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Brasil precisa dar prioridade ao setor de turismo
O Globo
Outrora
chamado de “indústria sem chaminé”, o turismo tem reagido com rapidez às
mudanças na economia. Impactado pela pandemia, amargou contração a partir de
2019. Com o recuo do coronavírus, já tem demonstrado grande poder de reação,
mesmo com a economia em marcha lenta. Mereceria maior atenção dos governos e
dos políticos.
De acordo com reportagem do GLOBO, o faturamento do setor em 2021 foi de R$ 7,1 bilhões — 77% acima de 2020, embora 44% abaixo de 2019, antes do coronavírus. Em viagens, porém, as operadoras já fizeram 7,4 milhões de embarques no ano passado, ou 14,2% mais que em 2019. E, no primeiro trimestre deste ano, as receitas foram 25% superiores à do mesmo período do ano passado. A previsão é chegar a 60% de crescimento em 2022, retornando ao nível anterior à pandemia.
A
volta do turista já é visível em cidades como o Rio. Ainda que o carnaval tenha
se resumido ao desfile das escolas de samba, um levantamento da indústria
hoteleira constatou que o Rio recuperou 60% dos turistas estrangeiros em relação
a 2021. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) revelou que, entre
julho de 2020 e fevereiro passado, metade das cidades que mais abriram vagas de
trabalho tem o turismo como principal atividade. A oferta de empregos cresceu
52% em Porto Seguro (BA), 31% em Gramado (RS) e 39% em Araruama (RJ). Ao todo,
o turismo gera cerca de 7 milhões de empregos no país.
É
verdade que a recuperação tem sido sustentada pelo turismo doméstico, que
representou 96% dos destinos, segundo a associação Braztoa, que reúne
operadoras do setor. Sobretudo, faltam um trabalho consistente de divulgação do
Brasil no exterior, maior oferta de voos internacionais e a expansão da
estrutura de turismo receptivo para acolher os estrangeiros.
O
governo argumenta que a promoção do Brasil tem crescido. A Embratur lançou uma
campanha nos Estados Unidos, prevê ações similares na Europa e na América
Latina e afirma dispor de mais de R$ 100 milhões para promover o país (eram R$
30 milhões em 2019). Numa parceria com o Sebrae, o valor investido na promoção
internacional do Brasil promete chegar a R$ 200 milhões. Nos três primeiros
meses de 2022, mais de 530 mil estrangeiros desembarcaram no país.É pouco ante
os 6 milhões de visitantes anuais que já acolhemos — e pouquíssimo se levarmos
em conta que só Londres ou Paris recebem, cada uma, entre 15 milhões e 20
milhões de visitantes anuais.
O
turismo precisa de políticas próprias articuladas nos planos federal, estadual
e municipal para continuar a gerar empregos em hotéis, restaurantes, bares,
transporte, comércio etc. A oportunidade é enorme. O Brasil deveria divulgar
uma imagem centrada em seus recursos naturais, por meio de campanhas
relacionadas à ecologia e ao meio ambiente.
Com
o recuo da pandemia, o momento é propício a uma grande campanha no exterior
para atrair turistas. Há ainda ramos específicos a explorar, como eventos,
congressos ou viagens corporativas. No Brasil, nem há reembolso de impostos ao
turista que compra produtos aqui, comum noutros países. Um projeto de lei tenta
criar mais esse incentivo, mas não tramita com a velocidade necessária. Num
país como o Brasil, com suas belezas naturais e cultura de acolhimento, não dá
mais para tolerar o descaso.
Sob Bolsonaro, diplomacia brasileira se isolou nos
fóruns do continente
O Globo
Dias
atrás o Brasil voltou a passar vergonha num fórum internacional. Foi em
Santiago, no Chile, na Conferência das Partes do Acordo de Escazú, que vincula
os direitos humanos ao meio ambiente e garante acesso a informações e à Justiça
nas questões que envolvam o tema. Firmado em 2018 na Costa Rica por países
caribenhos e latino-americanos, entre os quais o Brasil, o acordo se tornou
tabu para o presidente Jair Bolsonaro. Nem foi remetido ao Congresso para
ratificação. Eis o motivo para, no encontro, o Brasil cumprir o papel aviltante
de simples “observador”.
Não
se tem notícia de conferência multilateral no continente em que o Brasil não
tenha exercido, quando não a liderança pela importância regional, ao menos
certo protagonismo. Ainda mais nas questões ambientais, por abrigar 60% da
Amazônia. Por ironia, o Itamaraty fora uma das chancelarias que mais
contribuíram para a formulação do acordo na Costa Rica.
Tristemente,
o que se viu no Chile tem se tornado um padrão. O isolacionismo brasileiro
cresce no continente em razão da mistura sem cabimento que o governo faz entre
o interesse nacional e a ideologia. Não é por acaso que, à medida que vão sendo
eleitos presidentes de esquerda — como Gabriel Boric no próprio Chile, Pedro
Castillo no Peru ou Alberto Fernández na Argentina —, o Brasil perde liderança,
encolhe e se isola.
Bolsonaro
despachou o vice, Hamilton Mourão, para as posses de Boric e Castillo, sinal de
que deseja manter distância dos dois. Fernández, um peronista de esquerda,
assumiu a Casa Rosada no final de 2019. Levou meses até as diplomacias
brasileira e argentina abrirem um canal de comunicação entre os presidentes dos
países mais relevantes do continente, sócios-fundadores do Mercosul, cujas
economias já funcionam de modo integrado. Sob o então chanceler Ernesto Araújo,
veículo da ideologização do Itamaraty, as estruturas profissionais das
diplomacias de ambos os lados tinham de se esforçar para manter contato.
Bolsonaro
querer distância do vizinho mais importante é um equívoco político-diplomático
sem tamanho, que se soma à postura negativa diante de um continente que precisa
se integrar para se desenvolver — e onde tudo depende do tamanho e do peso
geopolítico do Brasil.
Com
a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro ficou sem interlocução
importante nos dois hemisférios. Na reta final de seu mandato, a diplomacia
bolsonarista deixa para a História uma viagem inconsequente a Moscou, nas
vésperas da invasão da Ucrânia pela Rússia, uma rematada insensatez. Com escala
em Budapeste para visitar o ultradireitista Viktor Orbán, com quem mantém
afinidade ideológica.
O
que está em jogo, contudo, não é ideologia, mas bom senso. O desserviço de
Bolsonaro não se limita ao dano de imagem ou à vergonha em fóruns como o de
Santiago. Resulta também em perda de oportunidades de negócios. Os prejuízos
causados pelo bolsonarismo são amplos.
Redução de danos
Folha de S. Paulo
Cassação e inelegibilidade de Daniel
Silveira, sem prisão, é o melhor desfecho
Uma democracia funcional é um organismo
político complexo, em que diversos agentes exercem papéis específicos para que
o regime produza seus generosos resultados.
Já o arbítrio é embaralhado. A ditadura
brasileira até 1985 mandava no Executivo e também em assuntos do Judiciário e
do Legislativo. Interessa apenas aos nostálgicos daqueles tempos, entre eles o
presidente Jair Bolsonaro (PL), o retorno a um regime de exceção.
Pela Constituição de 1988, não é preciso
improviso nem negociações subterrâneas entre próceres da República para
solucionar problemas como o do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Basta que
cada um atue dentro de sua competência e que se apliquem as leis.
O Supremo Tribunal Federal condenou
Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa, por ameaçar a
institucionalidade democrática —uma pena que soa exagerada. Acertou ao
determinar a perda do mandato e a inelegibilidade.
Bolsonaro
escolheu aviltar o instituto da graça quando indultou o apaniguado
como meio de provocar o STF. Carregará a atitude vergonhosa pelo restante de
sua vida pública, mas, do ponto de vista das regras do jogo, mobilizou um poder
conferido expressamente ao presidente da República pela Carta.
O poder, que fique bem claro, limita-se à
suspensão da pena do condenado, mas não se sobrepõe à palavra final do Supremo
Tribunal. A graça não anula a condenação de Silveira, que perderá a condição de
réu primário.
Caberá à Câmara dos Deputados proceder à
correta cassação do mandato, em votação pelo plenário, consequência direta do
trânsito em julgado da condenação. Já à Justiça Eleitoral cumpre bloquear,
pelos próximos oito anos, quaisquer tentativas de Daniel Silveira de
candidatar-se a cargo político, como reza a Lei da Ficha Limpa.
A esta altura, trata-se do melhor desfecho
possível para o caso —e o Supremo fará bem em concorrer para tanto. Em suma, o
deputado brutamontes não deverá cumprir a pena de prisão, mas estará sujeito a
todos os demais efeitos do reconhecimento, pela mais alta corte do país, do
crime que cometeu.
O que Jair Bolsonaro quis transformar numa
conflagração entre Poderes dispõe na verdade de um encaminhamento relativamente
simples pelas instâncias regulares do Estado democrático de Direito.
O presidente busca o conflito e açula seus
seguidores porque quer semear uma tempestade nas eleições de outubro. Reagir
com firmeza —mas
também com frieza—
serve para mostrar a Bolsonaro que o seu poder tem limites.
Conduzir as eleições, por exemplo, não é
assunto do presidente da República, mas única e exclusivamente do Poder
Judiciário.
Brasil deprimido
Folha de S. Paulo
Pandemia e queda de preconceito são
hipóteses para alta de registros de doença
Se não chega a surpreender, é de consternar
o anúncio de que casos de depressão estão em alta no Brasil. Nada menos que
11,3% dos que aqui vivem, mais de 24 milhões de pessoas, relatam diagnóstico
médico desse transtorno mental.
Aferiu-se o dado na versão 2021 da pesquisa
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, segundo reportou o jornal O
Estado de S. Paulo. Antes se conheciam 10% de prevalência, conforme a Pesquisa
Nacional de Saúde de 2019; em 2013, eram 7,6%.
A estatística ultrapassa aquilo que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) registra para o Brasil, 5,3%. Supera,
também, a proporção de casos nos Estados Unidos, de 8,4% da população acima de
18 anos (critérios díspares, contudo, podem prejudicar a comparação).
De toda maneira, constata-se número elevado
e crescente de brasileiros padecendo de uma doença que pode ser incapacitante.
De acordo com a OMS, a depressão está entre as principais causas de faltas no
trabalho e, ao lado da ansiedade, provoca prejuízo econômico mundial de US$ 1
trilhão anual.
As causas do crescimento aparente, aqui,
não são triviais de elucidar. Perdas de pessoas próximas, emprego e renda
durante a pandemia de Covid-19 surgem como principais suspeitos.
A Vigitel apontou ainda aumento no abuso de
álcool, que atinge 18,3% da população, e restrição da atividade física (48,2%
exercitam-se menos do que seria desejável). Ambos os fatores contribuem para
depressões e também podem derivar da pandemia.
Por fim, e paradoxalmente, não se exclui
que parte da alta resulte de fenômeno sociocultural positivo: redução do
preconceito. Hoje soa menos constrangedor admitir-se deprimido e buscar
tratamento, levando ao acréscimo de registros.
Tampouco se descarta que haja erros de
diagnóstico. Por falta de treinamento ou especialização, alguns médicos podem
estar identificando a patologia de modo equivocado, tratando como doenças o que
talvez não sejam mais que infelicidades cotidianas e medicando-as de forma
precipitada.
Psiquiatria e farmacologia enfrentaram dificuldades para chegar a novas classes de medicamentos. Surge alguma esperança com substâncias psicodélicas, como a psilocibina de cogumelos, mas ainda há longo caminho até que se comprovem seguros e eficazes.
O Congresso tem prerrogativas – e deveres
O Estado de S. Paulo
Cabe ao Congresso dar a palavra final sobre a cassação de parlamentar em caso de condenação criminal. Mas essa competência não é autorização para a omissão
Na terça-feira passada, os presidentes do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defenderam
que cabe ao Poder Legislativo dar a palavra final sobre a cassação de
parlamentares. Eles têm razão. A Constituição de 1988 é cristalina a esse
respeito.
Entre as hipóteses de perda de mandato, o
art. 55 da Constituição elenca a “condenação criminal em sentença transitada em
julgado” (inciso VI). E, dois parágrafos adiante, dispõe: “Nos casos dos
incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados
ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa”.
Não há dúvidas. Em caso de condenação
criminal, a palavra final é da respectiva Casa legislativa, exigindo, para a
cassação, concordância da maioria absoluta de deputados ou senadores. Na
redação original, o texto estabelecia ainda que a votação devia ser secreta. A
Emenda Constitucional (EC) 76/2013 retirou essa exigência.
A proteção constitucional do mandato
parlamentar, que a alguns pode soar excessiva, tem um sentido genuinamente
democrático. Uma das primeiras medidas impostas por ditaduras é a cassação de
parlamentares: às vezes, diretamente, sem nenhum pudor; outras, por meio de
processos judiciais enviesados e parciais, cuja função é dar aparência de
legalidade aos desmandos do regime ditatorial. Por isso, Constituições
democráticas são muito cuidadosas na definição das prerrogativas do Legislativo.
O sentido dessas garantias não tem nada de
imoral ou antirrepublicano, como se fosse uma concessão à impunidade ou uma
legislação em causa própria. É proteção da vontade da população, que escolheu
aquelas pessoas para representá-la no Congresso. Mudar a composição da Câmara
ou do Senado é algo muito sério.
Dessa forma – e tendo diante de si o
histórico de cassações de parlamentares durante o regime militar –, a
Assembleia Constituinte previu, no art. 55, de forma taxativa, seis hipóteses
de perda de mandato. Também fixou procedimento específico para (i)
descumprimento das proibições referentes ao cargo de parlamentar, (ii) quebra
de decoro e (iii) condenação criminal transitada em julgado. Nos três casos, a
cassação deve ser decidida pela Câmara ou pelo Senado. Não é o Judiciário que
decide.
Os presidentes do Senado e da Câmara
exercem, portanto, seu estrito papel institucional de defesa das prerrogativas
do Congresso quando afirmam que compete ao Legislativo dar a palavra final
sobre cassação de parlamentar em caso de condenação criminal ou de quebra de
decoro. Mas há um ponto importante que eles não disseram: essa competência
privativa do Congresso não é autorização para a omissão.
Quando a Constituição define que condenação
criminal transitada em julgado é hipótese de perda de mandato significa que tal
situação penal é incompatível com a função pública de parlamentar. Não cabe,
assim, ao Congresso postergar a análise desses casos, como se dispusesse de uma
atribuição institucional absolutamente desprovida de responsabilidade. Agir
dessa forma seria desfigurar o próprio sentido da prerrogativa constitucional,
que não é facilitar a impunidade, mas preservar a inviolabilidade do mandato
parlamentar segundo os parâmetros definidos pela própria Constituição.
No sistema de freios e contrapesos entre os
Poderes, se o Legislativo habitualmente não cumpre seus deveres constitucionais
– por exemplo, o de cassar o mandato de parlamentares que ostensiva e
repetidamente quebram o decoro parlamentar –, os outros Poderes, em particular,
o Judiciário, serão instados a agir. Logicamente, isso não autoriza que a
Justiça ignore os limites de suas competências. Mas é preciso admitir também a
ocorrência, especialmente num sistema cujos limites muitas vezes não são linhas
precisas, da atuação supletiva de um Poder perante a omissão de outro.
A melhor defesa que o Congresso pode fazer
de suas prerrogativas é cumprir seus deveres. O efeito é imediato.
O legado desastroso das obras paradas
O Estado de S. Paulo
Os projetos paralisados, que poderiam significar melhora nas condições de vida da população, são monumentos à incompetência e, às vezes, ao saque dos cofres públicos
Quase 7 mil obras paralisadas, vinculadas a
investimentos de R$ 9,32 bilhões, foram identificadas pela Confederação
Nacional dos Municípios (CNM). São 6.932 projetos inacabados de escolas,
unidades de saúde, iluminação, saneamento e pavimentação de estradas. Bem
aplicado, esse dinheiro produziria prosperidade e melhores condições de vida
para milhões de pessoas. Com a paralisação das obras, perdem-se tanto as verbas
desembolsadas quanto seus benefícios potenciais. Condenável em qualquer país,
esse desperdício é especialmente grave numa economia ainda em desenvolvimento,
com recursos públicos muito escassos e com enormes carências e desigualdades
sociais.
Milhares de projetos federais também estão
interrompidos ou abandonados. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em
38,4 mil projetos cadastrados até 2018 revelou 14,4 mil obras paralisadas. Mas
as perdas por interrupção dos trabalhos podem ser muito maiores. Em outubro de
2021, 34 mil obras federais interrompidas foram mencionadas pelo deputado federal
Paulo Azi (DEM-BA), indicado, na ocasião, para presidir o Comitê de Avaliação
de Obras Paralisadas do Brasil. Vários fatores, observou o deputado, poderiam
explicar a interrupção dos projetos. Entre esses, acrescentou, seria preciso
incluir o encarecimento, durante a pandemia, de produtos como o cimento e o
aço.
Bem antes da covid-19, no entanto, obras
paralisadas ou muito atrasadas já eram citadas na imprensa e em discussões
públicas. Irregularidades e aumentos de custos foram apontados várias vezes
como causas principais, mas seria possível indicar fatores – provavelmente mais
importantes – de natureza política e administrativa.
Milhares de obras atrasadas e até
paralisadas são sinais sugestivos de má administração, resultante de mera
incompetência ou, nos casos mais escandalosos, de licitações e contratações
conduzidas de forma irregular. É fácil pensar em projetos mal preparados, mal
executados e desacompanhados de supervisão e fiscalização pelos órgãos da área.
Corrupção é uma hipótese favorecida pela experiência brasileira. Falhas na
definição de prioridades e na programação de recursos financeiros são problemas
evidentes quando vários trabalhos são conduzidos ao mesmo tempo e abandonados,
ou apenas interrompidos, por falta de dinheiro.
Fala-se muito em complicações legais e em
dificuldades burocráticas, mas esses problemas são menos importantes do que
podem parecer. Com as mesmas limitações legais, diferentes administrações, nos
níveis federal, estadual e municipal, mostraram resultados muito diferentes na
elaboração de planos, na preparação de programas e na execução de
investimentos.
Governos sérios e competentes levam em
conta as limitações financeiras e trabalham selecionando e escalonando
objetivos. Entregam 10 escolas, em vez de deixar 20 inacabadas. Entregam uma
estrada em condições de uso pelo menos parcial, em vez de deixar – como ocorreu
várias vezes – longos trechos desconectados e sem uso possível. Obras nessas
condições podem ser lucrativas para algumas empreiteiras e, talvez, para alguns
funcionários e algumas autoridades. Para todos os demais, são um grave e
escandaloso desperdício de recursos e de oportunidades.
Há outras formas, até rotineiras, de malbaratar dinheiro público. Emendas parlamentares de alcance paroquial podem beneficiar bases políticas de congressistas, mas a conta é debitada a todos os brasileiros. Aplicado de acordo com objetivos estratégicos nacionais, esse dinheiro poderia produzir ganhos muito maiores. Mas essa preocupação está longe de ser dominante na tramitação do projeto orçamentário. Além disso, objetivos estratégicos são definidos por meio de planejamento, uma atividade estranha ao Executivo federal desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Sem plano e sem uma carteira de obras digna de consideração, o presidente e sua equipe deixarão pelo menos um legado positivo para quem vier em seguida: ninguém terá muito trabalho com obras inacabadas da gestão Bolsonaro.
A conta sempre chega
O Estado de S. Paulo
Subsídios na conta de luz superam R$ 32 bilhões; consumidor paga o custo. Congresso e Aneel lavam as mãos
O alívio durou pouco. Três semanas depois
do anúncio do retorno da bandeira verde nas contas de luz, os consumidores
ficaram sabendo que terão de arcar com nada menos que R$ 32,1 bilhões em
subsídios embutidos nas tarifas. O valor contribuirá para aumentar as faturas
em até 5%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). É importante
esclarecer que os subsídios são apenas um dos vários componentes das tarifas. A
tendência é que os reajustes anuais aplicados pelas distribuidoras atinjam 18%
neste ano.
Da forma como foram regulamentados, os
subsídios se tornaram uma maneira perversa de cobrar do consumidor o custeio
das políticas públicas do setor elétrico. Diferentemente do Orçamento, não há
nenhum teto para manter essas despesas em um nível civilizado. A vantagem, para
o governo, é repassar às tarifas um custo que deveria vir por meio do aumento
de impostos, além de deixar o desgaste dos reajustes com as distribuidoras.
Não há segredo: se alguém tem direito a um
desconto na tarifa, esse custo necessariamente será repassado a outro
consumidor. É o caso de algumas fontes renováveis, em que há subsídio tanto
para quem produz quanto para quem compra. Clientes de áreas rurais também pagam
proporcionalmente pouco, e agricultores que fazem uso de irrigação, ainda
menos. A conta de luz banca até mesmo o carvão das usinas no Sul e, com a alta
dos preços do diesel e óleo combustível, terá de arrecadar quase R$ 12 bilhões
para custear o combustível de termoelétricas em locais desconectados do sistema
de transmissão.
Talvez o único subsídio defensável na conta
de luz seja a Tarifa Social, que confere descontos a famílias de baixa renda.
Ao desburocratizar o acesso ao programa, algo mais do que necessário, o governo
colheu os louros, mas quem vai pagar é o consumidor. Com o empobrecimento da
população, cada vez mais famílias fazem jus ao benefício, e o custo do programa
saiu de R$ 3,7 bilhões em 2021 para R$ 5,4 bilhões neste ano.
Todos esses valores deveriam servir como
freio para a expansão dos subsídios, mas o que a sociedade vê é justamente o
contrário. Foi o Congresso, com anuência do governo, que garantiu a maioria
desses descontos em lei, e há inúmeras propostas para expandir ainda mais os
grupos de beneficiários. Sem tecer críticas a essas iniciativas, a Aneel tem
abdicado de fazer o mínimo, que é calcular o custo dessas medidas antes que
elas cheguem ao plenário.
Pior: com a autorização para empréstimos
bilionários e o uso de recursos de fundos de pesquisa e desenvolvimento do
setor, a agência promoveu verdadeiras pedaladas para garantir reajustes de um
dígito em 2021. Agora, a conta começou a chegar. Vale lembrar que o consumidor
nem começou a pagar pelo subsídio aprovado no ano passado para quem tem painéis
fotovoltaicos, pela energia de Angra 3, que será uma das mais caras de todo o
parque gerador, pelas termoelétricas em locais sem reservas de gás nem
gasodutos e pelo improvisado leilão emergencial realizado para evitar um
racionamento.
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