Folha de S. Paulo
Sob Lula 3 as arenas externas e internas
mudaram; o personagem principal permanece o mesmo
A escolha estratégica de Lula para o
seu terceiro mandato foi delegar poderes no plano da política doméstica e focar
a política externa onde estariam "as frutas fáceis de colher". Como
afirmei aqui. Como evoluiu esta estratégia ao longo de quase um
ano? Há dois aspectos a considerar. O primeiro é que o ambiente internacional
sofreu um duplo choque —a Guerra da Ucrânia e
agora o ataque terrorista do Hamas. O segundo
estava escrito na pedra: a montagem da coalizão legislativa pelo Executivo
hiperminoritário foi marcada por vicissitudes, produzindo uma maioria
congressual frouxamente articulada.
A prioridade estratégica de Lula é entrar para a história como estadista de primeira linha, recuperando sua conspurcada reputação. Mas os benefícios potenciais que resultam do papel da Amazônia na agenda ambiental global —os frutos fáceis de colher— não compensaram os custos reputacionais causados pelas declarações de Lula em relação à Guerra da Ucrânia, e que acabaram levando o governo a voltar atrás na postura que vinha adotando. O que foi reforçado pela posição de lideranças regionais, à frente Boric, ameaçando a liderança ideológica no campo da esquerda. A resposta inicial ao ataque do Hamas foi mais cautelosa, mas o risco é ainda maior. Quem não lembra o episódio do "anão diplomático"?
A retórica esquerdizante na política externa
não é novidade, foi perseguida em Lula 1 e 2. Nela observamos o nexo entre o
plano interno e externo. Cumpre historicamente o papel simbólico de carimbar o
governo como de esquerda. A retórica mitiga os custos cada vez maiores junto a
sua base mais ideológica de alianças com setores ultraconservadores no plano
doméstico. Em Lula 1 e 2 envolveu o PL, identificado
como o partido da Igreja Universal, e o PTB; hoje o chamado centrão.
À semelhança do que ocorreu sob Bolsonaro, os
setores "ideológicos" do governo produziram crises. Vejam-se os
episódios da assessora ministerial e do "funk da saúde". Aos poucos estes setores vão sendo
descartados, como ocorreu com o olavismo após a aliança de Bolsonaro com o
centrão. Os custos deste rapprochement com o mesmo centrão (exceto PL) têm sido
crescentes como ficou claro no afastamento de ministros.
O contraste com o passado é claro: malgrado a
ampla distribuição de cargos no governo, a base não é coesa e o governo acumulou derrotas em
sua pauta legislativa. O processo sinaliza que a delegação da barganha política
no plano doméstico mostrou-se inviável.
A macroestratégia —participar da Grande
Política no plano internacional e delegar no doméstico— está correndo o risco
de malograr. As arenas externas e interna mudaram; o personagem principal
permanece o mesmo.
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