Folha de S. Paulo
Desprovida de maior substância, política se
reduz a um mero teatro para atacar oponentes
A guerra vista pelas redes sociais não é a
mesma guerra narrada pela mídia tradicional. Como aponta Jason
Farago, a enxurrada de imagens fragmentadas que inundam as redes muitas
vezes ignora qualquer cronologia dos acontecimentos e pode ser utilizada para
as mais diversas finalidades políticas.
Em meio a tal emaranhado de "conteúdos", o papel de influenciadores pode ser decisivo. De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores Darian Harff e Desirée Schmuck em 2023, influenciadores podem transmitir notícias de forma mais rápida, didática e compreensível em comparação com o que é veiculado na mídia tradicional. Isso pode afetar positivamente pessoas mais jovens, por exemplo. Afinal, a percepção de possuir maior competência para compreender assuntos distantes e complexos, como uma guerra em um país distante, pode desencadear maior interesse por temas políticos, sobretudo quando há um vínculo mais forte com o influenciador em questão.
Por outro lado, de acordo com um estudo
publicado em 2022 no The International Journal of Press/Politics, a
exposição frequente a influenciadores também aumenta o que denominam como
"percepção simplificada da política", o que pode fazer com que as
pessoas se tornem ainda mais cínicas sobre tais assuntos.
De fato, parte significativa dos brasileiros
interpreta as ações de políticos de diferentes inclinações ideológicas
meramente como "marketing" e "jogo de cena". A ideia de que
existem narrativas políticas que são construídas com única finalidade de
enfraquecer adversários nas redes sociais já é corrente entre pessoas comuns.
Desprovida de maior substância, a política fica reduzida a um mero teatro para
atacar oponentes e fortalecer a própria imagem, inclusive se valendo de guerras
e tragédias humanitárias.
Ao entrevistar moradoras da cidade de
Salvador, Bahia, que votaram em Jair Bolsonaro nos dois turnos em 2018 e 2022,
logo foi possível perceber que, para elas, "Hamas",
"Faixa de Gaza" e "Israel" eram apenas abstrações
desprovidas de qualquer sentido concreto.
Os conteúdos sobre o
conflito a que possuem acesso chegam apenas pelo Instagram de modo
incidental, por meio de perfis como Hugo Gloss e Jojo Todynho. Em seus relatos
sobre a situação, vídeos de pessoas desesperadas querendo sair de um local
qualquer se misturam à notícia de um cantor americano que havia conseguido
escapar da guerra e mensagens com pedidos de oração pelas vítimas. A despeito
de ignorar nomes, eventos e cronologias, uma delas, sintetizou: "muito
triste o que está acontecendo lá".
Após assistirem a um vídeo de Eduardo
Bolsonaro condenando Lula e o PT por sua conexão com o Hamas, muito convictas,
todas afirmaram que, de fato, Lula e o PT são associados ao terrorismo.
Inclusive, em sua visão, o presidente e o partido seriam, eles próprios,
terroristas.
Logo depois, ao ver uma foto de Lula
segurando uma camisa de futebol com o escrito "Palestina" acompanhada
da legenda "Lula e Hamas: uma dupla de ataque matadora", uma delas
afirmou "essa imagem sintetiza tudo aquilo que eu tenho convicção sobre
Lula". Em ato contínuo, desabafou sobre o desespero de pessoas
desempregadas que teriam sido descadastradas de forma arbitrária do CadÚnico em
sua cidade. Em sua percepção, Lula não se importaria de verdade com as pessoas,
tudo seria jogo de cena, para melhorar sua própria imagem, com o que as demais
entrevistadas concordaram.
Ao final da conversa, uma delas disse que
certamente o PT usaria o conflito para atacar Bolsonaro de alguma forma. Outra
indagou: "mas o que é mesmo o Hamas?".
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