O Globo
Danos potenciais de uma campanha
presidencial que promete ser muito agressiva
A campanha presidencial promete ser
brutalmente agressiva. Em entrevista ao Correio Braziliense, em 7 de agosto, o
ministro-chefe da Casa Civil não deixou dúvidas sobre a agressividade com que
deverá ser conduzida a campanha de Bolsonaro.
Não faltará ao PT capacidade de revidar.
Basta lembrar quão longe o partido foi capaz de chegar, em 2014, quando partiu
para o aniquilamento da candidatura de Marina Silva no horário eleitoral
gratuito, para assegurar a reeleição de Dilma Rousseff.
Haverá quem alegue que a televisão já não
tem a importância que tinha e que as intenções de voto já chegaram a um grau de
cristalização irreversível. Duas alegações discutíveis.
As certezas sobre a suposta irrelevância da propaganda eleitoral gratuita, com base na experiência de 2018, parecem precipitadas. Na verdade, em decorrência do atentado de que foi vítima, Bolsonaro acabou tendo muito mais destaque na televisão do que todos os demais candidatos juntos.
Quanto à suposta cristalização das
intenções de voto, é preciso lembrar que se trata de uma eleição muito
peculiar. Boa parte do eleitorado parece determinada a votar num candidato pela
simples aversão que nutre pelo outro. Um tipo de voto que deverá requerer
grande esforço de autoengano. Tanto de quem, a contragosto, se diz disposto a
votar em Lula, como de quem votará contrariado em Bolsonaro.
Numa disputa em que as campanhas, de lado a
lado, deverão ser tão brutais e virulentas, tais esforços de autoengano estarão
submetidos a enorme stress. E intenções de voto podem se mostrar menos
cristalizadas do que hoje se imagina.
É difícil prever a seriedade dos danos à
imagem com que cada um dos candidatos terá de lidar. Mas há boas razões para
crer que, ao final da batalha, quando a fumaça se dissipar, Lula possa ter
sofrido mais danos que seu adversário.
O telhado de vidro de Bolsonaro envolve
fatos relativamente recentes, martelados com grande alarde na mídia e nas redes
sociais. Por mais execráveis e revoltantes que possam ser, são fatos dos quais
o eleitorado já tem amplo e claro conhecimento.
Já os telhados de vidro de Lula decorrem de
fatos mais remotos, embaçados pelo tempo, que, se rememorados em cores fortes,
numa campanha agressiva, poderão se mostrar bem mais danosos.
Lula e o PT podem vir a ser confrontados,
em mau momento, com a conta do negacionismo a que se entregaram, em sua
inarredável recusa a reconhecer os erros que cometeram nos desastrosos
descaminhos a que conduziram o país.
É lamentável que Lula e o PT estejam
entrando na campanha eleitoral com tamanho telhado de vidro, sem ter conseguido
desenvolver uma narrativa minimamente realista e honesta sobre o que de fato
ocorreu, ao longo dos mais de 13 anos em que o partido ocupou o Palácio do
Planalto.
As narrativas sem nenhuma aderência à
realidade que vêm sendo balbuciadas por Lula e pelo PT, tanto sobre o desastre
econômico do governo Dilma como sobre a corrupção nos governos petistas, não
passam de castelos de cartas, que não resistirão aos primeiros estrépitos da
campanha.
No evento que marcou sua reentrada triunfal
no proscênio político do país, já como forte candidato a presidente, em março
do ano passado, Lula apressou-se a se dizer inocentado pelo STF, rotulou a
Lava-Jato de “maior mentira jurídica em 500 anos” e comportou-se como se nada
tivesse a ver com sua sucessora no Planalto.
Mas logo percebeu que tendo sido dele, e só
dele, a ideia de alçar Dilma Rousseff à Presidência da República, não teria
como dela se dissociar.
Diante da extensão do comprometimento do PT
com o que ocorreu no governo Dilma, o que acabou prevalecendo, no projeto de
recondução de Lula ao Planalto, foi a aposta na ideia de manter o partido
coeso, com olhos fechados para erros e excessos cometidos, em amnésia coletiva,
sem recriminações e autocríticas.
A se julgar pelo desempenho de Lula nas
pesquisas de intenção de voto, essa aposta negacionista vem tendo inegável
sucesso. Mas ao custo de ter deixado o candidato imprudentemente vulnerável à
brutalidade da campanha que vem por aí.
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