O Globo
Por conta do Dia da Consciência Negra (20),
em novembro celebramos a memória afro-brasileira e refletimos sobre a ainda
brutal desigualdade racial no Brasil. As iniciativas desse mês são um chamado à
ação constante, que não devem se restringir a uma comemoração. Existem desafios
urgentes, e a responsabilidade central cabe ao setor público, mas é também do
setor privado.
No segundo caso, uma boa notícia é o fortalecimento de iniciativas que buscam conscientizar e fomentar a equidade racial nas empresas. Foi realizada, por exemplo, a 2ª Conferência Empresarial ESG Racial, promovida pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que conta hoje com 63 empresas signatárias. Ela desenvolve esforços como o Índice ESG de Equidade Racial, a partir do qual é possível analisar o desequilíbrio racial nas empresas, avaliar ações afirmativas e mensurar investimentos direcionados à equidade racial.
Evento similar foi o Fórum Internacional de Equidade Racial Empresarial, promovido
pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Essa iniciativa elaborou
outro Índice de Equidade Racial e se esforça para ampliar a inclusão de negros.
Outras agendas foram a Expo
Favela Innovation Brasil, voltada para o empreendedorismo negro
e valorizando a favela como espaço de potência e criatividade e o Fórum Pacto
das Pretas, que busca ampliar a participação de mulheres negras em espaços de
decisão.
A ação das empresas em prol da equidade
racial é fundamental, entre outros motivos, pois as evidências mostram que,
mesmo quando se formam em patamar igual ao de brancos, jovens negros apresentam
mais obstáculos de inserção profissional. Isso ocorre não apenas pela
discriminação, mas, também, devido às condições de ingresso no mercado de
trabalho ainda serem muito determinadas pela rede de relações sociais.
A experiência das cotas mostrou que é
possível superar preconceitos e caminhar na democratização do ensino superior.
Precisamos de um movimento similar no mundo corporativo, ampliando ações
afirmativas a partir da reflexão sobre a intencionalidade das iniciativas de
diversidade e inclusão promovidas pelas empresas, para que se conectem a uma
perspectiva de transformação estrutural da sociedade.
Vale lembrar, porém, que a luta do movimento
negro é histórica. Entre marcos recentes, destacam-se a fundação, em 1978, do
Movimento Negro Unificado, e a criação da Coalizão Negra por Direitos, em 2019.
Também há mais de 30 anos diversas organizações têm promovido a agenda da
equidade racial, como, entre outros, Ceap, Ceert, Criola, Geledés, Ilê Aiyê,
IPCN, Maria Mulher, Soweto e Steve Biko.
Essa luta resultou, na esfera pública, em
diversos avanços. Recentemente, temos as já citadas cotas em universidades
públicas, mas também as leis 7.716, de 1989, que tornou crime o racismo; a
10.639, de 2003, que incluiu a História e Cultura Afro-Brasileira nos
currículos oficiais; ou a 12.288, de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade
Racial. Todas foram e seguem extremamente relevantes, mas — como não cansa de
sublinhar o movimento negro — ainda não fomos capazes de alterar
significativamente o quadro de desigualdade racial no Brasil.
O fato é que não podemos mais nos contentar
com avanços insuficientes, tanto na esfera pública quanto na privada. Após a
escravidão no país, a atitude preponderante das elites foi deixar a população
negra à própria sorte, sem criar as condições de acesso aos mesmos direitos e
oportunidades que o restante da população. Ao projetar o futuro do país,
devemos reconhecer e enfrentar nossas desigualdades, mas temos de estar atentos
para evitar a produção de um outro padrão de desigualdade com interdição na distribuição
de ativos relevantes, onde os negros de amanhã, apesar de mais incluídos,
tenham acesso restrito às dinâmicas criativas da inteligência artificial, à
participação em instâncias de poder e decisão, aos postos de trabalho com alto
valor agregado ou à justiça climática, por exemplo.
Não podemos nos satisfazer com uma mobilidade social de “baixa intensidade” que atualize os traços institucionais do racismo e naturalize, em outras bases, a desigualdade racial. É preciso adotar medidas que promovam uma inclusão significativa e reconfigurem a ambição do arranjo social do Brasil — um arranjo social engajador, produtivo, criativo e dinâmico para todos, para negros e brancos. Ao estabelecer as bases de uma agenda intencionalmente antirracista, podemos dar passos firmes para o reconhecimento e a reparação do racismo e, em simultâneo, atualizar o projeto de uma sociedade democrática e contemporânea, com oportunidades iguais e efetivas para todos.
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