Folha de S. Paulo
É preciso interpretar conjuntura com o
realismo que a oposição carnavalesca costuma desprezar
O salário médio
não era tão baixo fazia uma década. Sem-teto montam vilas de barracas nas
calçadas de bairros ricos de São Paulo. No fim deste ano, a renda (PIB) per
capita ainda será menor do que em 2010 (dois mil e dez: não é erro de
digitação). Ainda não se conhece projeto político que apresente um plano crível
para dar conta dos problemas crônicos do crescimento ("reformas", com
ou sem aspas).
É a pior crise da República.
Isto posto, se a conversa muda para o curtíssimo prazo e trata do ambiente político-eleitoral,
é fato que a economia não afundou ainda mais, como a oposição esperava. A cinco
meses da eleição, alguns bodes até saem da sala.
Há números melhores no emprego, na
confiança de consumidores e empresários, no crédito. A receita do governo é a
maior desde 2014 (como proporção do PIB), o que facilita favores eleitorais.
Considere-se o caso do
emprego.
Na sexta-feira (29), o IBGE divulgou os números de março. A taxa de desemprego
é a menor desde 2016. O nível de ocupação é o maior desde 2017 (a porcentagem
das pessoas em idade de trabalhar que tinham emprego).
O número de pessoas com algum
trabalho é
o maior desde 2012. É 8,2 milhões maior do que em março de 2021 ou 2,2 milhões
maior do que em março de 2019.
O rendimento médio do trabalho ("salários") é um desastre. Descontada
a inflação, nunca foi tão baixo desde 2012, quando começa a nova série de dados
sobre trabalho do IBGE. Mesmo assim, cresce um tiquinho a partir do fundo do
poço desde janeiro —despiora.
O ânimo de empresários da construção civil, dos serviços e da indústria ainda é
de "insatisfação", de pessimismo, mas a confiança cresceu em abril,
segundo a pesquisa da FGV, recuperando-se da degringolada vista a partir de
meados de 2021. No comércio, ainda caiu. A confiança dos consumidores, embora
em nível de insatisfação profunda, também se recuperou um pouco.
A alta da taxa de juros, a perspectiva de crescimento menor do que 1% do PIB
neste ano e a queda do valor do salário real não desanimaram o crédito bancário
de modo significativo.
O ritmo anualizado do valor das concessões de crédito (novos empréstimos)
estava acelerando pelo menos até fevereiro, dado mais recente (descontada a
inflação). Sim, é visível uma desaceleração nos dados trimestrais (em termos
reais, dessazonalizados).
O estoque de crédito (total de dinheiro emprestado) também cresce, em termos
anuais.
A leitura apressada desses exemplos talvez dê a impressão de que a economia se
levanta da tumba. Não. Ainda rastejamos no chão frio da cripta. A sugestão aqui
é que se interprete a
conjuntura de
modo mais político e com o realismo que a oposição carnavalesca e doidivanas
costuma desprezar.
Note-se outra vez: 8,2 milhões de pessoas arrumaram algum trabalho, em um ano
(aumento de 9,4%). O salário médio caiu, mas muita gente não tinha renda alguma
faz um ano. A baixa do rendimento, por falar nisso, foi maior para a categoria
de funcionários públicos. A fatia de empregos formais é praticamente a mesma de
2019 ou 2018.
Além dessa situação minimamente
despiorada,
o governo anabolizou o clima econômico de curtíssimo prazo. Liberou o saque
parcial do FGTS, renegocia dívidas de empresas do Simples e do Fies
(financiamento estudantil), abriu o crédito consignado para mais gente, baixou
um imposto aqui e ali. Faz mais dívida, é verdade, piorando a situação de 2023.
Os juros estão em alta. A inflação permanecerá além de 10% ao ano até agosto ou
setembro. Tropeços nos EUA e na China prenunciam problemas por aqui. Por ora,
porém, menos bodes na sala ajudam Jair Bolsonaro.
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