CartaCapital
Livrar a cara de quem tentou subverter a
ordem no 8 de Janeiro é uma traição à Constituição e ao Estado de Direito
Em 8 de janeiro
de 2023, os bolsonaristas tentaram um golpe de Estado e fracassaram.
Tomaram de assalto as sedes dos Três Poderes e promoveram atos de vandalismo e
depredação. O golpe foi planejado e organizado pela cúpula bolsonarista e tinha
ramificações nas Forças Armadas, como têm demonstrado as investigações. A minuta do
golpe, que circulou entre os líderes bolsonaristas, incluindo
Bolsonaro, é uma prova documental de que o ato para tomar de assalto o poder
foi pensado, planejado e executado como um objetivo. O golpe só não triunfou
porque contou com escasso apoio no seio das Forças Armadas.
Com prisões e condenações de golpistas e com investigações ainda em curso que irão fundamentar novas prisões e condenações, agora os bolsonaristas querem viabilizar um projeto de lei que concede anistia aos golpistas presos e condenados e àqueles que vierem a ser presos e condenados no futuro. Trata-se de um novo golpe contra o Estado Democrático de Direito. Os bolsonaristas mostram não ter limites em sua ousadia de celerados.
O assalto e a depredação
dos palácios dos Três Poderes, para além dos danos materiais,
provocou um dano moral irreparável e assumiu uma dimensão simbólica que não
pode ser esquecida na história futura do Brasil. E se não pode ser esquecida,
não pode ser perdoada. E se não pode ser perdoada, seus autores não podem ser
anistiados. Sequer o golpe de 1964 produziu tamanha agressão física e simbólica
na consciência nacional como aquela produzida em 8 de janeiro.
Anistiar os golpistas significa dizer que o
Estado Democrático de Direito é um pano de chão, que a democracia é um trapo
rasgado e que a consciência democrática é uma mesquinharia qualquer. Anistiar
os processados, os condenados e aqueles que vierem a ser processados e
condenados significa dizer que nas eleições presidenciais futuras os derrotados
têm direito de invadir as sedes dos Três Poderes, promover depredações e tentar
tomar o poder pela violência.
Na medida em que essa anistia é um estímulo à
tomada do poder pela violência, trata-se de uma medida antidemocrática e,
portanto, inconstitucional, pois a Constituição é democrática. Ou seja: a
anistia aos golpistas é uma violência política e moral contra a Constituição e
a democracia.
Se a anistia é um estímulo a futuros atos
golpistas e uma legitimação da interferência nos resultados de eleições futuras
por atos de violência, evidencia-se o caráter falacioso do relator do PL,
Rodrigo Valadares, que sustenta a tese de que ele serve para pacificar o País e
despolarizar os embates políticos. Ora, como pacificar o País aprovando medidas
que estimulam a violência política e o golpe?
Pretender que o Congresso aprove anistia para
aqueles que o atacaram e tentaram fechá-lo é um contrassenso e um absurdo
inconcebível. A conclusão é só uma: deputados e senadores que aprovarem a
anistia trairão o Congresso, golpeando a democracia. Aprovar a anistia equivale
a um ato e a uma intenção contrários à democracia.
É certo que a legislação confere ao Congresso
a prerrogativa de aprovar a anistia. Mas a condenação dos golpistas de 8 de
janeiro não está ocorrendo pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário. As
condenações são proferidas pela mais alta Corte judiciária, a mesma Corte que
tem a prerrogativa de ser a guardiã da Constituição.
A aprovação da anistia equivaleria à anulação
de uma prerrogativa exclusiva do STF, a de julgar no caso do golpe, por outro
poder, o Legislativo. Não há nenhuma previsão constitucional que confira ao
Legislativo o poder de anular uma prerrogativa exclusiva do Judiciário nesse
caso específico. Equivaleria a uma invasão de competências e a quebra do
sentido republicano das relações entre os poderes.
A Constituição, do ponto de vista
institucional, é a principal salvaguarda de si mesma e da própria democracia.
Aprovar uma anistia a golpistas que quiseram destruí-la é algo contrário à
letra e ao espírito da Constituição. Por isso, a anistia é inconstitucional.
A conclusão a que se pode chegar é a de que o
projeto não tem nenhum interesse público. O interesse é de um grupo particular,
de um grupo sedicioso, que tem atacado o Estado Democrático de Direito e os
poderes constitucionais ao longo dos últimos anos. O projeto não busca a paz
pública. Ao contrário. É um subterfúgio para preparar o caminho para novas
tentativas de golpes no futuro.
É preciso dar um basta às tentativas e à
cultura de golpes no Brasil. Esse basta só é possível se os golpistas forem
punidos com o rigor da lei, sem anistia. A não punição de torturadores e de
criminosos do regime militar sempre será uma fresta aberta para aqueles
contrários à democracia e sempre prontos a planejar e promover golpes.
Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital,
em 18 de setembro de 2024.
3 comentários:
Muito bom! Concordo com o autor: "É preciso dar um basta às tentativas e à cultura de golpes no Brasil." Mas também concordo com Pablo Ortellado em sua coluna de hoje neste blog: é preciso provar/demonstrar a tentativa de golpe em 8/1 e a ligação daquele movimento com a cúpula bolsonarista ou com seu líder maior. Fornazieri parte do princípio de que houve tentativa de golpe, mas isto é cada vez mais duvidoso, pois as evidências ainda são controversas e as provas mesmo ainda não foram mostradas (ou não apareceram).
Boa retórica, mas poucas provas.
Vice tenta subverter o significadobda palavra provas.
A ligação dos manifestantes já estava estabelecida antes de 8/1.A invasão e a baderna foram transmitidas ao vivo. Precisa se fazer de cego pra não ver provas. Vice sabe o que foi a minuta do golpe?.
São tantas as provas que nem deveríamos tratar disso aqui.
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