Valor Econômico
Caso equatoriano mostra que o descontrole do
Estado no combate à criminalidade leva a uma ameaça ao sistema democrático
O colapso do Equador pode servir como um
alerta para o futuro ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, uma vez que o
magistrado aposentado deve manter em sua pasta a área da segurança pública. O
caso equatoriano mostra que o descontrole do Estado no combate à criminalidade
leva a uma ameaça ao sistema democrático e abre portas para uma possível
autocracia.
A rebelião de presídios que marcou o 8 de
janeiro do Equador não é o primeiro capítulo do livro. O presidente Daniel
Noboa já havia proposto uma consulta popular com uma série de pontos que,
referendados, colocam as Forças Armadas no centro do tabuleiro político.
Os equatorianos terão que responder se as Forças Armadas passam a ter como função não apenas a proteção contra ameaças externas mas também a prevenção e a erradicação de atividades criminosas. Militares podem ganhar também foro privilegiado. Responderão em liberdade pelas mortes em ações letais.
Talvez recebam ainda o direito de serem
indultados pelo presidente, caso condenados. O governo pede ainda que o
eleitorado chancele a extradição de nacionais envolvidos em crimes
transnacionais. Como um jabuti autêntico, Noboa pergunta ainda se o eleitorado
concorda que arbitragens internacionais passem a prevalecer nos conflitos
legais em investimentos estrangeiros, em claro enfraquecimento do Judiciário.
Com a rebelião de presídios no dia 8, Noboa
assinou um decreto de estado de exceção, com limitação de atividade econômica e
suspensão de garantias constitucionais. No dia seguinte, bandidos fizeram
ataques que envolveram até a tomada de um estúdio de TV em que acontecia uma
transmissão ao vivo. Noboa então assinou um decreto que equivale ao
reconhecimento de um estado de guerra civil. Os inimigos, a serem combatidos
como invasores, são integrantes de 22 organizações criminosas.
Há muito ceticismo sobre o que pode vir a
acontecer no Equador a seguir. O 8 de Janeiro local uniu a classe política em
torno de Noboa, a começar do ex-presidente Rafael Correa, de esquerda. Mas o
Equador vive além de um colapso na segurança uma falência política. O
presidente equatoriano, herdeiro de um grupo empresarial e com apenas 36 anos
de idade, exerce um mandato tampão. Foi eleito em novembro para terminar o
período iniciado por Guillermo Lasso em 2021. Lasso renunciou para escapar de
um processo de impeachment. Durante a campanha presidencial, um dos candidatos
foi assassinado pelo crime organizado.
São circunstâncias que dificultam Noboa a se
tornar uma espécie de Nagib Bukele da América do Sul. O presidente de El
Salvador, que conduz o país de forma cada vez mais autocrática, tem como
estratégia pública de combate ao crime o encarceramento em massa e ostenta
amplo apoio popular.
O que se passa no Equador sugere mais
desespero do que cálculo. “Há risco de milicianização e formação de grupos
paramilitares no Equador. O histórico de militarização da segurança pública é
ruim na América Latina”, aponta a professora de relações internacionais na
Unesp Carolina Pedroso.
É possível o Brasil viver a distopia pela
qual passa no momento o Equador? Ainda há uma diferença enorme de proporções
entre o caso equatoriano e o brasileiro, mas existem ingredientes em comum:
facções criminosas agindo dentro dos presídios, presença de rotas
internacionais de narcotráfico, instabilidade política.
O desenho institucional da segurança pública
no Brasil é falho. Parte da premissa de que o problema deve ser enfrentado
pelos governos estaduais, quando já está claro que as facções atuam
transversalmente não só entre os Estados, mas também no plano internacional. O
controle institucional sobre as estruturas policiais militares é duvidoso.
Planos nacionais, coordenados pelo Ministério da Justiça ou pelo efêmero
Ministério da Segurança Pública, foram anunciados por espasmos, como respostas
improvisadas. O perfil de Ricardo Lewandowski, raríssimo caso de ex-ministro do
STF a se tornar titular da pasta da Justiça, não sugere grande proatividade
nessa área.
Nos últimos dias, vieram à tona informações
de que prefeitos são extorquidos pelo crime organizado no Rio de Janeiro. O
colapso do Equador essa semana, que teve como detonador a incapacidade do
governo de controlar o que ocorre dentro dos presídios, serve de alerta.
As instituições não apenas no Brasil mas em
países vizinhos têm dificuldades de propor alternativas fora das saídas que
fragilizam a cidadania, como a militarização do combate ao crime ou o
encarceramento em massa. Por isso toda crise de segurança tende a minar a
democracia.
A casa abandonada
Uma ruína no Equador mostra outra dimensão da
crise continental. Completam-se em 2024 dez anos da inauguração da sede da
Unasul, um imponente edifício futurista construído exatamente na linha do
Equador, arredores de Quito, a um custo de U$ 40 milhões para o governo de
Rafael Correa. A Unasul foi desmantelada e o prédio, abandonado há quatro anos,
deve virar um centro de entretenimento. O cenário sul-americano tornou-se
adverso para o Brasil se projetar como liderança regional. Não há mais ciclos
de alta de commodities que favoreçam extravagâncias e nem convergência entre os
países mesmo dentro do mesmo campo ideológico.
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