O Globo
Sai Flávio Dino, o combativo, entra Ricardo
Lewandowski, o apaziguador
O presidente da República formalizou a
sucessão no Ministério da Justiça (MJ). Sai Flávio Dino,
o combativo, entra Ricardo
Lewandowski, o apaziguador. O que sobra em um, falta em outro. O
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal parece ser o que Luiz Inácio Lula da
Silva deseja para, sem deixar de participar da política de segurança pública,
não fazer do governo federal protagonista — e, por conseguinte, responsável por
todos os problemas de uma área que preocupa imensamente os brasileiros, envolve
atribuições de governadores e não tem solução fácil.
A dupla Dino e Ricardo Cappelli, o secretário executivo com ares de xerife, teve papel fundamental na reação aos atos golpistas de um ano atrás e, logo depois, na transição do Gabinete de Segurança Institucional. Estão inscritos na galeria dos que seguraram a democracia na unha, em que também figuram Lula, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, a ex-presidente do Supremo Rosa Weber, e a primeira-dama, Rosângela (Janja) da Silva, entre outros.
No excepcional documentário “8/1 — A
democracia resiste”, produção de Julia Duailibi e Rafael Norton para a
GloboNews, o próprio chefe do Executivo conta que a mulher foi a primeira
pessoa a rejeitar a operação de Garantia da Lei e da Ordem. Míriam Leitão
contou no GLOBO que Rosa Weber não hesitou em designar Moraes como responsável
pelo inquérito, mesmo diante da desconfiança do presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira.
Dino, futuro ministro do STF, foi homem forte
e solar à frente do MJ. Cappelli, sobretudo a partir da indicação do então
chefe para a Suprema Corte, se apresentou disponível ao embate na segurança
pública, principalmente no Rio de Janeiro. Chamou para si os holofotes, a ponto
de o prefeito Eduardo Paes ter recorrido a ele e à PF numa rede social para
denunciar a tentativa de extorsão da empreiteira encarregada das obras do
Parque Piedade por traficantes de morros próximos. O diálogo digital ignorou os
que têm dever constitucional: o governador Cláudio
Castro, as secretarias de Segurança, Polícia Civil e Polícia Militar.
Foi o capítulo derradeiro de uma autopromoção
que não convenceu o presidente. Lula não só confirmou Lewandowski, como deu ao
futuro ministro autonomia na composição da equipe. O secretário executivo está
para o titular da Justiça como o chefe da Casa Civil está para o inquilino do
Planalto. Substitui o ministro nas ausências, faz interface com o secretariado
e ordena despesas.
— Secretário executivo é uma função de muito
poder, de extrema confiança. Não faz sentido um ministro herdar o vice do
antecessor — diz uma observadora privilegiada das movimentações do poder.
Lewandowski confirma certa tradição
brasileira de ter na pasta juristas de prestígio. Passaram por lá Márcio Thomaz
Bastos, Nelson Jobim, Maurício Corrêa, Célio Borja, Oscar Dias Corrêa, José
Gregori. No Judiciário, ele tem histórico de decisões importantes, caso da
implantação das audiências de custódia. Em 2018, na Segunda Turma do STF, foi
relator da decisão histórica que concedeu habeas corpus coletivo substituindo a
prisão preventiva pela domiciliar para gestantes, lactantes e mães de crianças
de até 12 anos. No voto, citou a situação degradante das penitenciárias
brasileiras. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental das Favelas
— a que proibiu operações policiais injustificadas em favelas do Rio durante a
pandemia, determinou elaboração de plano de redução de letalidade e instalação
de câmeras corporais nos agentes de segurança —, acompanhou o relator,
ministro Edson
Fachin.
Nas organizações da sociedade civil, a
percepção é que Lewandowski, pela influência e pelo conhecimento que tem, pode
fazer boa ponte entre Executivo e Judiciário e promover mudanças (sempre
adiadas) no sistema prisional. Os presídios brasileiros, além de escolas do
crime, são espaços de violações recorrentes dos direitos humanos, assunto que o
futuro ministro valoriza. Horas depois da indicação ao cargo, disse ao GLOBO
que a segurança pública será prioridade absoluta:
— Essa atenção, claro, se fará em absoluto
respeito ao que diz a Constituição Federal, no que concerne à responsabilidade
compartilhada entre os entes federativos.
Fica subentendido que não há intenção de
deixar governadores se esquivarem das próprias responsabilidades. Lewandowski
promete levar adiante políticas públicas desenhadas por Dino. Há um legado
importante na regulação e no controle de armas de fogo e munição, afrouxados
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O MJ anunciou para o mês que vem o protocolo
de uso das câmeras corporais em policiais. Em São Paulo, segundo o Unicef, a
iniciativa reduziu em 76% a letalidade policial em batalhões onde foi
implantada. Há projeto-piloto em andamento com a PM-BA e a PRF-RJ.
A PF, sob o comando de Andrei Passos, que
deve permanecer na função, tem avançado em investigações sobre organizações
criminosas do tráfico internacional de drogas e das milícias, sobretudo no Rio
de Janeiro. Dino, quando assumiu, disse que descobrir mandante e motivação dos
assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em
2018, era questão de honra. Que o sucessor mantenha o compromisso.
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