sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro está acuado após manifestações democráticas

Valor Econômico

Presidente poderá dobrar a aposta na hostilidade às instituições, mas sob risco de acentuar sua fragilidade política

Manifestações explícitas e contundentes de que as ameaças às eleições e os ataques às urnas eletrônicas pelo presidente Jair Bolsonaro não têm o respaldo das instituições e de parcelas amplas da sociedade civil colocaram o Planalto na defensiva. E, em mais um sinal de que o presidente não deveria brincar com fogo, a Polícia Federal pediu autorização ao Supremo Tribunal Federal para indiciar Bolsonaro pelo crime de divulgar notícias falsas sobre a covid-19 e desestimular o uso de máscaras.

A rotineira troca de um presidente do Tribunal Superior Eleitoral se transformou em uma demonstração de força do Supremo Tribunal Federal e do TSE sob ataque, com a presença de todos os poderes da República, quatro ex-presidentes, 22 governadores e representantes de 40 países. Presente, Bolsonaro teve de engolir em seco o discurso de Alexandre de Moraes, o novo titular do TSE, que presidirá as eleições e, igualmente importante, comanda o inquérito sobre fake news na alçada do Supremo. Nele, a PF também solicitou o indiciamento de Bolsonaro por divulgar falsidades sobre a vulnerabilidade das urnas.

Além de afirmar que é motivo de “orgulho nacional” o fato de o Brasil ser a única democracia no mundo que “apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia”, Moraes foi quase redundante ao condenar o discurso do ódio, e prometer que o TSE será “célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas, principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais”.

Moraes articulou política e meticulosamente a cerimônia de sua posse (Valor, ontem), sucedendo ao ministro Edson Fachin, menos afeito a aparar arestas em um ambiente conturbado. Ainda assim, em seu último ato, Fachin concordou com o pedido do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, de prorrogar o período de inspeção dos códigos-fontes das urnas e dobrar os efetivos militares para essa tarefa, de 9 para 18. Os militares procuram todo o tempo pretextos para se dizerem cerceados na tarefa para a qual foram convidados, já que não está sob suas atribuições constitucionais a de fiscalizar eleições. Fachin escapou de mais uma armadilha.

Nos planos de Bolsonaro, dia 7 de setembro será um dia glorioso de defesa da “liberdade” e uma oportunidade para que as hostes de seus apoiadores manifestem “pela última vez” seu repúdio a ministros do Supremo que atravessaram o caminho do presidente e apontaram o dever de o ocupante do cargo cumprir as disposições constitucionais. Bolsonaro, porém, já não terá tudo o quer no dia da Independência.

O presidente, de improviso, anunciou um desfile militar na praia de Copacabana. O primeiro revés ocorreu quando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse que sua realização no local não estava autorizada e que a comemoração deveria ocorrer em seu lugar costumeiro, na avenida Presidente Vargas. Ao que parece, a cúpula militar também não concordava com o ato em Copacabana, onde as tropas serviriam de coreografia para uma ação de campanha eleitoral. Mesmo assim, o Comando Militar do Leste decidiu então não fazer desfile nem em Copacabana, nem em lugar nenhum e comunicou isso ao prefeito do Rio.

Bolsonaro ficou de cara fechada na posse de Moraes e não bateu palmas para um discurso de defesa ampla da democracia. Poderá dobrar a aposta na hostilidade às instituições, mas sob risco de acentuar sua fragilidade política. Os ataques feitos no 7 de Setembro passado não lhe renderam mais votos nem melhoraram seu alto grau de rejeição, ao contrário. Em uma difícil batalha para reduzir a ainda confortável diferença que o separa do favorito, o ex-presidente Lula, o discurso do ódio ajuda pouco. Uma diferença pequena na contagem dos votos se adaptaria melhor a um roteiro de golpe, culpando urnas eletrônicas viciadas, que Bolsonaro vem esboçando desde o momento em que colocou os pés no Palácio do Planalto.

A pesquisa Datafolha divulgada ontem indica pequena melhora de Bolsonaro - a diferença em relação a Lula, que já foi de 21 pontos, caiu para 15 pontos. Lula tem 47% das intenções de voto (menos 1 ponto em relação à pesquisa anterior) e Bolsonaro, 32%, o que indica que o candidato petista ainda pode vencer no primeiro turno. O presidente está distribuindo dinheiro e ameaças, mas isto não está sendo suficiente.

Lula e Bolsonaro não deveriam fugir dos debates

O Globo

Um confronto regido pelos princípios do jornalismo profissional seria a melhor maneira de informar o eleitor

Além da propaganda dos candidatos, toda campanha eleitoral costuma ser marcada pela repercussão de dois instrumentos na opinião pública. Primeiro, as pesquisas de intenção de voto. Segundo, a sucessão de sabatinas, entrevistas e debates com candidatos. Em conjunto, as informações produzidas por ambos ajudam o eleitor a tomar suas decisões e funcionam como uma batida rítmica que marca o andamento do noticiário até o dia da votação.

Nesta semana, essa música começou a tocar. O calendário de pesquisas periódicas foi inaugurado pelos números do Ipec e do Datafolha — e se estenderá até o dia da eleição, com os solavancos e as surpresas de costume. Ao mesmo tempo, os veículos da imprensa profissional começaram a publicar suas entrevistas e sabatinas. No GLOBO, elas iniciaram pelos postulantes ao governo paulista. Os principais candidatos à Presidência, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, já aceitaram participar da tradicional entrevista à bancada do Jornal Nacional, a partir de segunda-feira. Quanto aos debates, embora já tenha havido o primeiro confronto entre candidatos a governador, é provável que, como aconteceu em 2018, falte outra vez ao brasileiro um embate entre os líderes na disputa presidencial.

Depois de sinalizarem que participariam do debate do consórcio entre O GLOBO, Valor, g1, UOL, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, as campanhas dos dois foram incapazes de se comprometer no prazo estipulado. Lamentavelmente, fugiram (o consórcio continua aberto a realizar o evento). Lula confirmou que iria a outro debate marcado para o dia 28, mas informou que poderia desistir se Bolsonaro não fosse. As presenças são incertas.

Em vez de participar de debates com regras claras e equilibradas, em que suas ideias e propostas seriam submetidas a questionamentos de cunho jornalístico e confrontadas com o contraditório, os dois principais candidatos têm dado preferência a ambientes onde são tratados com deferência, inquiridos por “youtubers”, “podcasters” ou “influencers” sem experiência nenhuma em cobertura política nem compromisso com princípios editoriais transparentes regidos pelo interesse público (o exemplo mais recente foi a participação de mais de cinco horas de Bolsonaro no podcast Flow).

É óbvio que as campanhas têm o direito de agir de acordo com o que consideram ser interesse dos candidatos, por isso é natural que prefiram apostar na propaganda e em figuras da internet com poder de atrair grande audiência. Mas apenas o jornalismo profissional é capaz de informar o eleitor de modo fidedigno e competente. A ausência dos líderes das pesquisas dos debates contribui para deteriorar a qualidade da informação oferecida aos cidadãos e representa um retrocesso para a democracia brasileira, num momento em que não lhe faltam ameaças e em meio a uma guerra de versões e narrativas.

Tanto Bolsonaro quanto Lula agem para evitar um confronto que traria questionamentos incômodos, como se tivessem medo de virem à tona temas que prefeririam manter longe da campanha. É um comportamento infantil, que desrespeita o eleitor. O brasileiro merece receber toda informação a que tem direito para tomar a melhor decisão possível. Não existe melhor forma de informá-lo que debates equilibrados e transparentes, seguindo os princípios do jornalismo profissional.

Dificuldades das mães no mercado de trabalho empobrecem o país

O Globo

Pesquisa estima em 38% a queda de renda das brasileiras nos anos seguintes à chegada de um filho

A discussão sobre os obstáculos enfrentados por mulheres no mercado de trabalho ganhou recentemente a contribuição de um novo estudo sobre o impacto da maternidade. A pesquisa, da Universidade de Princeton e da London School of Economics, estima em 38% a queda de renda das brasileiras nos anos seguintes à chegada de um filho.

A distorção é global, mas o Brasil é exceção negativa. O “imposto maternidade” pago pelas brasileiras está a 13 pontos percentuais do esperado para o nível de desenvolvimento do país. Ao tratar da pesquisa em sua coluna no GLOBO, o economista Carlos Góes, da Universidade da Califórnia, afirmou que as atitudes rígidas em relação ao gênero têm impacto “grande e de longo prazo” na inserção e desempenho das mulheres no mercado de trabalho. A situação é reforçada por preconceitos populares que atribuem a homens e mulheres papéis estanques (absurdos como “meninos vestem azul, meninas vestem rosa”).

Quando a dedicação maior aos filhos por parte da mãe é opção do casal, não há problema. Mas raramente é o que acontece. Socialmente, as mulheres são impelidas a interromper ou modificar drasticamente seus planos de carreira com a chegada das crianças. Para famílias de baixa renda, há um drama adicional: faltam creches. Desde 2007, o governo federal aprovou a construção de 15.700 escolas e creches. De acordo com levantamento feito neste ano pela ONG Transparência Brasil, pouco mais da metade foi concluída.

No Brasil, como noutros países, mulheres ocupam uma proporção menor que homens em cargos de média gerência, são raridade no comando de grandes empresas e quase inexistentes em conselhos de administração. Por anos, a explicação para esse desnível se baseava na qualificação. Balela. Há mais de duas décadas as mulheres são maioria nas universidades brasileiras. Já em 2013, mais mulheres concluíam cursos de graduação emDireito e administração do que homens.

Existe, claro, preconceito, mas ele não explica tudo. O novo estudo traz uma contribuição valiosa ao levantar a importância decisiva da maternidade, espécie de ponto de inflexão na carreira de muitas executivas. As que não têm apoio do parceiro nem querem ou não podem terceirizar o cuidado com os filhos se veem forçadas a tirar o pé do acelerador. Isso é ruim para as mulheres, para seus maridos, para a economia e para o país como um todo.

Para atacar o problema, empresas deveriam criar condições para que as profissionais possam passar mais tempo com filhos pequenos sem perder cargo, salário ou promoções. O trabalho remoto popularizado pela pandemia mostra que jornadas flexíveis costumam ser mais produtivas. É preciso também reeducar os homens, para que dividam as tarefas, de modo a permitir às mulheres a permanência no mercado de trabalho. Não se trata apenas de questão de justiça ou equidade. Como mostra o estudo, a perda de profissionais competentes como as mulheres empobrece o país e tem impacto negativo também na economia.

Bolsonaro se move

Folha de S. Paulo

Presidente melhora no Datafolha após novos auxílios, mas Lula mantém percentual

A nova pesquisa Datafolha, realizada no início oficial da campanha eleitoral, mostra mais uma vez na liderança o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 47% das intenções de voto, seguido pelo atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL), que marca 32%.

A principal novidade do levantamento em relação ao anterior, do final de julho, é a redução da distância entre os dois postulantes.

Enquanto Lula se mantém estável, Bolsonaro, que registrava 29%, ganha três pontos percentuais, enquanto a margem de erro da sondagem é de dois pontos para mais ou para menos. Desde maio, a vantagem do petista caiu de 21 para 15 pontos percentuais.

O presidente também vê melhorar a avaliação de seu governo, considerado ótimo ou bom por 30% dos eleitores, a taxa mais alta desde março de 2021, embora permaneça com elevada rejeição (51%).

São movimentos comedidos, mas dignos de nota, considerando-se que a massa exorbitante de recursos públicos mobilizada pelo governo federal para distribuir benesses no período eleitoral apenas começa a chegar aos destinatários —os primeiros pagamentos de novos auxílios e valores ocorreram nos últimos dias.

O presidente pode ainda colher alguns números favoráveis no terreno da economia, em especial quanto à redução das taxas de inflação e desemprego.

Por ora, Lula preserva expressiva vantagem na faixa de renda até dois salários mínimos, de 55% a 23%, e é o preferido entre mulheres, jovens e menos escolarizados.

Já seu oponente cresceu sete pontos percentuais em relação à última pesquisa no segmento que ganha entre dois e cinco mínimos, ultrapassando o petista (41% a 38%), e tem vantagem de 47% a 34% na faixa entre cinco e dez pisos.

Na distribuição regional, Lula é de longe o preferido da região Nordeste (57% a 24%), tem vantagem substancial no Sudeste, maior colégio eleitoral do país (44% a 32%), e está à frente no Sul (43% a 39%). O mandatário surge à frente no Norte (43% a 41%) e no Centro-Oeste (42% a 36%), regiões com peso eleitoral bem mais modesto.

O retrato apresentado pelo Datafolha neste início de campanha revela que o petista continua com chances de vencer no primeiro turno, já que teria, hoje, 51% dos votos válidos. Na hipótese de segundo turno, sairia vitorioso. Faltam contudo mais de 40 dias até a votação.

Resta desejar que a corrida eleitoral deixe de lado aspectos pouco auspiciosos, como a insistência na divulgação de fake news e a exploração apelativa de controvérsias no campo da moral e da religião, e ganhe consistência com o debate de programas de governo e propostas de políticas públicas.

Máscara opcional

Folha de S. Paulo

Com pandemia menos letal, cai uso obrigatório em voos; vacinação precisa avançar

Em decisão unânime, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na quarta (17) o fim do uso obrigatório de máscaras faciais em aviões e em aeroportos.

Com a medida, que aboliu também as regras de distanciamento social nos aeroportos, a proteção passa a ser uma recomendação individual para passageiros, tripulantes e demais funcionários das companhias aéreas, como já ocorre em países da Europa e nos EUA.

A decisão se dá num contexto de arrefecimento da pandemia no país. As médias móveis de casos e mortes seguem em queda, na comparação com os dados de duas semanas atrás. A de novas infecções é de 17,7 mil ao dia, ao passo que a de óbitos atinge 179 —reduções de 34% e 12%, respectivamente.

Ademais, segundo o mais recente boletim Infogripe, da Fiocruz, todos os estados, com exceção de Roraima, apresentam estabilidade ou tendência de queda nos casos de síndrome respiratória aguda grave, hoje majoritariamente provocados pelo vírus Sars-CoV-2.

O progressivo abandono das medidas não farmacológicas no país reforça ainda mais a importância das vacinas na contenção do coronavírus. Se aproximadamente 80% da população já completou o esquema vacinal primário, a primeira dose de reforço ainda não ultrapassou os 55%.

Causa especial preocupação a imunização infantil. Embora a Anvisa tenha autorizado a vacinação de crianças de 3 e 4 anos há um mês, somente nesta semana o Ministério da Saúde anunciou a compra de 1 milhão de doses para essa faixa etária, as quais devem ser entregues apenas em meados de setembro. Estima-se que são necessários ao menos 7 milhões para dar conta desse grupo.

A nova omissão da pasta vem atravancando as campanhas voltadas a esse público. Até o momento, pouco mais de 260 mil crianças tomaram a primeira dose do imunizante —meros 4,7% do total.

Em dois anos, a Covid-19 causou mais que o triplo de vítimas entre os menores de 5 anos do que causaram meningite, difteria, sarampo, rubéola e outras dez doenças infecciosas juntas nos últimos dez.

É, pois, imperioso centrar esforços em campanhas para que um número maior de pessoas tome os reforços e vacine seus filhos —providência que, cada vez mais, vai se tornando a barreira protetiva fundamental contra a doença

Ocultar partido é minar a democracia

O Estado de S. Paulo

Nenhum candidato é representante de si mesmo. Fortalecer os partidos é um objetivo que vai além dos interesses de seus integrantes e, em última instância, beneficia toda a sociedade

A corrida para as eleições proporcionais começa sob a marca da omissão quando a maioria dos candidatos a deputado federal esconde de forma deliberada seus partidos. Como mostrou o Estadão, a descrição que os políticos fazem de si mesmos nas redes sociais lista sua profissão, composição familiar, frases de efeito e o número que identifica a candidatura na urna eletrônica, mas as siglas têm sido convenientemente ocultadas, como se essa informação fosse dispensável e sem importância (ou, pior, como se depusesse contra o candidato). No rasteiro marketing político, é uma fórmula para se livrar da rejeição associada às legendas ludibriando o eleitor. Essa estratégia, no entanto, gera consequências nefastas que, no curto prazo, garantem uma campanha despolitizada e dominada por discussões laterais que passam longe dos reais problemas do País. No médio e longo prazos, isso contribui diretamente para minar a democracia por dentro.

Ao contrário do que alguns políticos tentam apregoar, nenhum candidato é representante de si mesmo, até porque candidaturas avulsas são proibidas no País. A Constituição estabelece, em seu artigo 14, a filiação partidária como condição obrigatória de elegibilidade, sem a qual a candidatura a um cargo público é indeferida. Se bem-sucedidos na disputa, parlamentares perdem o cargo caso decidam trocar de legenda fora do período da janela partidária, uma prova cabal de que o cargo não pertence às pessoas eleitas, mas aos partidos que elas integram, segundo um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O fato de pesquisas apontarem os partidos entre as instituições mais reprovadas pela população não autoriza os deputados a tentar enganar os eleitores, como se deles não fizessem parte. Uma das mais recentes, feita pelo Instituto da Democracia em junho, mostrou que boa parte dos entrevistados não confia nas legendas (53%) e no Congresso (46%), tampouco no Supremo Tribunal Federal (37%), na Justiça Eleitoral (29%) e nas Forças Armadas (29%). Se o levantamento deixa claro haver uma aversão aos partidos, ele também expõe uma crise não restrita a eles e que alcança instituições cuja existência é essencial para garantir uma democracia plena e evitar, ou ao menos minimizar, atitudes autocráticas que deteriorem o sistema. A história é pródiga em exemplos do caminho tenebroso que países percorreram ao seguirem líderes que cultuavam suas próprias personalidades e apostavam no descrédito das legendas partidárias. No caso brasileiro, as manifestações de junho de 2013 fortaleceram movimentos contrários à política tradicional que estão na origem da eleição de Jair Bolsonaro e do surgimento de militantes que se orgulham de rejeitar as instituições.

É evidente que o resgate dos partidos políticos não é tarefa trivial, mas é fundamental para a sustentação do próprio regime democrático. Representar os interesses dos eleitores à luz de suas expectativas e dos limites do Estado é desafiador, mas o País tem dado às legendas todas as condições, inclusive financeiras, para que façam uma profunda autocrítica e superem sua crise de identidade. A existência dos fundos eleitoral e partidário, ainda que os recursos reservados extrapolem os limites do razoável, é o reconhecimento do legislador de que o fortalecimento dos partidos é um objetivo que vai além dos interesses de seus integrantes e que, em última instância, beneficia toda a sociedade.

O legado de destruição do governo Bolsonaro depõe a favor da importância dos partidos para a organização do Estado e de sua relevância no debate público. Em 34 anos, Bolsonaro passou por oito legendas diferentes e tentou criar uma sigla da qual pudesse se adonar. Sem sucesso, restou a Bolsonaro buscar guarida no PL, uma das siglas mais omitidas nas redes sociais pelos filiados que disputam a eleição para deputado federal. Isso certamente diz muito sobre a imagem do partido, mas também sobre Bolsonaro, figura que tem sido ocultada por muitos candidatos a governador que integram sua chapa em todo o País.

Nem a merenda escapa

O Estado de S. Paulo

Ao vetar reajuste da complementação federal à alimentação escolar na rede pública, alegando restrições fiscais, Bolsonaro amplia o desastroso legado de seu governo na educação

A insensibilidade do presidente Jair Bolsonaro em relação à educação não é novidade. Ainda assim, é sempre chocante constatar cada nova demonstração de desapreço do governo federal pela área educacional. Foi o que ocorreu há alguns dias, quando o presidente vetou o reajuste dos valores que o Ministério da Educação (MEC) transfere a Estados e municípios para o custeio da merenda escolar. Isso mesmo: em tempos de fome e insegurança alimentar em alta, Bolsonaro não titubeou ao impedir a atualização dos repasses destinados para servir alimentação a 38 milhões de estudantes da rede pública de ensino básico em todo o País. 

O reajuste, que poderia superar 30%, estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, aprovada pelo Congresso. Em boa hora, deputados e senadores incluíram a previsão de reposição das perdas inflacionárias desde 2017 − ano em que os repasses para a compra de merenda foram corrigidos pela última vez, no governo do então presidente Michel Temer. Como se sabe, a LDO orienta a elaboração do Orçamento do ano seguinte. E a reposição se daria pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), algo mais do que necessário em meio à escalada de preços dos alimentos. No que depender de Bolsonaro, porém, isso não ocorrerá.

A justificativa para o veto não só reitera a desimportância da educação sob Bolsonaro, como também explicita o completo despudor com que o presidente submete as contas públicas do País a seus interesses eleitorais. Ao vetar o reajuste, Bolsonaro evocou a existência do teto de gastos, argumentando que destinar mais recursos para a merenda “contraria o interesse público”, pois “poderia inviabilizar, parcial ou integralmente, outras políticas públicas igualmente relevantes”. 

Ora, o atual governo não viu problema em atropelar o teto de gastos para elevar, às pressas, o Auxílio Brasil, de olho no voto da parcela mais pobre da população, bem como para criar benefícios em dinheiro para taxistas e caminhoneiros, categorias em que a reeleição do presidente encontra apoio. Ou seja, quando é do interesse eleitoral de Bolsonaro, o governo ignora o teto de gastos. Já na hora de reajustar a merenda, o teto serve de justificativa para o veto.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi construído ao longo de décadas e é um importante contraponto às desigualdades regionais. Por lei, as verbas transferidas a Estados e municípios têm caráter suplementar, isto é, devem somar-se aos recursos aplicados pelas próprias redes estaduais e municipais. Na realidade dos 5.568 municípios brasileiros, porém, o repasse federal tem pesos diferentes. Isso acaba sendo não só um fator de equidade, como, em muitos casos, a garantia de que haverá merenda nas escolas, além de proporcionar alimentação saudável, já que 30% dos recursos federais devem ser aplicados na compra de produtos da agricultura familiar − o que também fomenta as economias locais.

Os repasses são calculados com base no número de estudantes: prefeituras e governos estaduais recebem, a cada dia letivo, apenas R$ 0,36 por estudante de ensino fundamental e médio (nas creches e nas escolas de ensino integral, o valor alcança o teto de R$ 1,07). Considerando que a tabela foi reajustada pela última vez em 2017, é notório que houve significativa perda do poder de compra − e fará bem o Congresso se derrubar o veto de Bolsonaro. 

Em meio ao desastroso legado do atual governo, a educação, infelizmente, desponta como uma das áreas que mais prejuízos sofreram e que mais tempo levará para ser recuperada. O desprezo de Bolsonaro pela educação evidenciou-se tanto naquilo que fez, como nas sucessivas escolhas erradas de nomes para comandar o MEC, quanto no que deixou de fazer − a omissão do governo federal durante a suspensão das aulas presenciais na pandemia é imperdoável. Com o veto ao reajuste de repasses para a merenda, algo que passaria a vigorar em 2023, o presidente se superou, impedindo que se faça a coisa certa até mesmo depois de seu atual mandato.

A presunção de Tarcísio

O Estado de S. Paulo

Carioca, o candidato bolsonarista deixa claro que não crê na capacidade dos paulistas de lidar com seus problemas

O carioca Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), conhecido por sua moderação e sua capacidade técnica, parece ter resolvido emular seu destemperado padrinho, o presidente Jair Bolsonaro, na sua campanha ao governo paulista.

Durante uma sabatina promovida pelo Valor, O Globo e Rádio CBN, o candidato bolsonarista respondeu às críticas por ter fixado domicílio eleitoral em um Estado onde nunca viveu ou trabalhou insinuando que os paulistas são incapazes de lidar com seus próprios problemas.

“Vai precisar um cara de fora de São Paulo chegar aqui para concluir o Rodoanel”, disse Tarcísio de Freitas durante a sabatina. “Vai precisar um cara de fora de São Paulo chegar aqui para fazer o metrô andar. Vai precisar um cara de fora de São Paulo chegar aqui para levar a sério o saneamento básico e a despoluição dos Rios Tietê e Pinheiros”, concluiu o candidato, que disputa a sua primeira eleição.

Essas declarações de Tarcísio de Freitas são profundamente desrespeitosas, e não apenas em relação aos que já tiveram a honra de governar São Paulo e, com seus erros e acertos, contribuíram para desenvolver o Estado mais rico do País. O candidato bolsonarista insultou todos os paulistas, sem exceção, tanto os de nascimento como os de coração. Sua fala denota um estado de espírito indigno de um postulante a um dos cargos mais importantes da República.

Havia muitas maneiras de Tarcísio de Freitas responder às críticas que lhe fazem por ser um forasteiro em São Paulo, bem mais elegantes e honestas do que suas afrontas. O candidato poderia responder, por exemplo, que a Justiça Eleitoral reconheceu a validade dos documentos que ele apresentou para comprovar seu vínculo com a cidade de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, para onde transferiu seu domicílio eleitoral no ano passado. Sua candidatura, portanto, é rigorosamente legal.

Tarcísio de Freitas também poderia responder que São Paulo é um Estado acolhedor, que jamais fechou suas fronteiras – geográficas e afetivas – para qualquer pessoa que queira vir para cá viver, estudar e trabalhar. São Paulo é o que é justamente por essa riquíssima combinação de forças e, sobretudo, por uma comunhão de valores muito caros nesta terra entre os que aqui nasceram ou para cá migraram.

Tarcísio de Freitas poderia ter dito que muito já foi feito por São Paulo e decerto muito ainda há por fazer; e ele, com sua reconhecida experiência, poderia ser mais um a contribuir para o desenvolvimento do Estado.

No entanto, o candidato bolsonarista, lamentavelmente, parece ter escolhido o pior caminho, aquele que o aproxima da truculência de Jair Bolsonaro e o afasta dos eleitores que poderiam simpatizar com sua candidatura a despeito do fato de que se trata de alguém que não conhece o Estado que pretende governar. Afinal, os paulistas, desde sempre orgulhosos de terem construído o Estado mais rico do Brasil, certamente terão alguma dificuldade em aceitar serem governados por quem os considera, a todos, incompetentes. Os paulistas podem até relevar o local de nascimento do candidato, mas certamente não gostam de quem os desrespeita.

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