sexta-feira, 13 de maio de 2022

Reinaldo Azevedo: Pestana quer vender a Petrobras

Folha de S. Paulo

Conversa sobre privatizações é papo-furado, com laivos demenciais

Vulgares. Mistificadores. Deslumbrados.

Essa é a caracterização da face benigna do governo Bolsonaro. A maligna está empenhada em arrumar caminhos para golpear a democracia. É impressionante que pessoas tão despreparadas e com tão pouco a dizer tenham conseguido chegar tão longe. A começar do mandatário. Mas os dias eram assim...

O pronunciamento de Adolfo Sachsida, novo ministro das Minas e Energia, na quarta, foi assombroso na sua bisonhice. Todos sabemos, sem que haja definição dicionarizada, o que é a tal "vergonha alheia".

Pessoas com os meridianos ajustados são capazes de empatia. Colocam-se no lugar do outro em momentos dramáticos, solidarizando-se com a sua dor. Mas não é raro que experimentem, vicariamente, também a sensação do ridículo, do patético, do constrangedor. E é frequente que sintam um alívio compungido: "Ainda bem que não é comigo!"

Mal tinha sido nomeado, Sachsida fez um "pronunciamento à nação". Foi grato a Bolsonaro; encomendou o corpo de Bento Albuquerque, o demitido; fez mesuras a Paulo Guedes, o ex-chefe, e, bom moço cristão e de família, confundiu a sua pequenina lenda pessoal com a história da humanidade.

Disparou, mirando nosso coração, eventualmente nosso sentimento de piedade: "Agradeço à minha família por todo apoio que tem me dado. Não foi fácil chegar até aqui. Muita gente se sacrificou por mim, e eu agradeço explicitamente à minha mãe, [a] meus irmãos, [a] toda a minha família por todo apoio. Agradeço a Deus porque sei que, sem a graça divina, nada é possível. E peço a Deus para nos conceder a graça de ajudar o país neste momento tão delicado". Prestes a fazer 70 anos, a Petrobras via seu destino se fundir com o da família Sachsida.

A pompa sacrificial que ele imprimiu à própria biografia pedia que anunciasse as "Variações Goldberg" das Minas e Energia, "A Flauta Mágica" do diesel, a "Nona Sinfonia" da gasolina... Como se deu com Pestana, do conto "Um Homem Célebre", de Machado de Assis, frêmitos íntimos e agitação espiritual anunciavam a grande obra do homem sem talento. E veio a polca mixuruca.

Sachsida engrolou: "Meu primeiro ato como ministro de Minas e Energia é solicitar ao ministro Paulo Guedes, presidente do conselho do PPI, que leve ao conselho a inclusão da PPSA no PND para avaliar as alternativas para a sua desestatização. Ainda como parte do meu primeiro ato, solicito também o início dos estudos tendentes à proposição das alterações legislativas necessárias à desestatização da Petrobras".

"PPI" é o Programa de Parcerias de Investimentos. "PPSA" é a estatal Pré-Sal Petróleo S.A. "PND" é o Programa Nacional de Desestatização. E a fala é coisa de lunático. Quer dizer que Bolsonaro chutou Albuquerque porque estava inconformado com o reajuste do diesel, e a resposta seria a privatização da Petrobras e da estatal do pré-sal? Pergunta óbvia, que parece até mal-educada: por que os combustíveis seriam mais baratos se privadas fossem?

E olhem que não me incluo entre os intelectualmente preguiçosos que avaliam que, quando a Petrobras tem um lucro trimestral 3.718% superior ao mesmo período do ano anterior, estamos diante de um exemplo de gestão. Isso é conversa de pançudos, enquanto o povo pobre cozinha com gravetos os poucos grãos que consegue porque não pode pagar R$ 150 por um botijão de gás. Se tivesse esse dinheiro, compraria mais grãos para... continuar a cozinhar com gravetos.

O novo ministro defendeu ainda os marcos de privatização —ou o que seja aquilo— da Eletrobras, que preveem a mamata de R$ 100 bilhões para o gasoduto do fim do mundo, que interessa a um empresário e ao Centrão. A propósito: a obra seria financiada com recursos do pré-sal, cuja estatal Sachsida quer vender. É um hospício.

A conversa do novo ministro e de Guedes, que voltou a ter chilique nesta quinta, como de hábito, é papo-furado com laivos demenciais. Na quarta. o novo ministro evocou várias vezes o nome de Bolsonaro, de quem é devoto. Afirmou que quer ver o Brasil como um porto seguro de investimentos. Pouco antes, o golpista havia, mais uma vez, atacado o sistema eleitoral. Porto seguro...

Ou esse pesadelo acaba, ou ele nos engole.

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