Folha de S. Paulo
PEC tardia e duvidosa de Pacheco coincide com
'mea culpa' de FHC
Em 1997, o Congresso aprovou
a emenda à Constituição que
estabeleceu o direito à reeleição para ocupantes do Executivo. A legislação não
ganhou prazo mais longo para entrar em vigor. Passou a valer para o pleito
seguinte. O maior beneficiado foi o presidente Fernando
Henrique Cardoso, eleito antes de a Carta prever essa segunda
chance.
Convenhamos que mudar as regras do jogo eleitoral da maneira que se fez, contemplando um governante no poder, não atende às melhores práticas democráticas.
Em meio a polêmicas e a um retrogosto de
casuísmo golpista, o pacote acabou digerido e não faltaram argumentos para
embelezá-lo. É inegável que a grande utilidade da emenda naquele momento
residia na proteção do projeto tucano de estabilização da economia,
ameaçado por uma possível vitória petista nas eleições de 1998, caso FHC não
pudesse concorrer.
O próprio presidente fez 'mea culpa'
pública da trama e colocou-se contra a reeleição. Considerou que
seria ingenuidade não perceber que o eleito faz o "impossível" para
garantir um segundo mandato e que o ideal seria um período de cinco anos sem
direito à recondução.
A proposta está
agora na agenda do Congresso, com apoio do presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco. Vem com a precaução elementar de só vigorar em outro ciclo
eleitoral. O debate em tese não seria contaminado pelo imediatismo e por um
teor golpista. Os lulistas que sonham com mais quatro anos do presidente não se
veriam frustrados.
Se levada adiante, a PEC vai reciclar esse
debate recorrente. O novo formato tornaria o sistema mais eficiente e
democrático?
Haverá argumentos para os dois lados,
inclusive para inscrever na emenda o cerceamento à reeleição no âmbito do
Legislativo –que não obstante ponderações sobre sua adequação democrática, não
tem como prosperar, já que a decisão dependerá dos parlamentares.
No atual sistema está claro que o cálculo
político é montado desde o início de modo a propiciar condições para que o
incumbente dispute a reeleição em boas condições. Se não conseguir, o ocupante
da máquina ainda terá outros meios para se autobeneficiar.
Bolsonaro,
por exemplo, não conseguiu, felizmente, impor-se como favorito –e foi o
primeiro presidente que concorreu e perdeu. Porém, diante das dificuldades que
se avolumavam, recorreu na reta final a expedientes
os mais deletérios para tentar angariar votos e se manter no
Palácio.
O abandono de padrões mínimos de
responsabilidade fiscal, a tentação a adotar medidas populistas, o oportunismo
e o casuísmo são desvios apontados pelos que criticam o modelo. E de fato não
são estranhos à cultura política da reeleição no Brasil.
Quanto aos defensores do sistema em vigor,
discursam de diferentes palanques do espectro político –de liberais que citam o
presidencialismo americano a representantes da esquerda, caso da presidente
do PT, Gleisi
Hoffmann, que já classificou a ideia como um retrocesso
antidemocrático.
A questão é que sabemos das origens, das
imperfeições e também das vantagens da regra atual, que faz parte da democracia
brasileira há quase 30 anos. Já o sistema alternativo é uma incógnita. Seria
mesmo um aperfeiçoamento vantajoso ou uma abstração enganosa que traria
turbulências desnecessárias? Não há sistemas imunes a defeitos, embora possam
ser controláveis pela experiência histórica. A PEC do Pacheco, a essa altura,
parece um risco tardio que não vale a pena correr.
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