Valor Econômico
Tão logo seja conhecido o resultado das
eleições, e, independentemente de quem vencer a disputa, espera-se disparar o
debate sobre o novo modelo
Está tomando forma a proposta de um novo
arcabouço fiscal para vigorar a partir de 2023. Elaborada por técnicos do
Tesouro Nacional, esta é uma discussão pós-pandemia que ocorre no mundo todo e
que, aqui, abre as portas para flexibilização do polêmico teto do gasto
público. A lei do teto impede que a correção das despesas ano a ano supere a
inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
A proposta é de criar três faixas de parâmetro de dívida bruta do governo geral como proporção do PIB e, de acordo com a faixa, abrir possibilidade de aumentar o gasto. Uma das faixas seria a dívida estar abaixo de 60% do PIB, média do nível de endividamento dos países emergentes. Nesse caso, o governante poderia aumentar a despesa pública pela inflação mais 2% a 2,5% - percentual que equivale ao PIB potencial. Com as receitas e as despesas elevando-se, em termos reais, o equivalente ao crescimento da economia, o resultado primário ficaria constante, e a dívida, estável.
Se a dívida estiver entre 60% e 75% do PIB,
a elevação da despesa cairia para a casa de 1% a 1,5% além da inflação do IPCA.
Nessa faixa, com receitas crescendo acima das despesas, a acumulação de
superávit primário levaria a dívida a assumir trajetória de queda como
proporção do PIB.
E a dívida estando acima de 75% do PIB,
manter-se-ia a regra do teto: a despesa só pode ser corrigida pela inflação.
Atualmente a dívida bruta corresponde a
78,2% do PIB e, portanto, ainda que o Congresso Nacional aprove uma emenda
constitucional com essas faixas - cujos números exatos ainda estão sob
discussão -, não haveria qualquer alívio para o gasto no curto prazo.
A razão para isto é que, com o nível
elevado de endividamento, os juros necessários para o refinanciamento da dívida
são muito altos, e a degradação das contas públicas é rápida. Hoje, por
exemplo, o Brasil é o único país que paga juros reais de 6% ao ano para os
investidores que estão dispostos a financiar a dívida pública. Tal generosidade
não pode ser mantida por mais muito tempo sob o risco de o país entrar em
“default”.
O máximo que a administração que for eleita
em outubro para comandar o governo federal poderia sonhar, para o ano que vem,
é com a acomodação dos R$ 200 a mais do Auxílio Brasil (que era de R$ 400 e
passou a ser de R$ 600 até o fim deste ano) no teto do gasto para 2023 em
diante. Nesse caso, o teto, que atualmente é de 18,5% do PIB, passaria a ser de
19% do PIB, suficiente para abrigar a despesa adicional de cerca de R$ 50
bilhões.
A ideia dos técnicos do Ministério da
Economia é que esse arcabouço fiscal, ao criar incentivos para o governante,
reduza o grau de endividamento do setor público. Os técnicos ressalvam, também,
que a discussão inicial começou com um equívoco, ao chamar as faixas de bandas.
Bandas são intervalo de flutuação, tal como existem no regime de metas para a
inflação, o que não é o caso.
Tão logo seja conhecido o resultado das
eleições, e, independentemente de quem vencer a disputa, espera-se disparar o
debate sobre o novo modelo fiscal. A mudança é vista, internamente, como uma
política de Estado, e não de governo, exatamente pelo temor de “default” que a
situação atual da taxa de juros cria.
“Nosso modelo tenta trazer o que está em
discussão no mundo”, assinala uma fonte que está participando do debate. A Nova
Zelândia adotou padrões para o endividamento público, mas não há um modelo
pronto e acabado. “A regra interessante tem que ter a firmeza do objetivo e a
flexibilidade do caso concreto”, completa a fonte, salientando que não se pode
dar muita flexibilidade para o governante de plantão, em regimes democráticos,
pois este tende a ficar com todos os bônus e costuma transferir os ônus para a
próxima administração.
Ter uma dívida pública geral abaixo de 60%
do PIB permite aos governos fazer políticas públicas sem trazer danos à
economia. Nesse patamar, os juros necessários para o refinanciamento da dívida
não sobem e a atividade econômica não cai. “Os 60% são um numero cabalístico”,
comenta uma fonte que está estudando melhor as razões para esse percentual ser
um “grau de investimento” que o mercado atribui ao país que o ostenta.
De acordo com o texto constitucional, terá
que ser elaborado um projeto de lei complementar com indicadores para a
apuração da dívida e a sua sustentabilidade, especificando “níveis de
compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida”, uma
“trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em
legislação”, dentre várias outras determinações da Emenda Constitucional 109.
Para os técnicos, trata-se de um aperfeiçoamento da lei do teto.
Mesmo que seja uma ideia para substituir a
lei do teto para o gasto público, ela ainda vigorará por um bom tempo, caso não
haja um corte no nível da dívida para o país sair da situação caótica que é
viver com um endividamento de 78% do PIB.
É importante ouvir o que os técnicos, que
estão com os dedos no pulso do paciente, têm a dizer sobre isso.
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