sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Claudia Safatle - Novo arcabouço fiscal preserva o teto

Valor Econômico

Tão logo seja conhecido o resultado das eleições, e, independentemente de quem vencer a disputa, espera-se disparar o debate sobre o novo modelo

Está tomando forma a proposta de um novo arcabouço fiscal para vigorar a partir de 2023. Elaborada por técnicos do Tesouro Nacional, esta é uma discussão pós-pandemia que ocorre no mundo todo e que, aqui, abre as portas para flexibilização do polêmico teto do gasto público. A lei do teto impede que a correção das despesas ano a ano supere a inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

A proposta é de criar três faixas de parâmetro de dívida bruta do governo geral como proporção do PIB e, de acordo com a faixa, abrir possibilidade de aumentar o gasto. Uma das faixas seria a dívida estar abaixo de 60% do PIB, média do nível de endividamento dos países emergentes. Nesse caso, o governante poderia aumentar a despesa pública pela inflação mais 2% a 2,5% - percentual que equivale ao PIB potencial. Com as receitas e as despesas elevando-se, em termos reais, o equivalente ao crescimento da economia, o resultado primário ficaria constante, e a dívida, estável.

Se a dívida estiver entre 60% e 75% do PIB, a elevação da despesa cairia para a casa de 1% a 1,5% além da inflação do IPCA. Nessa faixa, com receitas crescendo acima das despesas, a acumulação de superávit primário levaria a dívida a assumir trajetória de queda como proporção do PIB.

E a dívida estando acima de 75% do PIB, manter-se-ia a regra do teto: a despesa só pode ser corrigida pela inflação.

Atualmente a dívida bruta corresponde a 78,2% do PIB e, portanto, ainda que o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional com essas faixas - cujos números exatos ainda estão sob discussão -, não haveria qualquer alívio para o gasto no curto prazo.

A razão para isto é que, com o nível elevado de endividamento, os juros necessários para o refinanciamento da dívida são muito altos, e a degradação das contas públicas é rápida. Hoje, por exemplo, o Brasil é o único país que paga juros reais de 6% ao ano para os investidores que estão dispostos a financiar a dívida pública. Tal generosidade não pode ser mantida por mais muito tempo sob o risco de o país entrar em “default”.

 

O máximo que a administração que for eleita em outubro para comandar o governo federal poderia sonhar, para o ano que vem, é com a acomodação dos R$ 200 a mais do Auxílio Brasil (que era de R$ 400 e passou a ser de R$ 600 até o fim deste ano) no teto do gasto para 2023 em diante. Nesse caso, o teto, que atualmente é de 18,5% do PIB, passaria a ser de 19% do PIB, suficiente para abrigar a despesa adicional de cerca de R$ 50 bilhões.

A ideia dos técnicos do Ministério da Economia é que esse arcabouço fiscal, ao criar incentivos para o governante, reduza o grau de endividamento do setor público. Os técnicos ressalvam, também, que a discussão inicial começou com um equívoco, ao chamar as faixas de bandas. Bandas são intervalo de flutuação, tal como existem no regime de metas para a inflação, o que não é o caso.

Tão logo seja conhecido o resultado das eleições, e, independentemente de quem vencer a disputa, espera-se disparar o debate sobre o novo modelo fiscal. A mudança é vista, internamente, como uma política de Estado, e não de governo, exatamente pelo temor de “default” que a situação atual da taxa de juros cria.

“Nosso modelo tenta trazer o que está em discussão no mundo”, assinala uma fonte que está participando do debate. A Nova Zelândia adotou padrões para o endividamento público, mas não há um modelo pronto e acabado. “A regra interessante tem que ter a firmeza do objetivo e a flexibilidade do caso concreto”, completa a fonte, salientando que não se pode dar muita flexibilidade para o governante de plantão, em regimes democráticos, pois este tende a ficar com todos os bônus e costuma transferir os ônus para a próxima administração.

Ter uma dívida pública geral abaixo de 60% do PIB permite aos governos fazer políticas públicas sem trazer danos à economia. Nesse patamar, os juros necessários para o refinanciamento da dívida não sobem e a atividade econômica não cai. “Os 60% são um numero cabalístico”, comenta uma fonte que está estudando melhor as razões para esse percentual ser um “grau de investimento” que o mercado atribui ao país que o ostenta.

De acordo com o texto constitucional, terá que ser elaborado um projeto de lei complementar com indicadores para a apuração da dívida e a sua sustentabilidade, especificando “níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida”, uma “trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação”, dentre várias outras determinações da Emenda Constitucional 109. Para os técnicos, trata-se de um aperfeiçoamento da lei do teto.

Mesmo que seja uma ideia para substituir a lei do teto para o gasto público, ela ainda vigorará por um bom tempo, caso não haja um corte no nível da dívida para o país sair da situação caótica que é viver com um endividamento de 78% do PIB.

É importante ouvir o que os técnicos, que estão com os dedos no pulso do paciente, têm a dizer sobre isso.

 

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