Folha de S. Paulo
Resultado exposto por autoridades
internacionais do Comitê de Direitos Humanos é a impunidade brasileira
A conclusão dos seis anos de exame, na
ONU, dos processos contra o ex-presidente Lula é esmagadora para Sergio Moro,
mas seu alcance não cessa na condenação moral desse ocupante ilegítimo de uma
cadeira de juiz.
Moro e Deltan
Dallagnol, também objeto da condenação moral, sem poderosos coadjuvantes
não conseguiriam subverter algo tão relevante como é o processo de eleição
de um presidente da República.
Não receberem menção
direta da ONU não é excluir da condenação moral esses coautores.
Outros dos muitos sentidos implícitos, mas não obscuros, na conclusão das duas
dezenas de autoridades internacionais do Comitê
de Direitos Humanos da ONU é a grande impunidade brasileira.
O velho vício nacional de caráter se impõe,
paradoxal, com a inconsequência penal das transgressões judiciais e da
articulação eleitoralmente violadora. O ministro
Gilmar Mendes, para surpresa de muitos, criou um caso raro.
Sua decisão individual de impedir, sem base jurídica ou factual, que Lula fosse ministro da presidente Dilma abriu o caminho para o golpe no processo eleitoral de 2018, com a retirada forçada de Lula. Na prática, a entrega a Bolsonaro da vitória ilegítima.
Gilmar Mendes viria a ser, porém, o mais
áspero crítico de Moro no Judiciário e batalhador pelo reconhecimento, no
Supremo, da parcialidade e da suspeição
de Moro contra Lula.
O Tribunal Regional Federal da Região Sul,
sediado em Porto Alegre, foi o revisor dos atos de Moro.
Endossou-os na aprovação dos atabalhoados relatórios
do juiz João Gebran e
dos seus companheiros de turma, que não se pouparam em sinais de entendimento
com Moro e das mesmas parcialidade e suspeição.
O TRF-4
e os que lá reviram sem rever as transgressões e malandragens de Moro
têm lugar destacado na condenação moral. O Conselho Nacional de Justiça não
quis perceber irregularidade alguma nos procedimentos de Moro.
Os desvios de conduta judicial e pessoal
estavam até na imprensa, apesar de tão discretos quanto possível. Eram inúmeros
juristas e advogados sempre prestigiados pelo jornalismo a advertir, sem
descanso, para a ocorrência de cada perversão praticada por Moro e por Deltan
Dallagnol. Em vão.
Vigorava, em nome do jornalismo, um dos
componentes mais deploráveis do acontecimento escandalosamente histórico que
foi, ainda é, a distorção da escolha eleitoral de um presidente da República.
Tudo o que houve por ação ou influência da Lava
Jato de Curitiba só foi possível pela força do ambiente criado por imprensa
e TV combinadas.
Os então editores de primeira página, de
telejornais e seus chefes, acompanhados da quase totalidade dos comentaristas
profissionais, colunistas e editorialistas, tiveram protagonismo decisivo.
A maioria, no mínimo, consciente das
irregularidades a que dava apoio. E do que fazia o Moro a quem aplaudia. Assim
está configurada uma dívida monstruosa com o país dos últimos oito anos,
desmoralizado, mais degradado do que nunca e aturdido na obscuridade do seu
futuro.
São esses protagonistas os que cobram
autocrítica —de Lula. Desde que o Supremo
Tribunal Federal fixou a convicção de que Moro conduziu com
parcialidade e suspeição os processos contra Lula, tornou-o merecedor de passar
da cadeira de juiz à de réu.
Suas transgressões foram criminosas: fez e
divulgou gravação clandestina de telefone da presidente, divulgou mentiras
de Palocci sobre Lula a uma semana da eleição para beneficiar
Bolsonaro, e muito mais. Por aí vagueia, no entanto, como autocandidato a
presidir o país.
No rol dos construtores deste período
desastroso há um oceano de traições à função pública que, em país de alguma
decência, não ficariam impunes. Aqui, os gritos são contra a impunidade de
crime vagabundo e de ferocidades animalescas.
Mas esta impunidade primária só existe como
decorrência da impunidade que, entre tantos, beneficia Moro, Dallagnol e muitos
atingidos pela conclusão
da ONU. Sintam-se como são: condenados morais pelo mundo.
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