Editoriais
Urnas sem armas
Folha de S. Paulo
Enquanto Bolsonaro insiste em intimidações,
Justiça Eleitoral reforça defesas
As autoridades responsáveis pela condução
do processo eleitoral têm fortalecido suas defesas contra a desvairada ofensiva
do presidente Jair Bolsonaro (PL) para tumultuar o pleito deste ano.
O Tribunal
Superior Eleitoral deu resposta cabal aos múltiplos
questionamentos apresentados pelas Forças Armadas na comissão criada para
elevar a transparência do processo. Demonstrou-se que dúvidas tinham origem em
cálculos equivocados, confusões conceituais e desinformação —indício, no
mínimo, do despreparo.
Foi necessário que o TSE reafirmasse o
óbvio no ofício em que respondeu aos generais, desfazendo a fantasia segundo a
qual a totalização dos votos seria feita numa sala secreta do tribunal,
disparate que Bolsonaro não cansa de propagar.
As urnas eletrônicas deram contribuição
decisiva para garantir eleições limpas. Nunca se comprovou nenhuma fraude no
sistema, e os dispositivos que reforçam sua segurança têm sido aprimorados.
O fracasso dos que sugerem o contrário é
tão constrangedor que parece ter levado o ministro da Defesa, Paulo Sérgio
Oliveira, que até outro dia agia como bateria auxiliar do presidente da
República em suas investidas contra o TSE, a refletir melhor sobre o assunto.
Os presidentes da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), expressaram
sua confiança no sistema e na capacidade da Justiça Eleitoral
de conduzir o processo.
O único que teima em manifestar inconformismo é Bolsonaro. Em sua busca incessante por meios de tentar intimidar as instituições, nesta semana ele chegou a incitar os seguidores a se armar para reagir contra sabe-se lá o quê.
Suas bazófias são recebidas com ceticismo
até em suas fileiras. Pesquisas de opinião têm mostrado que a confiança da
população nas urnas eletrônicas é crescente, sendo amplamente majoritária mesmo
entre os que torcem pela reeleição do mandatário incendiário.
No Brasil, é missão do TSE organizar as
eleições, distribuir as urnas, contar os votos e proclamar os resultados. Como lembrou
nesta quinta (12) o ministro Edson Fachin, presidente do tribunal,
não há nada que o chefe do Executivo e seus generais possam fazer para alterar
essa realidade.
Bolsonaro continuará apostando na confusão
porque isso ajuda a mobilizar seus apoiadores mais radicais. O papel da Justiça
Eleitoral será cumprir com zelo a missão que lhe foi confiada na ordem
democrática, lembrando-o constantemente dos limites impostos aos seus desejos
de arbítrio.
Além da repressão
Folha de S. Paulo
Retomar espaço ocupado pela cracolândia é
dever; resta amparar os dependentes
Menos de dois meses após migrar para a
praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, a cracolândia foi alvo de mais
uma megaoperação policial nesta quarta-feira (11).
Até agora, como observado há décadas em
ações do tipo, o resultado são algumas prisões, apreensões de porções de drogas
e dispersão dos usuários pela região —uma pequena parcela aceitou ser
encaminhada para serviços de acolhida e atendimento de saúde.
Até 18 de março, o feirão do tráfico
ocupava a praça Júlio Prestes, a poucos metros dali. A mudança de local,
segundo a Polícia Civil, se deu de forma pacífica por ordem da facção criminosa
que comanda o fluxo. Este estaria sufocado após uma série de detenções,
despejos e emparedamento de hotéis ilegais.
A blitz conduzida por Prefeitura de São
Paulo e governo do estado trouxe duas consequências imediatas, ainda que longe
de definitivas.
A primeira, positiva, desobstruiu um marco
histórico tomado por barracas de traficantes e centenas de dependentes químicos.
Por enquanto, guardas-civis ocupam o espaço 24 horas por dia para evitar nova
invasão —expediente também empregado no antigo endereço. Projeto municipal
prevê cercar a área de 16,6 mil m² com grades e transformá-la num parque.
Se o perímetro da praça está sob controle,
o mesmo não ocorre nas adjacências. Grupos de usuários, de variados tamanhos,
perambulavam pela região central nesta quinta (12) para se fixar em um novo
ponto.
Muitos se espalharam por calçadas e vias
próximas, formando minicracolândias. Carros da Guarda Civil Metropolitana
tentavam dissipar as aglomerações e frear a renitente venda de crack.
O vaivém frenético de toxicômanos já
preocupa moradores e comerciantes. Alguns chegaram a baixar as portas, com medo
de saques.
Em artigo
publicado na Folha, o secretário-executivo de Projetos
Estratégicos, Alexis Vargas, da gestão Ricardo Nunes (MDB), defendeu a
pulverização. A concentração de usuários, diz ele, facilita o comércio de
entorpecentes e prejudica a intervenção estatal para um tratamento mais
humanitário.
É cedo para avaliar se a estratégia vai
funcionar, mas vale observar que, à primeira vista, o acolhimento imediato dos
remanescentes está aquém da
exitosa recuperação dos espaços públicos, ambos deveres das
autoridades paulistas.
Caberá aos responsáveis, daqui por diante, a complexa missão de conciliar operações repressivas ao estabelecimento de sólido arcabouço social, que de fato ampare esses cidadãos sob a ótica da saúde e ofereça o mínimo de dignidade.
Lula anuncia que será irresponsável
O Estado de S. Paulo
Promessa solene de Lula de acabar com o teto de gastos públicos, criado para remediar as lambanças petistas, é uma ameaça sobretudo aos mais pobres, que ele jura defender
Em sua turnê por Minas Gerais como
pré-candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a Emenda
Constitucional (EC) 95, que instituiu um teto para os gastos públicos.
Promulgada em dezembro de 2016, a EC 95 talvez seja a medida econômica mais
importante adotada no País desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Eu posso dizer uma coisa a vocês: não
haverá teto de gastos para o nosso governo”, discursou o ex-presidente na
Universidade Federal de Juiz de Fora, no dia 11 passado. A promessa deve soar
mais como ameaça, sobretudo aos brasileiros mais pobres, que Lula jura de pés
juntos defender. Afinal, como um Estado falido, que gasta mais do que arrecada,
haveria de financiar políticas sociais sem gerar mais inflação e elevação da taxa
de juros, cujos impactos são sabidamente muito mais perversos para a população
de baixa renda?
O ex-presidente, ao que parece, tem uma
resposta mágica. No Twitter, Lula reafirmou seu descompromisso com a
responsabilidade fiscal e indicou qual será, caso seja eleito, a receita de sua
poção milagrosa. “Não vai ter teto de gastos no meu governo. Vamos investir em
educação porque é o que dá mais retorno ao País. O que vai resolver a relação
dívida/PIB é o crescimento do PIB”, disse o chefão de um partido que legou ao
País dois anos de PIB negativo – e isso sem pandemia.
Lula é o líder de todas as pesquisas de
intenção de voto há alguns meses. Se esse cenário tenebroso se confirmar na
eleição de outubro, o Brasil terá novamente um presidente disposto a arruinar o
Tesouro em nome de seu projeto pessoal de poder. Convém recordar, então, por
que o Congresso promulgou a EC 95 e por que a medida segue tão importante hoje
como era à época de sua promulgação, malgrado o desmonte do teto de gastos
promovido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o ano passado a fim de financiar
seu projeto de reeleição.
O teto de gastos não nasceu por geração
espontânea. Tampouco é um fetiche de economistas ou “instrumento de opressão”
das elites sobre os mais pobres, como querem fazer crer seus detratores. Ao
longo de 2016, o então presidente Michel Temer e um conjunto de parlamentares
decidiram pela necessidade de estabelecer um controle sobre os gastos públicos
na Constituição para evitar que o País sofresse no futuro uma nova razia econômica
como a promovida pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), destituída justamente
por maquiar o estado tenebroso das contas públicas.
Tanto por suas decisões desatinadas em
política econômica como pela usurpação de recursos do Tesouro para financiar políticas
públicas com vistas a garantir sua reeleição e, depois, sua permanência no
poder, Dilma obliterou as finanças públicas, levando o País a um quadro de
recessão que até hoje cobra seu preço dos brasileiros. “Gasto é vida”, chegou a
dizer a ex-presidente. Ao defender o fim do teto de gastos, Lula promete
solenemente quebrar o País.
Não se sustenta tampouco sua fórmula para
“resolver a relação dívida/PIB”. Ora, como gerar investimentos públicos quando
o Orçamento da União está 95% comprometido com gastos obrigatórios? Lula e
Dilma estiveram no Palácio do Planalto por quase 14 anos. Contaram com ampla
base de apoio no Congresso. E nem assim fizeram qualquer movimento
significativo para acabar com o engessamento do Orçamento de modo a permitir
que o governo fizesse os investimentos que Lula agora diz que vai fazer. Se não
fizeram com uma base de apoio amplamente favorável, mais difícil será com um
Congresso em que, mantida a tendência da atual legislatura, a construção de uma
maioria se tornou muito mais complexa.
Uma coisa é Lula dizer que acabará com o
teto de gastos se for eleito. Outra é conseguir, de fato, alterar a
Constituição. Preocupa, no entanto, que os dois atuais favoritos nas pesquisas
de intenção de voto para presidente, malgrado as acentuadas diferenças
ideológicas, coincidam na rejeição ao teto. Mais do que nunca, é preciso que as
forças moderadas do País se unam para convencer o eleitor de que a
irresponsabilidade fiscal não é solução – é, ao contrário, a fonte de todos os
problemas.
A esperança não decepciona
O Estado de S. Paulo
Em oportuna mensagem, CNBB diz que ‘Brasil não vai bem’, mas destaca que a crise ética, econômica, social e política só será superada por meio do diálogo e da cultura do encontro
Por dois anos o mundo esteve em transe. As
pessoas foram obrigadas a se isolar umas das outras para lutar uma guerra
contra um inimigo invisível, enquanto eram bombardeadas por estatísticas que
escancaravam a fragilidade da vida. O clima de ressurreição de 2022 foi turvado
pela guerra na Europa. A morte de seres humanos por seres humanos, a fome que
se alastra no globo e os riscos de uma hecatombe nuclear são novos lembretes
dos pecados mortais, o egoísmo, a soberba, que aviltam a humanidade. O Brasil,
em particular, se prepara para um pleito que pode definir os destinos de uma
geração.
“Enche o nosso coração de alegria perceber
a explosão de solidariedade, que tem marcado todo o País na luta pela superação
do flagelo sanitário e social da Covid-19.” Com efeito, durante a pandemia as
ações solidárias bateram recordes extraordinários. Relembrá-las é relevante,
porque a emergência sanitária está oficialmente em seu fim, mas suas sequelas
socioeconômicas perdurarão por anos. Em descompasso com suas tradições cristãs,
o histórico de solidariedade e filantropia na nação brasileira é
comparativamente medíocre.
“A grave crise sanitária encontrou nosso
País envolto numa complexa e sistêmica crise ética, econômica, social e
política”, aponta a Mensagem ao Povo Brasileiro. “A Covid-19, antes de ser
responsável, acentuou todas essas crises, potencializando-as, especialmente na
vida dos mais pobres e marginalizados.”
Os bispos conclamam “a sociedade brasileira
a participar das eleições e a votar com consciência e responsabilidade” na
“luta pela justiça e pela paz”. Fome, dilapidação dos ecossistemas, desrespeito
aos direitos dos indígenas e violência são algumas das trincheiras dessa luta.
Por um aparente paradoxo, o bom combate só
será vencido por meio “do diálogo e da cultura do encontro”. A degradação deles
torna o quadro atual “gravíssimo”. “A lógica do confronto que ameaça o estado
democrático de direito e suas instituições, transforma adversários em inimigos,
desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o ódio nas redes sociais,
deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios fundamentais a serem
enfrentados.”
Os bispos alertam para as “tentativas de
ruptura da ordem institucional” que buscam desmoralizar a lisura das eleições.
“Tumultuar o processo político, fomentar o caos e estimular ações autoritárias
não são, em definitivo, projeto de interesse do povo brasileiro.”
A Mensagem adverte para duas
ameaças em especial. Uma é a disseminação de fake news. “Carregando em si o
perigoso potencial de manipular consciências, elas modificam a vontade popular,
afrontam a democracia e viabilizam, fraudulentamente, projetos orquestrados de
poder.” A outra é a manipulação religiosa, protagonizada tanto por autoridades
políticas como religiosas, “que coloca em prática um projeto de poder sem
afinidade com os valores do Evangelho de Jesus Cristo”.
É inevitável relembrar episódios até há
pouco estranhos à cultura política nacional, como a indicação de magistrados e
ministros condicionada à sua confissão de fé, privilégios a congregações e seus
braços empresariais, pastores traficando verbas em troca de ouro, deputados
usando a Bíblia para justificar o armamentismo, proselitismo
eleitoral em cultos ou slogans de campanha tomando o nome de Deus em vão.
Oportunamente, os bispos reafirmaram a
laicidade constitucional do Estado. “A autonomia e independência em relação ao
religioso são valores adquiridos e reconhecidos pela Igreja e fazem parte do
patrimônio da civilização ocidental.”
Sem renunciar ao coração da Mensagem,
gravado em sua epígrafe – “A esperança não decepciona” (Rm 5,5) –, os bispos
admitem que “o Brasil não vai bem”. E uma das principais razões é que
lideranças políticas e religiosas vêm atribuindo a César o que é de Deus e a
Deus o que é de César. Que os brasileiros se valham das urnas para separar o
joio do trigo.
Mistura de inflação com desemprego
O Estado de S. Paulo
No EUA desemprego caiu e inflação subiu; no Brasil, preços dispararam com muita gastança e pouco emprego
De recorde em recorde, a inflação inferniza
cada vez mais o trabalhador e sua família, enquanto os sócios do poder usam
dinheiro público para seus objetivos particulares, devastam as finanças
oficiais, desarranjam a economia e agravam os desajustes inflacionários. Um novo marco foi registrado em abril, quando os preços ao consumidor
subiram 1,06%, a maior taxa para o mês desde 1996, quando a variação chegou a
1,26%. Os R$ 13,1 bilhões do orçamento secreto negociados com
prefeitos de vários Estados são parte dessa baderna financeira, assim como os
R$ 82,3 bilhões de bondades eleitorais já previstos como legado sinistro para o
próximo governo.
A farra vai continuar, se depender do
Centrão e do presidente Jair Bolsonaro. Em discussão no Congresso, o projeto de
construção de uma rede de gasodutos poderá comprometer R$ 100 bilhões nos
próximos anos, numa iniciativa contestada pelo Ministério da Economia. Diante
dessa desordem financeira e administrativa, investidores se desviam do Brasil,
dólares são mandados para fora, o câmbio se torna instável, a insegurança
contamina os mercados e os preços se desarranjam.
A inflação é problema global, agravado em
2020 pela pandemia e realimentado, neste ano, pela guerra na Ucrânia e pelo
novo surto de covid na China. Mas a alta de preços no Brasil, de 12,13% nos 12
meses até abril, é muito mais intensa que a observada na maior parte dos países
emergentes e avançados. Nos Estados Unidos, a grande potência mais afetada por
esse problema, os preços aumentaram 0,3% em abril e 8,3% em 12 meses. Mas esse
desajuste reflete principalmente os bem-sucedidos estímulos à recuperação econômica
depois do choque da covid. O desemprego americano ficou em 3,6% no mês passado.
No Brasil, o último cálculo, referente ao primeiro trimestre, mostrou
desocupação de 11,1% da força de trabalho.
O desarranjo brasileiro, especialmente
perverso, combina alta inflação com ocupação escassa. Quem consegue algum ganho
logo vê seu dinheirinho sumir, corroído pelo custo de vida. A situação é mais
sombria quando a inflação é puxada por preços de itens essenciais. Nos Estados
Unidos o desemprego caiu e a inflação subiu; no Brasil, os preços dispararam
com a economia emperrada.
Em abril, o item alimentos e bebidas
encareceu 2,06% e teve impacto de 0,43 ponto na formação do índice geral. O
componente transportes, com alta de 1,91%, teve peso de 0,42 ponto de porcentagem
no cálculo final. Dois itens essenciais, portanto, produziram cerca de 80% da
variação total de 1,06%.
Essa pressão perversa já se acumula há pelo menos um ano. Em 12 meses o grupo alimentação e bebidas ficou 13,47% mais caro. O custo do grupo transportes subiu 19,70%. No grupo habitação, os preços dos combustíveis domésticos (basicamente, gás) aumentaram 32,49%. As tarifas de eletricidade se elevaram 20,52%. Sobrou para o Banco Central a tarefa de tentar, com a alta de juros, conter o surto inflacionário, enquanto o presidente da República e o Centrão se esbaldam na farra eleitoreira.
Cracolândia de SP traduz desafio do combate
às drogas
O Globo
O uso do crack no Brasil é crescente, assim
como a discordância sobre a melhor maneira de lidar com o problema. Em 2010,
havia 370 mil usuários da droga nas capitais brasileiras, segundo a Pesquisa
Nacional sobre o Uso do Crack. Levantamento da Fundação Oswaldo Cruz revelou
que, cinco anos depois, 1,4 milhão de brasileiros diziam ter consumido crack
alguma vez, número que os próprios pesquisadores reconheceram estar
subestimado. Por ser o ponto de maior concentração de consumidores de crack no
Brasil, a Cracolândia de São Paulo, com uma média de 1.680 frequentadores, de
acordo com estudo anterior à pandemia, acaba por atrair a atenção sobre a
eficácia e o fracasso de políticas para combater a droga e mitigar suas
consequências.
Nesta semana, a Polícia Civil paulista, com o apoio da Militar e
da Guarda Civil Metropolitana, organizou uma operação para dispersar usuários e
prender traficantes na Praça Princesa Isabel, recentemente ocupada com
maior intensidade (desde os anos 1990, o ponto focal muda, mas os usuários
costumam se concentrar sempre na mesma região do centro da cidade).
Há uma crença disseminada em certos meios
de que é desumano usar a polícia para tratar o problema dos dependentes
químicos. É um erro. Dependentes são abastecidos por traficantes. Quanto mais
traficantes, mais drogas e mais dependência. É papel da polícia combater o
tráfico, e ela não pode se furtar a esse dever. Ao mesmo tempo, a ação em São
Paulo, a poucos meses da eleição, levanta a suspeita de que seja apenas uma
medida eleitoreira, não um passo necessário dentro de uma estratégia
abrangente. Se combater a chaga das drogas dependesse apenas do uso da força
policial, o problema já estaria resolvido.
A Prefeitura paulistana argumenta, usando o
exemplo de experiências bem-sucedidas como a de Lisboa, que a grande
concentração de usuários e traficantes em pontos específicos dificulta a ação
do Estado, deixando os dependentes sob controle do crime organizado. Afirma que
dispersões contribuem para o tratamento. E apresenta dados preliminares para
sustentar tal premissa.
Pode ser verdade. Mas é preciso fazer mais.
A análise dos atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial precisa ser
constante e ficar a cargo de entidades independentes de interesses políticos,
para que se conheçam os efeitos reais do combate ao crack. Um dos critérios
mais importantes é saber se mais usuários receberão o apoio necessário depois
da ação policial.
A aposta das autoridades na dispersão deve
também levar em conta os efeitos da medida para o restante da população. A
presença de usuários de drogas por uma região maior da cidade traz inquietação
a transeuntes e comerciantes. Ao mesmo tempo, a dispersão costuma espalhá-los
pela cidade até surgir um novo ponto de concentração. Não dá para negligenciar
nenhuma dessas preocupações. Se evitar concentrações é uma aposta que vale a
pena perseguir, o apoio da população é fundamental.
A luta contra o crack e o tráfico de drogas
é longa. A Cracolândia paulistana já foi palco de várias idas e vindas, mais
erros que acertos. A sociedade deve estar aberta para testar novas estratégias,
sem tentar varrer o problema para longe, nem esquecer que é uma difícil questão
de saúde pública e, acima de tudo, humanitária.
Consumidor precisa estar atento a produtos
que tentam ludibriá-lo
O Globo
Com a inflação chegando a 12,13%, a maior
desde 2003, várias empresas têm recorrido à prática de manter os preços, mas
reduzir o peso dos produtos. Conhecida como “reduflação”, a estratégia vem
sendo notada em biscoitos, sabão em pó, grãos e diferentes molhos, como
demonstrou reportagem do GLOBO. Não é propriamente ilegal, mas exige a atenção
redobrada dos consumidores.
Regras do Ministério da Justiça de 2002
determinam que as empresas são obrigadas a informar as mudanças na rotulagem.
Uma nova portaria publicada no Diário Oficial em 2021 passou a exigir um
tamanho mínimo para as letras e o uso de cores contrastantes. A transparência é
um direito do consumidor e uma obrigação do setor produtivo, que só tem a
ganhar evitando a maquiagem enganosa. Além de antiética, ela também traz danos
de imagem e prejuízo ao próprio negócio.
Dois episódios recentes demonstram que as instituições estão atentas. Por decisão do Procon do Distrito Federal, a venda do sanduíche Whopper Costela, do Burger King, foi suspensa depois de uma denúncia de que o hambúrguer tinha apenas “aroma de costela”. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também investiga a denúncia. Antes, na última semana de abril, o Conar iniciara processo investigativo sobre a linha de sanduíches McPicanha, do McDonald’s, depois de receber reclamação de consumidores de que não havia picanha no produto, apenas um molho “sabor picanha”. Nos dias seguintes, os dois sanduíches da linha foram retirados pela empresa de todos os restaurantes do país.
Em 2014, a fabricante de sorvetes Diletto
teve de mudar o texto exibido nas embalagens e em seu site depois de uma
decisão do Conar. Usando o recurso conhecido como storytelling, a marca dizia
que seus produtos seguiam a receita formulada por Vittorio, avô do fundador da
empresa e sorveteiro da região do Vêneto, na Itália. Havia até a imagem de um
idoso com um carrinho de sorvetes. Fora haver mesmo um avô italiano, o resto
era tudo mentira. O nome dele era Antonio, e sua profissão jardineiro. No
julgamento do Conar, o relator do processo disse que não se pode “confundir ser
lúdico com ludibriante”.
Assim como a Diletto, é fato que McDonald’s
e Burger King perderam no quesito confiança do consumidor, independentemente da
decisão do Conar. Podem até argumentar que havia informações sobre ingredientes
em sites, peças publicitárias e cardápios. Mas, mesmo que os esclarecimentos
estivessem expostos (nem sempre era o caso), fica evidente que os consumidores
foram ludibriados sobre o que compravam.
Informar o consumidor de forma clara e
visível é o mínimo a exigir de empresas honestas. O mesmo princípio deve valer
para a redução no tamanho das embalagens. Ainda que mais sutil, ela também pode
se tornar uma forma de enganação.
Centrão sugere e governo aceita negociata
de gasodutos
Valor Econômico
É um monumento ao desperdício de recursos,
que deveria ser extirpado da lei
Mesmo um planejamento raso de obra pública
exige que ela, primeiro, seja necessária, que seus custos sejam compatíveis e
módicos, que a infraestrutura necessária para que funcione já esteja disponível
ou possa ser ampliada a baixo custo, que os insumos que serão utilizados sejam
colocados à disposição ao menor preço e com maior rapidez. O conluio que os
partidos do Centrão estão tecendo no Congresso para a construção de uma rede de
gasodutos, além de ter beneficiários certos, inverte toda lógica do
planejamento e tem custos altíssimos, que serão repassados em grande parte para
o consumidor.
A capitulação do Executivo aos partidos
fisiológicos, e seu aval a estripulias que começaram com as bilionárias emendas
secretas, podem sair ainda mais caro com a pressão para a construção de
gasodutos com o uso de R$ 100 bilhões dos recursos do pré-sal, que serão
desviados de gastos imensamente mais importantes e básicos, como saúde e
educação.
As iniciativas sucessivas e sistemáticas
para a constituição do Brasduto, com subsídios para a construção de uma malha
de gasodutos, indicam que há uma fatia significativa de parlamentares nelas
envolvidos por motivos, até aonde a vista alcança, inexplicáveis. A mais
recente tentativa de dar vida ao monstrengo parece ter a maior chance de
prosperar, depois que, em frenesi eleitoral, o Executivo está prestes a ceder à
engenharia elétrica do Centrão.
O projeto é um acinte à técnica e uma
agressão aos cofres públicos, que serão usados para enriquecer alguns
empresários. O Brastubo passou pelo Congresso em emenda de um projeto de lei em
2021, que foi vetado pelo Executivo por “vício de iniciativa” por reduzir em
20% os investimentos em saúde e educação e não apresentar “estimativa de
impacto orçamentário e financeiro”. A bola da vez agora é um jabuti no projeto
de lei 414, o do novo marco regulatório do setor elétrico. O próprio Executivo
parece inclinado a dar ao Centrão um plano B, caso a emenda não vingue: a
edição de uma medida provisória (Estadão, 11 de maio).
Sinal de que esse péssimo negócio para o
Estado está adiantado é o fato de haver “resistências” no Ministério da
Economia que estaria buscando alternativas para fazer a mesma coisa,
supostamente com menos danos - sinal de que o ministro Paulo Guedes já engoliu
mais um enorme sapo. Uma opção aventada é atribuir à PPSA, responsável pela
gestão dos recursos do petróleo da União obtido com o regime de partilha, uma
nova função, a de “estatal dos gasodutos”. A ideia é tida como “verdadeiramente
ruim”, mas “um pouco menos ruim” que o Brastubo no governo.
O governo acha que o Congresso não só
aprova uma emenda como derruba um eventual veto a ela. Mas não está interessado
em se opor de verdade à uma iniciativa escandalosa, nem se empenha para isso.
A capitalização da Eletrobras, que ainda
não saiu e a que está desenhada marca o primeiro “grande feito” de “privatização”
na gestão de Bolsonaro e de Guedes, é ruim demais. Ela já traz as sementes de
grandes negócios privados, a construção de termelétricas que garantam 8 GW,
cuja distribuição regional é tão detalhista quanto são inexistentes os estudos
de viabilidade: 2,5 GW no Norte, igual oferta no Centro-Oeste, 2 GW no Sudeste
(parte na área da Sudene) e 1 GW no Nordeste. A maior parte das usinas seria
construída nos Estados onde o empresário Carlos Suarez, ex-sócio da OAS e
atuais sócios, entre eles governos estaduais, têm exclusividade na distribuição
de gás e mal o fazem porque não há gás.
Mas a lei 14812, da capitalização, fez
mais: localizou as futuras usinas aonde não há fornecimento de gás. Para isso
será necessários construir gasodutos, ramo no qual Suarez também tem negócios.
Cria-se uma demanda cara e desnecessária no meio do nada, que exigirá mais
investimentos, com subsídios públicos, para levar o insumo básico para o
fornecimento de energia. As obras não param por aí. Se construídos os gasodutos
e as usinas, será preciso transmitir a energia, talvez com uma Brastrans
financiando a construção de linhas de transmissão. É um monumento ao
desperdício de recursos, que deveria ser extirpado da lei e não será porque o
presidente da República precisa se reeleger e ele não tem a menor noção do
descalabro que está patrocinando.
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