Valor Econômico
Orçamento impositivo não combina com sistema
eleitoral proporcional
Na semana passada, discutindo a recente obra
de Rodrigo de Oliveira Faria (Emendas Parlamentares e o Processo Orçamentário
no Presidencialismo de Coalizão) argumentei que o maior controle de deputados e
senadores sobre o orçamento altera radicalmente o jogo da política no Brasil.
A execução obrigatória de um montante cada
vez maior de emendas parlamentares tem implicações significativas sobre a
governabilidade, a eficiência do gasto público e a propensão a novos casos de
corrupção.
O fortalecimento do protagonismo do Legislativo sobre a aplicação do dinheiro público tem justificativas plausíveis. Práticas distorcidas, porém, tendem a levar a resultados bastante distantes das boas intenções iniciais.
Durante muito tempo os presidentes da
República valeram-se da prerrogativa de ter a palavra final sobre a execução do
orçamento para chantagear parlamentares. Embora deputados e senadores alocassem
recursos para atender a seu eleitorado, o governo só autorizava os pagamentos
depois que votassem a favor dos projetos de seu interesse.
Sob esse prisma, a promulgação das mudanças
constitucionais que determinaram a execução impositiva de emendas parlamentares
atende a uma justa reivindicação de se obter um melhor equilíbrio de forças.
Em seu livro, Faria recorda o discurso do
ex-deputado Henrique Eduardo Alves, autor da PEC que sacramentou a
impositividade das emendas individuais: “Quando eu ia despachar as emendas do
meu Estado, vinha o constrangimento: dez, doze, quinze deputados [esperando]
para serem atendidos por um funcionário de Ministério que ia dizer ‘sim’ ou
‘não’. Isso é uma falta de respeito ao parlamentar e ao Legislativo!”
Mas ao garantirem a aplicação de recursos em
suas bases, os parlamentares ficaram menos dependentes do Executivo, e assim
tornou-se muito mais difícil manter uma base estável no Congresso para
governar.
A elevação dos recursos para as emendas
também é justificada pelo argumento de que os deputados conhecem melhor a
realidade de suas bases eleitorais e têm melhores condições de atender as
demandas. O problema é que há uma dissonância entre o sistema eleitoral e a
distribuição de recursos públicos via emendas.
No Brasil, os deputados são eleitos conforme
o desempenho do seu partido e de sua votação individual em todo o Estado. Dessa
forma, embora alguns efetivamente tenham seus votos concentrados numa
determinada área, outros têm seus votos espalhados pelo território porque são
eleitos em função de religião, defesa de uma causa ou categoria profissional.
Em função de nosso sistema proporcional de
lista aberta (essa é a classificação técnica), temos nos Estados regiões que
elegem mais de um deputado, enquanto outras não têm representante no Congresso.
Faz toda a diferença sobre a eficiência do sistema de emendas, pois algumas
áreas são agraciadas com muitos recursos (destinados por vários parlamentares)
e outras se tornam desertos orçamentários.
A única forma de corrigir essa distorção
seria migrar para um sistema com base distrital. Nesse caso, o parlamentar
seria eleito por uma região bem definida e aí sim faria sentido a elevação das
emendas impositivas.
O voto distrital também aumentaria o controle
da população no processo: se o deputado levasse recursos para áreas que não
fossem vistas como prioritárias pela maioria dos eleitores da sua região
(exemplo: caminhões de lixo, quando a demanda maior seria por educação de
qualidade) ele seria punido pelo voto nas eleições seguintes.
Por fim, há a questão da corrupção. Numa
citação também destacada no livro de Faria, o cientista político americano
David Samuels levantou uma hipótese sobre nossas disputas orçamentárias ainda
nos anos 1990: “deputados não negociam orçamento em busca de votos, eles usam o
orçamento em troca de dinheiro”.
O argumento do precursor das pesquisas sobre
as relações entre dinheiro, eleições e poder é que os parlamentares brasileiros
usam o orçamento para gerar obras e contratações que, mediante licitações
fraudulentas, abastecerão o financiamento de suas campanhas eleitorais.
Num contexto em que as doações de empresas
foram proibidas e a abundância do fundão eleitoral faz com que todos os
candidatos bem conectados com as elites partidárias recebam o máximo permitido
pela Justiça Eleitoral, é bem razoável imaginar que as obras e compras públicas
estimuladas pelas emendas estejam alimentando um pujante mercado de
superfaturamento de contratações e caixa dois.
A ampliação das emendas impositivas abre um
novo capítulo no presidencialismo de coalizão. Para minimizar os efeitos
negativos gerados pelo agravamento do “dilema institucional brasileiro” é
necessário mais do que articulação política para evitar crises ou a atuação dos
órgãos de controle para combater a corrupção.
Para alinhar os interesses dos parlamentares
com as necessidades da população, é preciso repensar as regras de disputa
eleitoral e o sistema de financiamento de campanhas.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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