O Globo
Sem bala de prata, a humildade é bom remédio
Um salão do Palácio do Planalto ganhou o
apelido de Cabo Canaveral, numa referência à base de lançamento de foguetes dos
Estados Unidos. De lá, os governos brasileiros lançam planos e programas para
resolver problemas, e de lá o ministro Flávio Dino lançou o Enfoc, ou Programa
Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas. Com um toque de
atualidade, o Enfoc tem eixos, e são cinco, todos genéricos. Há dias, o
secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, disse que “não
existe bala de prata” para a questão da segurança pública brasileira. Santas
palavras.
Há décadas a segurança dos cidadãos é tratada com uma mistura de onipotência, empulhação e demofobia. Ora com a intervenção militar no Rio; ora com o negacionismo de Rui Costa, chefe da Casa Civil de Lula e ex-governador da Bahia; ora com a solidariedade do governador paulista Tarcísio de Freitas diante da matança ocorrida no Guarujá. Rui Costa e Tarcísio de Freitas estão em polos opostos da política nacional, mas falam dialetos semelhantes quando tratam da segurança pública e, sobretudo, da ação de suas polícias militares.
A ação do crime organizado na Amazônia, no
Nordeste ou no Rio de Janeiro e em São Paulo tem a mesma raiz, com folhagens
diferentes. Enfocs ou coisas do gênero não resolverão coisa nenhuma.
Geralmente, resultam na compra de equipamentos futurísticos. Quando dá tudo
errado, o dinheiro da Viúva é colocado em equipamentos que refrescam a vida de
fornecedores. Exemplo disso está nas câmeras individuais para ser usadas por
policiais militares de São Paulo. Foram compradas, mas não são usadas em
operações que resultam em chacinas.
A bandidagem é apenas o galho mais cruel e
vistoso desse problema. Há outros, como a secular autonomia das polícias
militares, que, em alguns estados, avançam sobre as atribuições da Polícia
Civil. No Rio, até a Polícia
Rodoviária Federal se mete em matanças.
A balbúrdia policial dos estados ocorre numa
época em que a Polícia Federal mantém um razoável nível de profissionalismo e
neutralidade.
Pelo andar da carruagem, a segurança pública
será um tema prioritário na agenda política, e a situação da Bahia, com 16 anos
de governos petistas, indica que o rei está de tanga. Não só pelos maus
números, mas também pela arrogância.
Ricardo Cappelli teve atuação exuberante como
interventor na segurança de Brasília depois do 8 de Janeiro. Quando ele diz que
não há bala de prata para esse problema, sugere que alguém no governo está
disposto a calçar as sandálias da humildade.
Depois do 8 de Janeiro, numa demonstração da
cegueira oficial, o governo chegou a lançar o balão da criação de uma Guarda
Nacional para guarnecer a capital. Se cinco polícias e três forças armadas não
funcionam, cria-se mais uma unidade. Felizmente, a ideia foi esquecida.
Se os governos abandonarem a prepotência e o
lançamento de programas de nome comprido, começando a fazer o dever de casa e
valorizando bons exemplos nas polícias, a caminhada será longa e áspera, mas
levará a algum lugar.
Uma coisa é certa: repetir o que deu errado
achando que, desta vez, a coisa irá bem é apenas uma forma de autoengano, se
não for pura empulhação.
3 comentários:
Perfeito
Muito bom!
Pois é.
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