Revista IstoÉ
Há 60 anos, a sociedade também estava rachada e a direita crescia. Mas, ao contrário do momento atual, a democracia se fortalecia
Mal o ano começou, dois eventos bombásticos mostraram as fortes emoções que devem sacudir o planeta em 2024. O ataque dos militares americanos e britânicos contra o grupo terrorista Houthi no Mar Vermelho confirma que o conflito israelense em Gaza começa a se espalhar para o Oriente Médio, o que, ao lado da guerra na Ucrânia, ameaça a economia mundial. Em Davos, os líderes mundiais apostam em desaceleração nos próximos meses. Nos EUA, a vitória acachapante de Donald Trump nas prévias de Iowa confirma que ele será o candidato republicano e provavelmente voltará à Presidência do país.
Este ano eleitoral nos EUA será, tudo indica,
uma reedição de 1968. Naquela época, a Guerra do Vietnã incendiava as
universidades e a sociedade estava em pé de guerra por causa da lei de direitos
civis, que garantiram a integração e os direitos dos negros. Martin Luther King
e Robert Kennedy foram assassinados, enquanto os democratas sucumbiram por
brigas internas e pela a impopularidade de Lyndon Johnson.
A vitória de Richard Nixon marcou o início da
nova direita que ameaçou a democracia com Watergate, triunfou com Ronald Reagan
e desembocou em Donald Trump.
Em 2024, a polarização racha novamente os
EUA, mas o momento atual parece ainda mais grave que há 60 anos. A Suprema
Corte pode referendar o avanço autoritário do trumpismo, envergando a
democracia mais forte do planeta — ao invés de garanti-la, como aconteceu nos
anos 1970. A volta do isolacionismo e do protecionismo, assim como o apoio
de Donald Trump a ditadores, no cenário que se desenha, tem o potencial nefasto
de enfraquecer democracias pelo mundo. A China, maior rival dos EUA, está na
grande corrida armamentista do pós-Segunda Guerra.
Os ecos de 1968, porém, mostram que nem tudo
está perdido: aquele período conturbado permitiu uma revolução comportamental e
uma explosão criativa nas artes. Por outro lado, eles servem de alerta.
A renovação intelectual construída desde então sobre os escombros do comunismo evoluiu para a ideologia identitária, divisiva e autoritária, que alimenta um novo segregacionismo. Naquela época, a imprensa se fortaleceu. Agora, as redes sociais armam os populistas. Nova Guerra Fria, conflitos mundiais, democracia ameaçada e crise climática inédita: não há nostalgia que resista ao arriscado mundo novo que este ano descortina.
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