sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Joseph Stiglitz* - A vitória antitruste de Biden

Valor Econômico

Novas diretrizes impõem limites importantes para garantir concorrência

A concorrência é o que faz os mercados funcionarem (quando funcionam como devem). Mas as empresas não gostam de concorrência porque ela tende a reduzir os lucros. Para o empresário típico, cujo objetivo é obter ganhos acima da taxa normal de retorno sobre o capital investido, isso não tem graça. Como observou Adam Smith há 250 anos: “Pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, mesmo para festejos ou diversão, mas [quando o fazem] a conversa termina numa conspiração contra o público ou em alguma trama para elevar preços”.

Há pelo menos 130 anos, o governo dos Estados Unidos tem tentado garantir a concorrência no mercado. Isso, no entanto, tem sido uma batalha constante. As empresas estão sempre a inventar novas maneiras de contornar a concorrência; seus advogados estão sempre a imaginar novos métodos para evitar o alcance da lei; e o governo não tem conseguido acompanhar o ritmo dessas práticas e, muito menos, o dos rápidos avanços da tecnologia.

Dessa forma, agora há evidências avassaladoras sobre o aumento da concentração de poder de mercado nos Estados Unidos. Isso significa lucros maiores para as empresas (muitíssimo acima dos retornos ajustados ao risco), maior concentração de mercado em um setor atrás do outro e um número menor de novos nomes entrando em cada um deles. Os americanos gostam de pensar que têm a economia mais dinâmica já vista pelo mundo, uma que está agora à beira de uma nova era inovadora. Os dados, porém, refutam tais afirmações.

Considere a medida padrão de inovação: a produtividade total dos fatores (PTF), o crescimento da produção acima do que pode ser explicado pelo crescimento em insumos como trabalho e capital. Nos 15 anos anteriores à pandemia da covid-19, o crescimento geral da PTF na economia dos EUA foi de apenas um terço do que havia sido nos 15 anos anteriores. Que “era de inovação” é essa? Para piorar, o aumento do poder de mercado também é um fator-chave que contribui para o crescimento da desigualdade, como argumentei em meu livro “Povo, Poder e Lucro”.

Por sorte, nesta era de notícias desanimadoras intermináveis, houve um acontecimento positivo nesse front. Os esforços do governo do presidente dos EUA, Joe Biden, para sustentar e estimular a concorrência parecem estar dando frutos. Por exemplo, em razão da pressão das autoridades federais antitruste, foi cancelada a fusão de US$ 20 bilhões entre a Adobe e a Figma (uma “aplicação web colaborativa para design de interface”). Além disso, a empresa de biotecnologia Illumina aceitou se separar da GRAIL, depois de a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, na sigla em inglês) argumentar que as operações combinadas “diminuiriam a inovação no mercado dos EUA para testes de detecção precoce de múltiplos cânceres (MCED), aumentando preços e diminuindo as opções e a qualidade dos testes” - uma opinião reafirmada em dezembro pelo Tribunal de Recursos do Quinto Circuito dos EUA.

As novas diretrizes ajudarão as autoridades antitruste a lidar com as grandes plataformas, fontes de grande parte do comportamento anticompetitivo de hoje. Os contínuos altos retornos obtidos pelas plataformas dominantes tornaram-se obscenos

De forma ainda mais significativa, a FTC e o Departamento de Justiça elaboraram diretrizes atualizadas para fusões que demarcam novos limites importantes, solidamente alinhados às tradições legais antitruste dos EUA. Por exemplo, as diretrizes citam a Lei Clayton de 1914, que foi criada para cortar situações anticompetitivas pela raiz, proibindo fusões e aquisições cujos efeitos “podem ser a diminuição substancial da concorrência”. Esse “podem” é crucial, porque nada pode ser previsto com absoluta certeza. Em 2012, era possível ter bastante certeza de que a aquisição do Instagram pelo Facebook reduziria a concorrência. Mas o governo Barack Obama não estava tão atento à concentração de poder de mercado como o governo Biden está.

As novas diretrizes também dão mais ênfase ao “entrincheiramento”, a ideia de que aquisições e fusões podem servir para aprofundar, expandir e prolongar o poder de mercado de uma empresa. Essa mudança implica que a concorrência será vista como um fenômeno dinâmico, como deve ser. Vale destacar que não apenas as fusões horizontais (entre empresas do mesmo setor), mas também as verticais (em que uma empresa adquire um fornecedor ou cliente fundamental) estarão sujeitas a uma maior fiscalização.

Já sabemos há muito que, em condições de concorrência limitada (que é a realidade em muitos setores em vários países), tais fusões podem ter grandes efeitos adversos. No entanto, os “economistas de Chicago”, insistindo que os mercados são naturalmente competitivos, argumentaram que as autoridades antitruste deveriam se concentrar apenas em fusões e aquisições horizontais, e os tribunais, em termos gerais, concordaram. A decisão sobre a Illumina/GRAIL sinaliza que os juízes começam a reconhecer os perigos das fusões verticais.

Na mesma linha, as novas diretrizes ajudarão as autoridades antitruste a lidar com as grandes plataformas, fontes de grande parte do comportamento anticompetitivo de hoje - desde as de cartões de crédito, reservas de empresas aéreas e ingressos de teatro até as de serviços de transporte. (Para fins de transparência: fui testemunha especialista em alguns desses casos). Os contínuos altos retornos obtidos pelas plataformas dominantes tornaram-se obscenos. É especialmente importante cortar o crescimento da dominação de mercado desde o início; a abordagem dinâmica das novas diretrizes pode ser particularmente eficaz.

Todos sofremos com o poder de mercado, pois ele distorce os mercados de maneiras que reduzem a produtividade geral e permitem que as empresas elevem preços, diminuindo assim os padrões de vida. Ao mesmo tempo, a combinação do aumento do poder de mercado e do enfraquecimento do poder dos trabalhadores tem mantido os salários baixos, corroendo ainda mais os padrões de vida.

Smith estava certo: a luta contra o poder de mercado não tem fim. Mas o governo Biden, pelo menos, marcou um ponto para os americanos comuns. Trata-se de mais um feito impressionante em um cenário político extraordinariamente hostil. (Tradução de Sabino Ahumada)

*Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, é professor na Universidade Columbia e vencedor do Prêmio Sidney da Paz de 2018.

2 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito.

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.