Revista Veja
Dianteira faz o PT repetir a lógica do venha a nós, e ao reino dos aliados acena muito pouco ou quase nada
Houve um tempo em que as forças do centro à
esquerda nem discutiam sobre a conveniência de determinadas alianças se o plano
era derrotar um inimigo comum. No caso, a ditadura. Um episódio emblemático e
muito pouco lembrado aconteceu em 1978, quando Paulo Maluf ganhou a convenção
da Arena derrotando Laudo Natel, indicado pelo general-presidente Ernesto
Geisel para governador biônico de São Paulo.
Hoje parece estranho, mas na época a
vitória de Maluf foi festejada como uma derrota do regime militar. Foi nessa
lógica que se construiu uma grande aliança para empurrar a ditadura ladeira
abaixo nas batalhas da anistia e das Diretas Já. Foi por esse raciocínio que
caciques da Arena, já então PDS, fundaram a Frente Liberal para se juntar à
campanha de Tancredo Neves para derrotar, no Colégio Eleitoral de 1985, aquele
mesmo Maluf de sete anos antes.
Só o PT não embarcou naquela onda e ainda
tratou de expulsar os deputados do partido que votaram em Tancredo. Marcou
posição, tentou marcar de novo em 1988 ao se recusar de início para depois
aceitar assinar a nova Constituição.
Foi o único partido a não participar da ampla aliança em torno do governo Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor. A então deputada Luiza Erundina aceitou ser ministra da Administração, foi punida com suspensão de um ano e acabou trocando o PT pelo PSB.
Nessa toada sectária o partido imprimiu
clareza à sua atuação, mas perdeu as três eleições presidenciais que disputou,
em 1989, 1994 e 1998, só chegando à vitória em 2002, quando modulou o discurso
e a política de alianças com a incorporação do PL à chapa na figura do
empresário-senador José Alencar na Vice-Presidência.
Agora, vinte anos depois, o PT tenta
reeditar a lógica da unidade geral e irrestrita para derrotar Jair Bolsonaro e
voltar ao poder. Reincorpora o conceito de amplitude, mas na prática atua com a
estreiteza de antigamente. Não faz concessões. Agora não mais pela necessidade
de construir e consolidar sua marca, mas devido à dianteira nas pesquisas e a
ausência de competidores no campo da oposição a Bolsonaro.
Luiz Inácio da Silva diz ter
ciência de que a eleição não está ganha, mas age exatamente como se tivesse
certeza de que está no papo. Nas atitudes dele o “venha a nós” impera e nada ou
muito pouco acena ao reino dos aliados e potenciais apoiadores a ser
conquistados. Isso se aplica aos políticos e ao eleitorado ainda indeciso.
À faixa dos que ainda vagam entre os
líderes das pesquisas, pois resistem tanto a Lula quanto a Bolsonaro, o ex-presidente não tem
fornecido bom material para atração. Ao contrário, a série de tropeços recentes
o mostra descuidado, crente de que nada abala a sua dianteira a ponto de se
recusar a revelar seus planos para a economia.
No campo político repete a conduta
presunçosa. A aliança com Geraldo Alckmin até agora só trouxe vantagem para o
PT: a sinalização ao centro por ora meramente simbólica porque não correspondeu
a compromisso algum em termos de programa de governo e a retirada de Alckmin da
disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Entre petistas celebra-se o fato de o
ex-tucano ter aderido praticamente sozinho, sem peso político para influir na
condução da Presidência em caso de vitória.
E o que dizer do tratamento reservado a
Marina Silva? O partido dela, Rede Sustentabilidade, entrou na aliança. Marina,
contudo, não firmou apoio, Lula se disse surpreso com essa resistência e ela
rebateu dizendo-se surpresa com a surpresa dele. Evidente, pois em 2014 foi
combatida de maneira torpe à base de mentiras, o que deteriorou de vez uma
relação seriamente machucada desde que Marina deixou o Ministério do Meio
Ambiente dizendo que preferiria perder o pescoço a perder o juízo. Merecia ao
menos um gesto, mas a soberba impede Lula de fazer.
Ciro Gomes começa a sofrer uma
ofensiva para desistir. Não mediante proposta de pacificação, mas com tentativa
de atrair os candidatos do PDT a governos estaduais, fazendo com que abandonem
a candidatura de Ciro. Ou seja, não é no jeito, é na força.
O PT quer reeditar o ambiente de frente
ampla contra o inimigo comum que tantas batalhas venceu no processo de
derrocada do regime militar. É um desejo. De difícil realização se a ele não se
incorpora o conceito da reciprocidade, do desprendimento e da prática da mão
dupla.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789
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