (o preço médio da gasolina bateu recorde nos EUA nesta semana), o que continuará gerando reajustes de preços em toda a cadeia.

Para conter a inflação, o Fed (BC americano) já começou o processo de elevar as taxas de juros. O BCE deve fazer o mesmo a partir de julho. Isso encarece o dinheiro em todo o mundo e pode gerar crises da dívida em países altamente endividados.

Por fim, o conflito na Ucrânia deve continuar por um bom tempo ainda. O avanço russo, quando há, é muito lento. E Moscou não dá sinais de que vai recuar de seus objetivos, que parecem ser o de anexar partes do leste e do sul da Ucrânia. As sanções à Rússia e a Belarus continuarão em vigor enquanto não houver um acordo de paz.

Enfim, há um quadro consistente de deterioração do cenário econômico global, que deverá se manter ao longo do ano, talvez até se agravar.

Mas, para influenciar o processo eleitoral brasileiro, essa piora externa precisa ser sentida pelo eleitor daqui, o que poderia gerar mais insatisfação até as eleições. E eleitor insatisfeito geralmente pune o governo de turno. É improvável que o Brasil fique imune a essa piora, mas não está claro em que escala isso ocorrerá. Além disso, o governo pode adotar medidas para mitigar esse choque externo, pelo menos até as eleições.

A inflação possivelmente é o canal de contágio mais evidente, pois bate imediatamente no bolso do eleitor. Os preços dos combustíveis continuam sendo reajustados seguindo a cotação externa do petróleo. Produtos agrícolas também estão sendo reajustadas pelo preço internacional, como ocorre com o óleo de cozinha.

A persistência da inflação pode obrigar o Banco Central a estender o ciclo de aumentos dos juros, o que tende a frear mais a economia.

Uma desvalorização maior do real também poderá gerar mais pressão inflacionária. A moeda brasileira teve bom desempenho no ano, em relação aos demais emergentes, mas houve uma acelerada queda nas últimas semanas. Não está claro ainda qual será o ponto de equilíbrio.

A piora nos mercados financeiros globais também contagia o mercado brasileiro. Há ainda o risco, como alertou nesta semana a secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, em entrevista ao Valor, de um efeito dominó de insolvência nos países emergentes mais vulneráveis. O Sri Lanka foi a primeira pedra a cair.

Até agora o Brasil foi relativamente favorecido pelo aumento dos preços de commodities que exporta. O país deve bater recorde de exportação de grãos neste ano.

Mas as condições externas mais adversas ameaçam mudar esse cenário favorável. Isso pode já estar acontecendo, como sugere a deterioração do câmbio nas últimas semanas.

Sem querer, o amigo Vladimir Putin colocou um desafio grande à reeleição de Bolsonaro.

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