Folha de S. Paulo
Conversa sobre privatizações é papo-furado,
com laivos demenciais
Vulgares. Mistificadores. Deslumbrados.
Essa é a caracterização da face benigna do
governo Bolsonaro. A maligna está empenhada em arrumar caminhos para golpear
a democracia. É impressionante que pessoas tão despreparadas e com tão
pouco a dizer tenham conseguido chegar tão longe. A começar do mandatário. Mas
os dias eram assim...
O pronunciamento de Adolfo Sachsida, novo
ministro das Minas e Energia, na quarta, foi assombroso na sua bisonhice.
Todos sabemos, sem que haja definição dicionarizada, o que é a tal
"vergonha alheia".
Pessoas com os meridianos ajustados são capazes de empatia. Colocam-se no lugar do outro em momentos dramáticos, solidarizando-se com a sua dor. Mas não é raro que experimentem, vicariamente, também a sensação do ridículo, do patético, do constrangedor. E é frequente que sintam um alívio compungido: "Ainda bem que não é comigo!"
Mal tinha sido nomeado, Sachsida
fez um "pronunciamento à nação". Foi grato a Bolsonaro; encomendou
o corpo de Bento Albuquerque, o demitido; fez mesuras a Paulo Guedes, o
ex-chefe, e, bom moço cristão e de família, confundiu a sua pequenina lenda
pessoal com a história da humanidade.
Disparou, mirando nosso coração,
eventualmente nosso sentimento de piedade: "Agradeço à minha família por
todo apoio que tem me dado. Não foi fácil chegar até aqui. Muita gente se
sacrificou por mim, e eu agradeço explicitamente à minha mãe, [a] meus irmãos,
[a] toda a minha família por todo apoio. Agradeço a Deus porque sei que, sem a
graça divina, nada é possível. E peço a Deus para nos conceder a graça de
ajudar o país neste momento tão delicado". Prestes a fazer 70 anos, a
Petrobras via seu destino se fundir com o da família Sachsida.
A pompa sacrificial que ele imprimiu à
própria biografia pedia que anunciasse as "Variações Goldberg" das
Minas e Energia, "A Flauta Mágica" do diesel, a "Nona
Sinfonia" da gasolina... Como
se deu com Pestana, do conto "Um Homem Célebre", de Machado de
Assis, frêmitos íntimos e agitação espiritual anunciavam a grande obra do homem
sem talento. E veio a polca mixuruca.
Sachsida engrolou: "Meu primeiro ato
como ministro de Minas e Energia é solicitar ao ministro Paulo Guedes,
presidente do conselho do PPI, que leve ao conselho a inclusão da PPSA no PND
para avaliar as alternativas para a sua desestatização. Ainda como parte do meu
primeiro ato, solicito também o início dos estudos tendentes à proposição das
alterações legislativas necessárias à desestatização da Petrobras".
"PPI" é o Programa de Parcerias
de Investimentos. "PPSA" é a estatal Pré-Sal Petróleo S.A.
"PND" é o Programa Nacional de Desestatização. E a fala é coisa de
lunático. Quer dizer que Bolsonaro chutou Albuquerque porque estava inconformado
com o reajuste do diesel,
e a resposta seria a privatização da Petrobras e da estatal do pré-sal?
Pergunta óbvia, que parece até mal-educada: por que os combustíveis seriam mais
baratos se privadas fossem?
E olhem que não me incluo entre os
intelectualmente preguiçosos que avaliam que, quando a Petrobras tem um lucro
trimestral 3.718% superior ao mesmo período do ano anterior, estamos diante de
um exemplo de gestão. Isso é conversa de pançudos, enquanto o povo
pobre cozinha com gravetos os poucos grãos que consegue porque não
pode pagar R$ 150 por um botijão de gás. Se tivesse esse dinheiro, compraria
mais grãos para... continuar a cozinhar com gravetos.
O novo ministro defendeu ainda os marcos de
privatização —ou o que seja aquilo— da Eletrobras, que preveem a mamata de R$
100 bilhões para o gasoduto do fim do mundo, que interessa a um empresário e ao
Centrão. A propósito: a obra seria financiada com recursos do pré-sal, cuja estatal
Sachsida quer vender. É um hospício.
A conversa do novo ministro e de Guedes,
que voltou
a ter chilique nesta quinta, como de hábito, é papo-furado com laivos
demenciais. Na quarta. o novo ministro evocou várias vezes o nome de Bolsonaro,
de quem é devoto. Afirmou que quer ver o Brasil como um porto seguro de
investimentos. Pouco antes, o golpista havia, mais uma vez, atacado o sistema
eleitoral. Porto seguro...
Ou esse pesadelo acaba, ou ele nos engole.
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