sexta-feira, 13 de maio de 2022

José de Souza Martins*: 22 milhões de jovens poderão decidir as eleições de 2022

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Novas gerações tendem a uma percepção mais acentuadamente crítica do que lhes seria o natural por origem e situação de classe social, o chamado conflito de gerações

O dia 5 de maio foi o do encerramento do prazo do alistamento para participar das ansiosamente esperadas eleições de 2022. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin, anunciou com justificado júbilo que o Brasil ganhou 2.042.817 novos eleitores entre 16 e 18 anos de idade, que no dia 2 de outubro votarão pela primeira vez.

A acolhida desses novos cidadãos brasileiros à condição de combatentes cívicos da luta pela regeneração da combalida democracia brasileira me lembra outra manifestação, simbolicamente significativa, de acolhimento de outros novos cidadãos. A do Almirante Tamandaré (1807-1897), patrono da Marinha, herói da pátria, que, nas disposições de seu testamento, estabeleceu:

“Exijo que (...) meus restos mortais (...) sejam conduzidos de casa ao carro e deste à cova por meus irmãos em Jesus Cristo que hajam obtido o foro de cidadãos pela Lei de 13 de Maio. Isto prescrevo como prova de consideração a essa classe de cidadãos em reparação à falta de atenção que com eles se teve pelo que sofreram durante o estado de escravidão...”

Os dados estatísticos do eleitorado, divulgados pelo TSE, revelam que quase 22 milhões de eleitores, que poderão votar no dia 2 de outubro, são jovens entre 16 e 24 anos de idade. São os novos brasileiros da pós-modernidade.

As mulheres continuam sendo a maior parte do eleitorado. No total, elas passam de 77 milhões, e os homens estão chegando aos 70 milhões. Elas os ultrapassam em 7,5 milhões de eleitores. Um número que lhes permite influir nas decisões políticas em favor de seu legítimo e criativo entendimento do que devem ser as reivindicações sociais desta hora. Nas reuniões da CPI da Covid-19, as senadoras de diferentes partidos organizaram-se numa frente suprapartidária ativa, do tipo de ação política de que mais carece o país neste momento.

Os 22 milhões de jovens eleitores, se inspirados na coragem política das senadoras da CPI, poderão decidir de verdade o futuro do Brasil. Poderão superar os bloqueios de uma estrutura política que favorece o oportunismo e em nome dele nos condena ao atraso que se tornou poder nas eleições de 2018. Na verdade, essa é apenas uma hipótese, pois, sociologicamente, a tendência é de que as novas gerações reproduzam as diferenças sociais que separam as pessoas em categorias desiguais.

Mas, sociologicamente também, as novas gerações tendem a uma percepção mais acentuadamente crítica do que lhes seria o natural por origem e situação de classe social, no desencontro de visão de mundo e de concepção da vida com os pais, o chamado conflito de gerações.

Esse conflito, provavelmente, terá uma função politicamente significativa nestas eleições se os partidos sociais conseguirem definir os marcos de uma nova consciência crítica para essa geração e um projeto de nação que seja de superação de tudo e não só de superação de Bolsonaro e do bolsonarismo. Sobretudo porque a maioria dos candidatos apresenta-se marcada por uma notória obsolescência.

Tanto Lula, que ainda não deu sinais claros de que tem consciência de que as coisas mudaram desde 2010, seu último ano de governo. Mudaram aqui e no mundo. A derrota do PT e das concepções sociais de então nas eleições de 2018 têm muito a ver com isso e com sua manipulação distorcida pela “fábrica” clandestina de “fake news”.

Quanto a Bolsonaro, que, alienadamente, concebe a restauração do passado como superação e não como o retrocesso que é, sem saber que o passado de seu imaginário político não existiu e foi, portanto, derrotado duas vezes, porque mal representado e por ser falso e inviável.

Um dos aspectos importantes do protagonismo dos novos eleitores nestas eleições de outubro de 2022 está no legado do que dos governos anteriores ficou na memória social, apesar de todo o esforço feito para forjar uma memória falsa da história política do país.

Nem tudo na memória popular pode ser falsificado e manipulado. Um detalhe decisivo nos identificadores dos eleitores brasileiros é o da instrução e da escolaridade. Quando Lula assumiu o poder, em 1º de janeiro de 2003, 3,2% dos eleitores tinham curso superior completo. Quando Dilma deixou o poder, em agosto de 2016, 6,9% dos eleitores o tinham. Um avanço significativo na educação superior brasileira durante o mandato petista, o dobro em 14 anos de poder.

Durante eles, foi multiplicada e disseminada a universidade pública e gratuita no Brasil, uma das grandes aspirações sociais da classe trabalhadora para seus filhos. Uma aspiração que continua vigorosamente de pé em face das ameaçadas que sobre ela pesam pelas tendências do governo em favor das privatizações, uma delas na área da educação.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Fronteira - a degradação do outro nos confins do humano" (Contexto).

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