Folha de S. Paulo
Denunciar preconceito onde não há é sinal de
ressentimento pernicioso aos movimentos sociais e ao debate público
Ser uma vítima de opressão gera curtidas nas
redes sociais. Não me refiro a opressões reais, que precisam ser denunciadas,
mas às imaginárias. De modo consciente ou não, situações muitas vezes banais,
que nada têm de racismo, machismo ou homofobia,
adquirem magicamente alguma dessas pechas.
Trata-se de um fenômeno pernicioso, que pode gerar não apenas injustiças, como cancelamentos e linchamentos virtuais, mas distorcer o debate público sobre o preconceito através de um moralismo tacanho.
Entre os episódios mais recentes, um ator da
Globo postou um vídeo reclamando de ter sido parado e obrigado a tirar os
sapatos antes de embarcar em um voo. O motivo seria a cor da sua pele. Em outro
caso, uma cantora apontou racismo na mesma situação, dizendo inclusive
que agentes
revistaram seu cabelo.
A opressão fantasiosa se caracteriza pelo
fato notório de que inspeções individuais aleatórias fazem parte do protocolo
de segurança de aeroportos pelo mundo, e qualquer um que tenha andado de avião
já viu pessoas brancas sendo revistadas. Ademais, a Infraero informou
que as imagens das câmeras de segurança mostram que não houve revista nos
cabelos da cantora.
A consequência mais óbvia do fenômeno é o
enfraquecimento da luta contra o preconceito, que passa a ser visto com
ceticismo em situações nas quais ele de fato ocorre.
A outra é a valorização do ressentimento
nietzschiano, que fomenta e recria emoções
negativas. Promove-se a fraqueza como se força fosse.
A moral do ressentimento atua como vingança
imaginária, que divide o social entre bons e maus. Tal mecanismo exclui
nuances: o bom sou eu, eu e meu grupo, e tudo o mais que nos seja externo é
mau. E passa-se a procurar o mau em qualquer lugar. Se a diferença é tachada
como maldade, finda-se o debate público.
A internet intensifica esse estímulo
moralista à fragilidade, mas os movimentos sociais precisam amadurecer. Afinal,
quem tem amigo ou inimigo imaginário é criança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário