Valor Econômico
Se vai dar Biden, Trump ou coisa pior, a
fragilidade da política americana para lidar com a situação é evidente
O nível atingido pelos rendimentos dos
Treasuries de prazos mais longos nos meses recentes, assim como a velocidade em
que isso se deu, tem assustado os analistas, participantes do mercado e bancos
centrais.
Com razão.
Com mais razão ainda os governos, pois a alta
do custo da dívida pública adiciona pressão sobre a política fiscal. Aqui a
primeira observação.
As frustrações com a administração Biden, em que pese a natureza progressista e criativa de suas medidas “anti-inflação”, os desdobramentos da pandemia sobre o mercado de trabalho ainda afligem a população com impactos políticos relevantes. Como era esperado, não há como promover uma transição na economia sem que se saiba bem onde se pretende chegar.
Se a promessa de Donald Trump era - e é -
impossível, a de Joe Biden custa caro. Em meados de 2022, o déficit fiscal
americano voltou ao nível pré pandemia (cerca de % 960 bilhões em 12 meses). Em
agosto passado, voltou a US$ 1.954 bilhões. Um trilhão de dólares a mais.
Esse aumento da oferta de títulos públicos
nos EUA se dá em simultâneo com dois outros movimentos relativos à demanda por
esses papéis. Desde logo, o Federal Reserve - Fed, depois de tentar sair do QE
em 2019, recuou e foi levado a ampliar seu balanço comprando enormes volumes de
títulos públicos e privados mesmo antes de o déficit fiscal se agravar com os
gastos e transferências exigidos pela pandemia.
Assim, além de subir os juros básicos, o que
poderia minorar a pressão sobre os rendimentos dos títulos mais longos, começou
a desfazer o QE e a esvaziar seu balanço. Desde que a redução do balanço do Fed
começou, a demanda por títulos públicos caiu em US$ 850 bilhões.
Ademais, os campeões entre os detentores não
americanos da dívida pública americana, Japão e China, reduziram suas posições
líquidas em mais de $ 440 bilhões desde julho de 2021. No período, o total
detido por não americanos subiu apenas $ 78 bilhões. Enquanto japoneses e
chineses diversificam suas posições e saem dos Treasuries, os europeus não
conseguem compensar a mudança de oferta e demanda.
Finalmente, o nível atual dos juros reais de
10 anos remete ao verificado entre 2000 e 2006. Mesmo com as incertezas
políticas e geopolíticas daquele período, a expectativa de que uma economia
mais fraca reduziria a inflação em algum momento manteve os juros reais de 10
anos em torno de 2,5%, perto dos 1,7% atuais.
Mais oferta, menos demanda; a alta dos juros
veio para ficar enquanto as condições assim o exigirem.
Mas será o nível atual dos juros determinante
inevitável de recessão adiante?
A dúvida que parece relevante nessas
condições é referente à capacidade de crescimento da economia americana antes
de 2008 (Grande Crise Financeira) e da pandemia combinada com guerra e nos dias
de hoje. O período em que os juros reais de 10 anos oscilaram entre menos
alguma coisa e 1% corresponde ao QE, à manipulação da curva de juros com vistas
a reduzir sua pressão sobre as condições financeiras.
Se nada relevante mudou, os juros atuais não
deveriam assustar a não ser por seus efeitos sobre os balanços dos bancos e
outras instituições financeiras. O que não é pouco. Mas cabe a torcida para que
os juros longos mais altos terminem por desaquecer a economia, a inflação e os
juros mais curtos. Os riscos financeiro e da recessão, porém, estão no meio do
caminho.
Nessa trilha, entende-se que o Fed não vai
sequer interromper o processo de redução de seu balanço, quanto mais operar a
curva longa de juros.
Se a economia americana perdeu capacidade de
crescimento, no jargão dos economistas, o PIB potencial caiu, e se o pessoal do
Fed comprar essa ideia, os juros curtos vão se manter elevados por mais tempo
ainda. Isto porque o Fomc manterá a taxa básica em terreno suficientemente
contracionista até se convencerem seus membros de que a inflação cedeu a níveis
aceitáveis.
Nos dois casos o Fed está amarrado e o
Tesouro restrito pelos movimentos inconsequentes dos Republicanos.
Senão, vejamos: cabe manter a economia fria
para não acelerar a inflação e aguardar as reformas que vão aumentar a
produtividade e levar a economia ao crescimento (aqui, ironia, muita). Se vai
dar Biden, Trump ou coisa pior, a fragilidade da política americana para lidar
com a situação é evidente.
*José-Francisco L. Gonçalves é professor da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade FEA/USP
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