Endosso de Lula é agressão injusta a Israel
O Globo
Acusação sul-africana por violação da
Convenção do Genocídio é frágil e não condiz com tradição brasileira
Foi lastimável a adesão do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva à petição apresentada pela África do Sul à Corte Internacional de Justiça
(CIJ), em Haia, acusando Israel de ações e omissões de “caráter genocida” na
guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza.
Ao atender ao pedido do embaixador palestino no Brasil, Lula viola a tradição
de equilíbrio da diplomacia brasileira, banaliza uma acusação que só deveria
ser feita com a maior parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais
insidiosa do antissemitismo contemporâneo.
No caso apresentado em Haia, os sul-africanos acusam Israel de ter “falhado ao prevenir genocídio” e ao coibir a “incitação pública ao genocídio”. “Com mais gravidade, Israel se engajou, está engajado e arrisca engajar-se ainda mais em atos genocidas contra o povo palestino em Gaza”, afirma a petição. A acusação é embasada pela contabilidade das mortes na guerra, pela descrição do sofrimento atroz a que tem sido submetida a população palestina e por uma sucessão de declarações de autoridades e personalidades israelenses a que se atribui “intenção genocida”.
Israel não deve estar imune às consequências
jurídicas da campanha contra o Hamas. A devastação de Gaza, a perda irreparável
de vidas inocentes, o sofrimento da população civil, submetida a bombardeios e
privações, devem estar sob escrutínio da comunidade internacional para que se
apurem possíveis crimes de guerra ou violações de direitos humanos. Nada disso
deve ser esquecido, mesmo levando em conta que terroristas usam a população
civil como escudo, ao mesmo tempo que se protegem de forma covarde em túneis
subterrâneos. Mas uma coisa é examinar as condutas de Israel. Outra bem
diferente é falar em “genocídio”.
A palavra foi cunhada justamente para
descrever o crime dos nazistas contra judeus e outras minorias. Foi descrita na
Convenção do Genocídio de 1948 como tipo penal definido por atos cometidos “com
a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou
religioso”. Só indivíduos são julgados por genocídio, jamais um país. A África
do Sul urdiu uma manobra jurídica, acusando Israel de violar a convenção sobre
o tema. O foro internacional que julga genocídio nem é a CIJ, mas o Tribunal Penal
Internacional, que Israel não reconhece.
Nas cortes, é difícil comprovar o “crime dos
crimes”, pois não basta demonstrar culpa, é preciso demonstrar a intenção de
eliminar o grupo. Nesse ponto, a acusação endossada por Lula é fragílima.
Israel sempre afirmou estar em guerra contra o Hamas — um grupo terrorista —,
não contra palestinos, árabes ou muçulmanos. As declarações tresloucadas de
deputados, ministros e personalidades citadas na petição não bastam para
demonstrar intenção do Estado ou de qualquer autoridade. O Exército de Israel
diz adotar cuidados para poupar civis e garantir o fluxo de auxílio
humanitário. Já comprovou o uso de hospitais e escolas como instalações
militares pelo Hamas.
Por tudo isso, as acusações deverão ser
refutadas em seu tempo. Ainda que a CIJ ordene medidas emergenciais, é difícil
haver efeito na guerra. O caso em nada ajudará a luta justa — apoiada pelo
Brasil — em favor de um Estado palestino ao lado de Israel. Sua única
contribuição, ao associar as palavras “genocídio” a Israel, será avivar o
paralelo ofensivo entre nazistas e o Estado judeu, obsessão do antissemitismo
contemporâneo. Com o aval de Lula.
Indicação de Lewandowski expõe contradição
petista sobre Moro
O Globo
Crítica à ida para Ministério da Justiça após
decisões judiciais sobre Lula e PT deveria valer para ambos
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva anunciou ontem Ricardo
Lewandowski, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), como novo
ministro da Justiça. Não houve surpresa. Embora outros nomes
tenham sido cogitados, o favoritismo de Lewandowski era conhecido.
Não se pode dizer que ele não tenha
qualificações ou não atenda aos requisitos do cargo — um dos mais desafiadores
do governo, dada a crise na segurança que fustiga o país. Foi advogado, juiz,
desembargador. Assumiu uma cadeira no STF em 2006, indicado pelo próprio Lula,
permanecendo até abril passado, quando se aposentou perto de completar 75 anos.
Presidiu o Supremo entre 2014 e 2016 e ocupou
também a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2010 a 2012.
Ultimamente, integrava o conselho jurídico da Confederação Nacional da
Indústria (CNI) e o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Tampouco se
pode afirmar que, em sua passagem pelo Supremo, tenha se comportado de forma
diferente do que manda a Constituição ou que tenha deixado de julgar os
processos de forma imparcial.
Mas é inegável que a escolha revela certa
incoerência. Se Lewandowski — revisor do caso do mensalão e autor de inúmeros
votos favoráveis a Lula e ao PT no Supremo — pode integrar o ministério sem que
isso seja prova de suspeição, qual o sentido de fazer tal acusação ao
ex-juiz Sergio Moro quando
foi para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro? Como
enfatizou Merval Pereira em sua coluna no GLOBO, embora tratada com
naturalidade por petistas e aliados, a escolha de Lewandowski para a pasta se
dá em contexto similar ao da ida de Moro para a equipe de Bolsonaro depois de
julgar processos de Lula na Operação Lava-Jato.
Na época, petistas interpretaram a decisão
como confissão de que Moro atuara na Lava-Jato para beneficiar Bolsonaro,
acusação sem muito sentido, pois era impossível prever o que aconteceria nas
eleições anos ou meses depois. Moro dizia que o cargo trazia uma oportunidade
para conter os excessos do então presidente na questão das armas e dos direitos
humanos, além de oferecer espaço para acelerar a política de combate à
corrupção. Como a História mostrou, a associação com Bolsonaro se revelaria um
erro político. Sem conseguir implantar suas ideias, Moro pediu demissão com
pouco mais de um ano no cargo, em meio a uma crise gerada pela tentativa de
interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.
Hoje, sabe-se que Moro cometeu muitos erros
na Lava-Jato — erros que acabaram levando à declaração de sua suspeição e à
anulação dos processos que corriam na 13ª Vara de Curitiba. Mas os petistas não
podem mais apontar a ida para o governo Bolsonaro como evidência da atuação
política de Moro como juiz; do contrário teriam de fazer o mesmo com
Lewandowski. Esse argumento deixa agora de existir.
Inflação caiu, mas não será fácil atingir a
meta de 3%
Valor Econômico
É importante para a queda da inflação que o
governo não queira que o PIB cresça com anabolizantes, que busque o corte de
gastos e reduza para perto de zero o déficit público
A inflação brasileira encerrou o ano passado
em 4,62%, um grande resultado quando se considera que as chances de que ela
ficasse abaixo do teto da meta (4,75%) eram nulas ou desprezíveis ainda em
meados do ano. Falta um bom caminho para que ela se coloque ao redor da meta de
3% e este percurso será talvez o mais demorado e difícil. Desde o início do
sistema de metas, em 2000, a inflação só ficou próxima ou perto de 3% em 2006
(3,14%) e 2017 (2,95%). O IPCA de dezembro, de 0,56%, foi um pouco maior do que
previam os analistas e indicou que a inflação dos serviços subjacentes, que
mais reagem ao ciclo econômico, voltou a subir, após quedas importantes.
As dificuldades para que a inflação se
aproxime da meta têm menos a ver com a intensidade da política monetária
(13,75%, o pico da Selic, foi uma taxa alta o bastante para isso) e mais com a
intensidade da política fiscal expansionista praticada. A PEC da Transição
permitiu um aumento de gastos públicos de R$ 169 bilhões. O governo central
terá um déficit maior que esse, estimado na quinta revisão de receitas e
despesas em R$ 177 bilhões, mas o resultado provavelmente ultrapassará R$ 200
bilhões.
A economia deve ter crescido 3% no ano
passado com os estímulos fiscais, que amorteceram parte dos efeitos esperados
dos juros altos. O governo quitou em dezembro R$ 95 bilhões em precatórios como
despesas fora da meta, de acordo com orientação do Supremo Tribunal Federal,
que o autorizou a fazê-lo dessa forma (fora da meta do novo regime fiscal) até
2025. Os recursos dos precatórios correspondem a quase 1% do PIB e parte deles
movimentará os negócios. Depois de o salário mínimo aumentar 8,9% em 2023, o
reajuste em 2024 foi de 6,9%. O aumento de R$ 92 para 35 milhões de
trabalhadores que recebem até um mínimo trará à economia R$ 38,6 bilhões no
ano, ou 0,3% do PIB. Além disso, no novo regime fiscal, o orçamento foi feito
com reajuste de despesas pelo IPCA de doze meses encerrados em junho, que foi
de 3,6%. Como o número final de 2023 foi de 4,62%, o governo poderá contar com
a diferença, que incidirá sobre as despesas primárias autorizadas de R$ 2,065
trilhões. São mais cerca de R$ 21 bilhões.
Independentemente de estímulos fiscais, os
principais protagonistas da redução da inflação no ano passado podem não
desempenhar esse papel agora. A inflação de alimentos e bebidas despencou de
11,64% em 2022 para 1,03% em 2023, com deflação de 0,5% em alimentação fora do
domicílio (13,2% no ano anterior). Artigos de residência e vestuário também
deram colaboração significativa, mas todos esses itens voltaram a subir entre
novembro e dezembro.
Com queda relevante, o setor de serviços
evoluiu 6,22%, ante 8,91% no ano anterior. Ainda assim, é uma inflação alta,
como a de transportes (7,14%), saúde e cuidados pessoais (6,58%) e educação
(8,24%). Serviços subjacentes, cujos preços seguem mais de perto a temperatura
da economia, terminaram o ano passado em 4,82%. Em dezembro, porém, voltaram a
aumentar. Na média móvel trimestral, anualizada e dessazonalizada, a variação
de preços do setor avançou de 3,9% em novembro para 4,1% no mês passado, segundo
cálculo dos economistas do Santander. A média dos cinco núcleos de inflação
acompanhadas pelo BC, que excluem de diferentes formas os itens de preços mais
voláteis, terminou o ano em 4,34% (MCM Consultoria). Mas a média dos núcleos
mensais apresentaram alta entre os dois últimos meses do ano.
Os preços administrados subiram 9,12% em
2023, puxados pela gasolina (12%) e energia (9,5%). Esses preços terão de
recuar muito agora, para 4,1% no fim do ano, para que a projeção do BC sobre a
trajetória de inflação encerre 2024 em 3,2%. As cotações do petróleo caíram de
US$ 101 o barril em 2022 para US$ 83 no ano passado e, embora oscilantes, têm
girado em torno dos US$ 80. Tanto as ações institucionais da Opep, com corte de
produção, querem elevá-las, como as ações políticas dos houthis, aliados do Irã,
podem acabar forçando-as a isso com seus ataques e sequestros de petroleiros no
Mar Vermelho. Os preços da energia tendem a subir no Brasil independentemente
da oferta, pelo peso crescente do subsídios que vão para a conta de luz - são
R$ 37 bilhões este ano. Sobra energia no país, mas os preços nunca caem.
Em dezembro, a inflação foi 0,6 ponto superior à previsão de curto prazo do BC. Em março, supondo que acerte as projeções do primeiro trimestre, estaria em ainda acima de 4%, se nada mudar. Mas pode haver surpresas positivas, como ocorreu no quarto trimestre. O real se mantém valorizado, as cotações das commodities estão comportadas. A previsão de perdas de 11 milhões de toneladas em uma safra recorde pode não castigar muito os preços dos alimentos. O IPCA de fevereiro e o de março foram muito altos e ganhos do poder de compra da moeda na saída de uma inflação alta para outra baixa não se repetirão este ano. A economia deve esfriar, o que reduz a pressão doméstica sobre os preços. É importante para a queda da inflação que o governo não queira que o PIB cresça com anabolizantes, que busque o corte de gastos e reduza para perto de zero o déficit público.
Viés na diplomacia
Folha de S. Paulo
Brasil erra ao deixar equidistância na
guerra; saída de Netanyahu seria melhor
Relatório recente da Human Rights Watch
aponta a oscilação de líderes mundiais quando se trata de condenar violações
dos direitos humanos. Eles tendem a fazer vista grossa quando os perpetradores
são governos aliados e a carregar nas tintas contra adversários.
Um dos criticados pela organização global, o
brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acaba de oferecer novo subsídio para
a tese.
Lula apoiou a denúncia da África do Sul
contra Israel na Corte Internacional de Justiça da ONU por alegado genocídio. O
documento em que o endosso foi anunciado não explica por que o Brasil considera
estar havendo crime com essa caracterização na Faixa de Gaza.
Genocídio é a ação deliberada para exterminar
um grupo. Genocidas foram os nazistas contra judeus e outras minorias na 2ª
Guerra Mundial, o Império Otomano contra armênios em 1915 e 1916 e hutus contra
tutsis em Ruanda em 1994.
A reação de Israel ao massacre, estupro e
sequestro de civis cometido por terroristas do Hamas merece críticas, mas não
justifica o abandono da equidistância tradicionalmente abraçada pelo Brasil.
Guerrilheiros escondem-se por trás de alvos
urbanos e nos tentaculares túneis do território. O exercício do direito de
defesa por Israel nesse cenário causaria necessariamente danos a não
combatentes.
Uma avaliação isenta da contraofensiva
israelense deveria dar-se à luz das leis de guerra e do objetivo da operação de
derrotar o Hamas.
Israel bloqueou a chegada de ajuda
humanitária nos primeiros dias do contra-ataque. Agora, três meses depois, o
grau e a extensão da destruição provocada pelos bombardeios e pela invasão
israelense indicam que é hora de cessar fogo.
Não é à toa que a opinião pública
internacional, de início solidária à reação israelense, vai se tornando cada
vez mais refratária à continuidade da operação militar.
O premiê Binyamin Netanyahu talvez prefira
adiar a decisão porque sabe que terá de prestar contas à sociedade israelense
uma vez concluída a campanha militar. Além de ser o pivô da radicalização
religiosa da política em seu país, ele chefia o gabinete humilhado pela
penetração desimpedida de milhares de terroristas em Israel.
A condução da fase da política, que
inevitavelmente sucederá a da guerra, será melhor sem Netanyahu no governo. Da
mesma forma, os árabes terão de produzir uma alternativa de governança ao Hamas
se quiserem construir uma saída promissora para a estabilização.
A comunidade internacional e o Brasil
ajudarão nessa transição se deixarem de lado a parcialidade e os termos e
instrumentos impróprios para lidar com o problema.
Pacificação meritória
Folha de S. Paulo
Normalização das relações civis-militares
avança com Múcio na pasta da Defesa
Desde que foi escolhido por Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) para ocupar a espinhosa pasta da Defesa, em dezembro de 2022,
José Múcio viu-se com a missão de pacificar as relações entre o estamento
militar e o poder civil.
Não seria fácil. Durante os quatro anos de
Jair Bolsonaro (PL) no Planalto, os fardados retornaram de forma estrondosa ao
centro do palco da vida política brasileira. Aderiram ao antes malvisto capitão
indisciplinado e auferiram vantagens, como na reforma previdenciária e de
carreira de 2019.
Ocuparam a máquina de forma indevida, como
provou a traumática passagem do general Eduardo Pazuello pela Saúde na
pandemia.
Quando se recusaram a rezar a cartilha
política do presidente, Bolsonaro sequestrou a cúpula militar ao demitir
ministro e comandantes de Força, algo inédito. O ex-presidente usou a imagem
dos fardados para lustrar seus planos golpistas.
Bolsonaro perdeu a eleição e os generais nada
fizeram para impedir a concentração de simpatizantes do golpismo em frente a
quartéis.
Múcio teve sucesso em costurar a sucessão nas
Forças, ocorrida ainda na transição de governo, só não conseguindo entendimento
com o insubordinado chefe da Marinha.
O 8 de janeiro quase pôs tudo a perder, dada
a desconfiança de Lula quanto às intenções militares, acentuada por omissões e
mesmo a presença de fardados entre os arruaceiros. O ministro se viu
obrigado a entregar a cabeça do comandante do Exército no 21º dia de governo, e
a partir daí jogou xadrez.
Para cada movimento de enquadramento dos
militares, como a tentativa do PT de avançar projeto para mudar as atribuições
constitucionais das Forças, Múcio atuou
com a moderação que lhe trouxe fama em anos no Congresso e no
Tribunal de Contas da União.
Tratou de aproximar Lula dos comandantes e
tornou a pasta tribuna para as demandas cotidianas dos fardados, como por
verbas. Exatamente como o petista fizera nos seus mandatos anteriores.
A estratégia conciliatória não tem aprovação
geral, sobretudo em razão da impunidade predominante. Na cerimônia que marcou a
passagem de um ano dos ataques aos Poderes, Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal, fez crítica aberta aos apaziguadores.
Note-se, de todo modo, que os três comandantes das Forças estavam presentes ao ato. Múcio reverteu o clima de apreensão constante com os desígnios dos altos oficiais, recolocando-os nos quartéis. Para um primeiro ano, não é pouco.
Diplomacia estouvada
O Estado de S. Paulo
Lula quer posar de estadista e de humanista,
mas, ao endossar formalmente uma acusação infundada de genocídio contra Israel,
revela que ainda lhe falta o básico: prudência
O governo brasileiro tomou a infeliz decisão
de endossar a denúncia por “genocídio” contra Israel apresentada à Corte
Internacional de Justiça (CIJ) pela África do Sul no fim de dezembro. Pouco
importa se esse alinhamento decorre de ignorância, cálculo político ou má-fé do
presidente Lula da Silva e dos acólitos que o orientam na condução da política
externa. O fato é que o Brasil só tem a perder se imiscuindo dessa forma
lamentável numa questão muitíssimo complexa – e para a qual não está
devidamente apetrechado para exercer qualquer influência relevante.
Em primeiro lugar, é preciso ter claro que o
caso apresentado pela África do Sul não leva em conta o fato de que Israel foi
atacado por um grupo terrorista cuja missão declarada é exterminar os judeus.
Ademais, identifica intenções genocidas em declarações de autoridades
israelenses, o que é obviamente insuficiente para caracterizar o crime. Ou
seja, não tem bases fáticas e jurídicas sólidas o bastante para instruir uma
acusação séria de “genocídio”, nada menos, perante a CIJ. É verdade que Israel,
ora governado pela coalizão mais extremista de sua história, tem cometido atos
que podem certamente se caracterizar como crimes de guerra em Gaza. Daí a
acusar o país de cometer “genocídio” contra os palestinos, no entanto, vai uma
distância enorme.
Ademais, não é trivial acusar de “genocídio”
um país cuja existência se legitimou justamente por causa da tentativa de
genocídio do povo judeu na Europa por parte da Alemanha nazista. Também é
particularmente grave acusar Israel de “genocídio” sem considerar que o país só
atacou Gaza depois de ter sofrido um massacre inaudito por parte de um grupo
palestino que defende a dizimação do povo judeu.
A tipificação do crime de genocídio, aliás,
foi a resposta da comunidade internacional à dimensão extraordinária do
Holocausto. Ou seja: não é qualquer crime de guerra que pode ser caracterizado
como genocídio. Por esse motivo, os chefes de Estado e de governo devem ser
extremamente cautelosos ao imputar a alguém ou a algum país a prática de
genocídio, sob pena não só de cometer injustiças, mas de banalizar o próprio
crime.
Lula da Silva, como é notório desde sempre,
carece dessa prudência. Ciente de que a acusação de “genocídio” contra Israel é
voz corrente entre a militância esquerdista no Brasil e no mundo, Lula adere ao
exagero retórico na expectativa de parecer um humanista, sem se preocupar muito
com as consequências práticas de seus atos e palavras em relação aos interesses
do Brasil que ele governa.
Se havia algo que o Brasil poderia ganhar ao
se envolver no conflito no Oriente Médio era a confiança tanto de israelenses
como de palestinos, dada a tradição de equilíbrio do País nas suas relações
internacionais, para se apresentar como um dos possíveis mediadores do
conflito. Agora, nem isso. Ao posicionar o Brasil ao lado de um dos contendores
de forma escancarada, Lula mina essa confiança, sem que fique claro o que o
Brasil ganha em troca – a não ser, é claro, o aplauso dos ditadores e
autocratas do tal “Sul Global”, bloco liderado por China e Rússia, que se
presta a antagonizar o Ocidente.
Enquanto se dispõe a ser bastante assertivo
na condenação de Israel, contudo, Lula tem sido bastante compreensivo com a
Rússia do ditador russo Vladimir Putin depois que esta, sem qualquer
justificativa, invadiu a Ucrânia e cometeu ali uma série de crimes de guerra.
Tampouco se recorda de qualquer iniciativa de Lula para criticar a repressão
desumana que a China empreende contra a minoria uigur em seu território. Nada
como a solidariedade entre os sócios do “Sul Global”.
Lula vende a ilusão de que é um estadista.
Mas decisões como essa, de apoiar uma acusação infundada de “genocídio” contra
Israel, só revelam que ainda lhe falta o básico para esse reconhecimento: a
cautela diplomática e a firmeza na defesa de princípios humanistas acima de
qualquer interesse político-ideológico.
O ano mais quente
O Estado de S. Paulo
Recorde de temperatura registrado em 2023
pode ser superado neste e nos próximos anos, com eventos extremos, o que exige
eficácia na prevenção e na resposta aos desastres naturais
O ano de 2023 registrou a temperatura média
mais alta desde 1850, primeiro ano em que há dados disponíveis e comparáveis,
segundo informou o Copernicus Climate Change Service, serviço da Comissão
Europeia que monitora as mudanças climáticas na Europa e no mundo. Em todos os
aspectos, trata-se de uma marca alarmante.
Ressalve-se que já se previa um 2023
particularmente quente, uma vez que haveria a combinação dos efeitos já
rotineiros do aquecimento global com a ocorrência do El Niño, fenômeno que
aumenta a temperatura do Pacífico e causa grandes alterações climáticas. Ainda
assim, conforme o Copernicus, nenhum dos grandes centros meteorológicos do
mundo esperava que o ano passado seria tão quente como foi.
O centro de pesquisas europeu concluiu que a
temperatura média do planeta no ano passado superou em 1,48°C a registrada no
período de 1850 a 1900. Nos 12 meses a serem finalizados neste mês ou em
fevereiro, essa diferença deverá ultrapassar 1,5°C. Os dados mostram que 2023
não bateu apenas o recorde anterior, de 2016. Na comparação com o fim do século
19, as temperaturas médias ficaram 1°C mais altas todos os dias. “Os extremos
que nós observamos nos últimos meses dão um dramático testemunho do quão longe
nós estamos agora do clima em que a civilização se desenvolveu”, declarou Carlo
Buontempo, diretor do Copernicus.
Essa não é a primeira constatação científica
do perigo a que a humanidade está exposta. Mas, certamente, está entre as mais
contundentes. Não apenas os graus dos termômetros escalaram em 2023. Houve
também uma redução colossal do gelo marinho da Antártida e temperaturas
recordes nas superfícies dos oceanos. As concentrações de gás carbônico e de
metano na atmosfera bateram marcas históricas no ano e deixaram uma indelével
contribuição para esse quadro climático.
Tão grave quanto a aceleração da temperatura
na Terra nos últimos e nos próximos anos, porém, é a incerteza sobre a
velocidade com que o mundo descartará a energia fóssil e transitará para as
fontes renováveis. Não há outro meio de conter os termômetros.
As fichas estão postas na Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança Climática em Belém do Pará, a COP30. Espera-se de
países ricos e emergentes compromissos mais robustos para evitar que a
temperatura do planeta supere em 1,5°C a registrada no período pré-industrial.
As promessas feitas no âmbito do Acordo de Paris, de 2015, já se mostram muito
aquém do esforço necessário.
Por mais positivos que sejam os resultados
dessa concertação, a humanidade enfrentará tempestades, secas, incêndios,
inundações e nevascas com frequência e intensidade inauditas. Por mais
competentes que sejam os esforços atuais para reduzir a marcha das mudanças
climáticas, certamente o mundo não conseguirá se livrar desses eventos
catastróficos. Enquanto a ciência e a tecnologia dão saltos extraordinários,
desenvolvendo em um ano vacinas que antes levariam décadas para serem
produzidas ou criando sistemas de inteligência artificial que mudarão a face do
mundo, a maioria dos países, inclusive os desenvolvidos, ainda não dispõe de
bons sistemas de prevenção de tragédias climáticas.
É ocioso lembrar, ademais, que a maior parte
das vítimas desses desastres é de populações pobres, cada vez mais
desprotegidas. Os estragos, porém, atingem a todos indiscriminadamente, bem
como aos cofres públicos. Não é preciso esforço para se recordar das vítimas
fatais e dos desabrigados pelas inundações no Rio Grande do Sul em 2023. Ou dos
ribeirinhos da Amazônia, sem meios de sobrevivência ao longo da seca, e dos
paulistanos expostos a apagões a cada temporal.
A ausência de planejamento, diante de
previsões de eventos drásticos, e de protocolos adequados para a proteção, o
resgate e a assistência imediata aos afetados significa, potencialmente, a
perda de vidas. Preparar as cidades e suas populações para um clima mais
inóspito é apenas um dos passos imprescindíveis. O que não se pode é aceitar a
negligência de governos na prevenção e mitigação dessas reações extremas da
natureza.
Vazio petista
O Estado de S. Paulo
A repatriação de Marta Suplicy ao PT mostra a
falta de nomes e relevância do partido em SP
Noves fora o jogo fluido das articulações
partidárias em períodos pré-eleitorais, o retorno da ex-prefeita Marta Suplicy
ao PT e a indicação que será ela a vice na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) à
Prefeitura de São Paulo escancaram algo muito
mais relevante e sombrio do que a euforia lulopetista deu a entender ao
anunciá-la: o esvaziamento do partido no Estado e na cidade em que nasceu, há
mais de 40 anos.
Oficialmente não há grandes razões para
desabonar o entusiasmo do comando do PT, ao tirar tanto do atual prefeito,
Ricardo Nunes (MDB), quanto de uma candidata oposicionista como Tabata Amaral
(PSB) a possibilidade de ter Marta Suplicy como aliada ou parceira de chapa. Só
oficialmente. Na prática, ainda que a escolha possa gerar dividendos
eleitorais, a decisão decorre justamente do estado de terra arrasada de nomes,
projetos e relevância que vive o petismo em São Paulo.
Sem nomes fortes e sem chances, o PT fez
valer o pragmatismo eleitoral. Primeiro, abriu mão da cabeça de chapa numa
eleição-chave, algo inédito para um partido que costuma engolir aliados com a
facilidade de quem acredita nas próprias virtudes acima de todas as coisas.
Ademais, Marta há muito tempo não faz parte do DNA petista, e até esta semana
era auxiliar do principal adversário do partido em São Paulo, o que lhe
ampliava as resistências internas. Com risco de mais um fracasso iminente, o
presidente Lula da Silva passou por cima dos dirigentes paulistanos e recorreu
a um nome que até aqui parecia persona non grata, uma vez que Marta é tida por
muitos dentro do partido como traidora ao desembarcar do PT e do apoio a Dilma
Rousseff durante o impeachment da presidente.
É de um tempo distante a ideia de um PT
nascido, crescido e fortalecido em São Paulo. O partido que foi formalizado em
1980 em evento no Colégio Sion, na região central da capital, hoje se encontra
esvaziado pelas próprias fragilidades na sua terra de origem. Vácuo de nomes
com capacidade de obter votos, desgaste de militantes históricos, saída de cena
de outros (muitos dos quais flagrados em malfeitos), encastelamento da
burocracia, perpetuação de lideranças que inibem a devida oxigenação, baixa
popularidade em regiões periféricas da cidade e uma coleção de derrotas
eleitorais significativas no Estado se somam a um problema ainda mais grave: a
incapacidade de seu líder maior, o presidente Lula da Silva, de abrir espaço
para nomes fortes e independentes.
Desse vício de origem nasce a palidez de nomes, que não se restringe a São Paulo. O partido enfrenta problemas similares no Rio de Janeiro, por exemplo. Mas em São Paulo o PT chegou a eleger 70 prefeitos em 2012, caiu para 8 em 2016 e apenas 4 em 2020. A bancada de deputados estaduais conseguiu crescer em 2022, na esteira da vitória de Lula nas eleições presidenciais. A de federais passou de 8 para 11. Mas, se há uma certeza no partido, é a inexistência de nomes fortes e viáveis a voos mais altos – exceção talvez a Fernando Haddad, embora não se possa dizer que seja exatamente um vitorioso nas ruas, depois de três derrotas consecutivas.
O SUS e a vacina da dengue
Correio Braziliense
O imunizante Qdenga será incorporada ao
Programa Nacional de Imunização a partir de fevereiro e começará a ser
aplicada, gratuitamente, em áreas com maior incidência da doença
No próximo mês, o Ministério da Saúde começa
a oferecer, via Sistema Único de Saúde (SUS), a Qdenga, vacina contra a dengue,
que será incorporada ao Programa Nacional de Imunização(PNI). Embora o Brasil
seja considerado o primeiro país do mundo a garantir o imunizante de forma
gratuita, as doses não serão aplicadas em larga escala — e não será por culpa
das autoridades brasileiras, e, sim, porque a farmacêutica responsável por
produzir a vacina, a Takeda Pharma, não tem capacidade de produção suficiente
para a demanda brasileira.
O ciclo completo de imunização pela vacina
Qdenga é atingido com duas doses, com eficácia geral de 80,2% nos ensaios
clínicos contra a dengue, causada por qualquer sorotipo após 12 meses da
segunda dose. A ideia das autoridades em saúde é iniciar a vacinação a partir
de regiões prioritárias e de um público específico, ou seja, aquelas áreas em
que a incidência da doença é maior. Dados mais recentes, apresentados pelo
Ministério da Saúde, mostram um aumento significativo de casos de dengue — de
15,8%, em 2023: 1,3 milhão de registros em 2022 contra 1,6 milhão no ano
passado.
E, infelizmente, em 2023 foi registrado o
maior número de mortes por dengue em um ano, segundo o painel de monitoramento
das arboviroses do ministério. Até 27 de dezembro, foram confirmadas 1.079
mortes e outras 211 estão em processo de investigação, aguardando os
resultados.
Como se vê, a dengue continua matando, mesmo
com as iniciativas louváveis, como a de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), que colonizaram a bactéria Wolbachia, capaz de neutralizar a
transmissão de doenças em alguns tipos de mosquitos, a exemplo do Aedes
aegypti, que também transmite zika e chikungunya. Introduzida em mosquitos, a
bactéria pode estabelecer novas populações do inseto com Wolbachia, portanto,
sem possibilidade de transmissão de doenças.
No entanto, a pesquisa ainda não é
representativa do ponto de vista de robustez no que se refere à adesão ao
projeto, presente em alguns poucos municípios brasileiros, como Rio de Janeiro,
Niterói (RJ), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG), Petrolina (PE), entre
outros.
Além disso, ao contrário de avanços em
diversas áreas da ciência, especialistas alertam para o crescimento dos números
da dengue. Neste ano, são muitos os sinais para que isso ocorra: pela primeira
vez, em 15 anos, há casos de dengue ligados ao sorotipo 3, que andou sumido em
recentes surtos ou epidemias pelo menos nos últimos 10 anos.
A preocupação tem sentido. Uma pessoa que teve dengue causada por um determinado sorotipo pode ter reinfecção, decorrente de outros sorotipos, correndo o risco de desenvolver um quadro mais grave da doença, com possibilidade de internação e óbito. A expectativa é de que, com a chegada do novo imunizante, as hospitalizações por dengue sejam reduzidas em 90%. Agora, é aguardar a campanha de vacinação conduzida pelo Ministério da Saúde e torcer para que seja incorporada pela sociedade de forma efetiva ao calendário nacional.
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