Blog do Noblat / Metrópoles
Tanto chão para fazer no Brasil uma
democracia, onde as urnas não temam ameaça das armas, uma democracia justa
Há 47 anos, o povo português deu exemplo ao
mundo: como sair de regime autoritário e obscurantista para construir uma
sociedade moderna, com coesão e rumo. Na época, nosso Chico Buarque compôs uma
poesia engajada politicamente sem abrir mão da qualidade estética. Com “Tanto
Mar, Pá”, Chico uniu a graça da arte com a força da política. Com a imagem do
mar nos passou a imensa distância a percorrer para sair da ditadura reacionária
brasileira, até construir a democracia progressista nos moldes de Portugal.
Dez anos depois, conquistamos nossa
democracia, mas ainda não encontramos a coesão social e o rumo histórico “para
fazer do Brasil um imenso Portugal”. Já não cabe sonhar com o outro lado do
Atlântico, mas caminhar em frente: não mais o “tanto mar, pá”, mas “tanto chão,
cara”.
Tanto chão para fazer no Brasil uma democracia, onde as urnas não temam ameaça das armas, uma democracia justa, sustentável, eficiente, coesa. Tanto chão para fazer as reformas que nossa economia precisa e competir no mundo global, tanto chão para realizar as reformas sociais e a eficiência servir a todos, não apenas a uma minoria privilegiada; tanto chão para eliminar os resquícios da escravidão que até hoje beneficia os descendentes sociais dos senhores e oprime com desigualdade e racismo aos descendentes sociais ou raciais dos escravos.
Tanto chão para a política se livrar do
populismo de direita que se nega a distribuir os resultados da economia, e do
populismo de esquerda que promete distribuir riqueza sem se preocupar em
criá-la. Tanto chão para acabar com a prática da corrupção e escolher políticos
com compromisso público e visão de futuro acima dos interesses privados,
pessoais ou de grupos: todos com sensibilidade e responsabilidade. Tanto chão
falta para que nossos intelectuais, políticos e povo percebam a importância da
educação de base como vetor do progresso e saiam da demagogia de oferecer
universidade para todos, sem compromisso com o analfabetismo e com a garantia
de educação de base com a mesma qualidade; para que entendam que o caminho
exige um sistema educacional com a qualidade dos melhores do mundo, e a mesma
qualidade para cada criança, independente da renda e do endereço de sua
família.
Tanto chão em frente: maior que o mar ao
lado que o Chico nos mostrou.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e
governador
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