Valor Econômico
Um ajuste só pelo lado da receita não será
bem-sucedido, e já há sinais importantes de que essa opção é inviável
A meta do governo federal de zerar o déficit
primário da União em 2024 é vista como uma possibilidade remota, dependendo da
obtenção de um volume de receitas adicionais de R$ 168,5 bilhões, muito
difíceis de serem alcançadas. Para que o alvo seja cumprido, ou pelo menos não
fique tão distante, o governo terá de mirar também no gasto, a principal fonte
de problemas das contas públicas do país. As despesas são muito elevadas e
excessivamente rígidas, marcadas por gastos de baixa eficiência, que pouco ou
nada contribuem para aumentar a capacidade de crescimento do país a taxas mais altas.
Para tentar cumprir a meta de déficit zero, é provável que o governo anuncie um bloqueio de gastos no começo de 2024, recorrendo ao chamado contingenciamento de despesas. Mais do que usar esse expediente, porém, é importante que o Executivo trace uma estratégia para combater estruturalmente a expansão dos gastos obrigatórios e reduzir subsídios.
Um número que deixa claro o volume elevado de
gastos do setor público brasileiro é o tamanho das despesas primárias
(excluindo dispêndios com juros) das três esferas de governo como proporção do
PIB. Em 2023, elas devem atingir 40% do PIB, crescendo em relação aos 38,3% do
PIB de 2022, segundo números do Fundo Monetário Internacional (FMI). É o maior
percentual entre as principais economias das Américas, superando de longe a
média de 29,6% do PIB da América Latina e mesmo os 34,4% do PIB dos EUA e os
38,2% do PIB do Canadá. Os números aparecem no Panorama Econômico Regional para
o Hemisfério Ocidental, divulgado na semana passada.
Entre os gastos obrigatórios, a despesa com
pessoal é a principal candidata a ser enfrentada, após a reforma da
Previdência, aprovada em 2019. Nas contas do FMI, União, Estados e municípios
gastam o equivalente a 12% do PIB com o funcionalismo, um percentual superior à
média de 8% a 9% do PIB de países emergentes e latino-americanos. A diferença
se deve principalmente ao prêmio elevado existente em relação aos salários do
setor privado, mais do que ao número de funcionários públicos, diz o Fundo no
relatório anual sobre a economia brasileira, publicado no fim de agosto.
Segundo o FMI, o número de servidores públicos está na casa de 9% da população
em idade de trabalhar, “em linha com países comparáveis” ao Brasil.
Nesse cenário, o FMI recomenda o ajuste do
aumento dos salários a um ritmo inferior ao do PIB nominal, corrigindo os
vencimentos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por
exemplo, além de sugerir políticas focalizadas de não reposição integral do
número de funcionários que deixam o serviço público ou se aposentam. Essa
combinação poderia poupar até 1% do PIB, estima o FMI, avaliando que economias
adicionais podem ser obtidas por mudanças na progressão de carreiras e nos
serviços, além de alterações nas estruturas salariais.
Ideias como essas, porém, precisam ser
implementadas com cuidado, para que órgãos importantes não sofram com falta de
pessoal, devido à não substituição expressiva de servidores que se aposentam ou
deixam o serviço público. O Ibama, o IBGE e a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) são exemplos de instituições que passam por problemas por insuficiência
de funcionários. Com precauções para evitar esse tipo de armadilha, porém, é
essencial uma reforma administrativa que mire o tamanho de gastos com o funcionalismo
em relação ao PIB, focando especialmente na modernização do serviço público e
na definição de critérios para a avaliação dos servidores.
O novo arcabouço fiscal não foi concebido
para enfrentar o problema do crescimento do gasto, pelo contrário. Foi
desenhado para garantir a expansão contínua das despesas acima da inflação, de
0,6% a 2,5% ao ano, o que exige como contrapartida o salto da arrecadação para
que as metas fiscais sejam atingidas. No entanto, como a meta de zerar o
déficit primário da União em 2024 é quase impossível, o governo terá que lidar
também com o avanço das despesas, para que não seja visto como leniente com a
situação fiscal do país.
Outro grande problema fiscal do Brasil é a
rigidez do Orçamento. Mais de 90% das despesas são obrigatórias, indicando a
baixíssima margem de manobra do governo na condução das contas públicas. No
Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano que vem, a previsão é que esses
gastos correspondam a 91,6% dos dispêndios totais, percentual menor que os
94,3% do projeto de 2023. Especialistas em contas públicas, porém, dizem que há
despesas obrigatórias subestimadas, como as estimadas para os gastos
previdenciários, que podem ser até R$ 20 bilhões superiores às previsões que
aparecem na proposta de Orçamento de 2024. Com isso, o espaço para despesas
discricionárias (aquelas sobre as quais o governo tem controle) tende a ser
menor do que o sugerido no PLOA do ano que vem. O ajuste então tenderá a ser
feito pelo corte de investimentos, como sempre ocorre em momentos de
necessidade de contenção de despesas.
A esta altura, é possível que alguém pergunte
sobre as despesas com juros, de fato muito altas num país como o Brasil. Nos 12
meses até agosto, os gastos com juros nominais da dívida bruta somaram R$ 791,740
bilhões, ou 7,6% do PIB. São números sem dúvida muito elevados. O melhor
caminho para reduzi-los é por meio de uma política fiscal que estabilize e
reduza o endividamento bruto como proporção do PIB ao longo do tempo, o que
passa por enfrentar o incômodo problema da expansão dos gastos obrigatórios.
Não é obviamente fácil, mas é o que pode assegurar juros mais baixos de modo
sustentado, aliviando as despesas financeiras do setor público. Um ajuste só
pelo lado da receita não será bem-sucedido, e já há sinais importantes de que
essa opção é inviável.
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