Valor Econômico
Há um cenário internacional que longe está de
ser favorável para as economias emergentes
Os desafios para a economia brasileira em
2024 são enormes. Não se trata de pessimismo fatalista, até porque uma boa
gestão macroeconômica, mesmo em conjuntura adversa, poderia trazer resultados
satisfatórios em termos de crescimento econômico e estabilidade de preços. A
receita do sucesso continua sendo o velho e conhecido “tripé macroeconômico”:
observância do regime de metas para inflação, câmbio flutuante e equilíbrio
fiscal.
No cenário externo, não faltam riscos geopolíticos e macroeconômicos. O conflito no Oriente Médio, com crescentes ramificações, ameaça criar dificuldades logísticas para o comércio internacional, além de efeitos negativos sobre o mercado de energia. Quanto à guerra Rússia-Ucrânia, numa situação de impasse militar, nada indica que esteja próxima a um final satisfatório, o que representa uma permanente ameaça para a economia global.
Além disso, nas principais economias do
mundo, as incertezas se avolumam. Nos EUA, o espectro de uma vitória de Trump
nas eleições de novembro se torna crescentemente real, o que traria de volta à
cena um governo com viés protecionista e antimultilateralista, com possíveis
repercussões negativas sobre o comércio global. Por outro lado, o cenário
macroeconômico norte-americano segue incerto, seja pelas questões fiscais mais
estruturais, seja pelas dificuldades que o Federal Reserve vem encontrando para
desinflacionar a economia. Tudo isso pressagia a manutenção da política
monetária no modo contracionista nos próximos meses.
Adicionalmente, com relação à China, as
perspectivas para 2024 continuam sendo de um crescimento relativamente elevado
(4,5% - 5%), mantendo, contudo, uma tendência declinante devido a razões
estruturais. Por outro lado, a ameaça do recrudescimento do protecionismo pode
prejudicar ainda mais o desempenho chinês nos próximos anos.
Portanto, há um cenário internacional que
longe está de ser favorável para as economias emergentes, muito embora, no caso
particular do Brasil, os impactos desse cenário tendam a ser mitigados pela
excelente situação das contas externas e pelo desempenho positivo das
exportações de commodities. Nesse contexto, existe espaço para que uma gestão
macroeconômica doméstica adequada resulte num desempenho positivo da economia
brasileira, ainda que os ventos externos não nos sejam totalmente favoráveis.
Ocorre que os sinais internos são cada vez
mais preocupantes, no que tange à política econômica. O governo Lula tem sido
uma fonte geradora de incertezas e de riscos que vêm afugentando investidores e
mantendo os prêmios de risco elevados para os ativos brasileiros. Não faltam
exemplos de ações e intenções do governo que chocam com a ideia de um ambiente
favorável aos negócios, sendo abundantes as situações que caracterizam a
postura estatizante e intervencionista do governo.
A tentativa de desmonte do marco regulatório
do saneamento através de uma MP - felizmente afastada pelo Congresso - e de
reestatização da Eletrobrás com recurso ao STF são casos de flagrante viés
estatizante e de desrespeito aos investidores privados. A marcha a ré
empreendida pela atual gestão da Petrobras é
outro exemplo de saudosismo de um passado desastroso que quase levou a empresa
à insolvência. Nem as empresas privadas escapam da sanha intervencionista do
governo. A tentativa de emplacar um ex-ministro da Fazenda petista -
responsável pela maior recessão econômica das últimas décadas - numa cadeira do
Conselho de Administração da Vale seria cômica, não fosse trágica como
sinalização negativa para os investidores privados.
Quanto à gestão macroeconômica, excetuando o
ministro Haddad e sua equipe, não se observa qualquer sinal de preocupação em
relação à situação estrutural crítica das contas públicas brasileiras. Se é
verdade que o arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso afastou no curto prazo o
risco de explosão do endividamento público, continua presente o fato de que o
endividamento seguirá crescendo continuadamente nos próximos anos, a não ser
que houvesse um firme compromisso do governo de gerar superávits fiscais, algo
que, infelizmente, não existe. Ao contrário, Haddad aparece cada vez mais como
alvo de críticas de setores do governo e do PT, por suas tentativas de moderar
a deterioração fiscal, ainda que recorrendo mais a medidas de aumento de
receitas do que de contenção de gastos.
No campo da política monetária, felizmente
respeitou-se a autonomia do Banco Central, após os sucessivos ataques do
próprio Lula à instituição e a seu presidente. Mas a perspectiva de
substituição de Roberto Campos Neto ao final do ano, quando se encerra seu
mandato, segue visto como uma ameaça, pela possibilidade de o governo indicar
um nome pouco comprometido com o regime de metas e com a estabilidade da moeda.
As pressões do BC podem inclusive aumentar se o processo de queda dos juros for
encerrado antes do que vem sendo sinalizado pela Instituição, em razão
principalmente dos efeitos negativos da política fiscal expansionista sobre o
processo desinflacionário.
Em resumo, muito embora a situação externa
não seja a ideal, o desempenho da economia brasileira em 2024 será resultado em
grande medida da qualidade das políticas econômicas domésticas, algo sobre o
que os investidores justificadamente carregam muitas dúvidas.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário