sábado, 14 de setembro de 2024

Dora Kramer - Uma 'potência' impotente

Folha de S. Paulo

Há distância entre a fama de protagonista e a realidade ambiental no Brasil

Em abril/maio o Rio Grande do Sul ficou debaixo d’água e agora, em setembro, o Brasil, em parte, arde em chamas e sofre os efeitos do fogo. Nada disso aconteceu de repente ou por acaso. É obra de muita negligência e negação, o que soa incongruente num país tido e havido como potência ambiental.

Há um claro distanciamento entre a imagem vendida e a realidade vivida. Na prática, poder público e sociedade dão muito pouca atenção e valor às questões ambientais. Elas fazem bonito nos discursos, mas no cotidiano só são lembradas e (mal) tratadas quando as calamidades batem à porta. Despertam solidariedade, provocam susto, mas logo se muda de assunto até que no ano seguinte as enchentes e a seca voltem a provocar desastres cada vez mais graves.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que de 2015 para cá os focos de incêndio no país mais que dobraram. Eram 69 mil há nove anos e já são mais de 180 mil nos nove meses de 2024. Foram quatro governos diferentes no período —Dilma, Temer, Bolsonaro e Lula.

Vê-se, portanto, que o descaso não tem ideologia. Tampouco diz respeito apenas ao Poder Executivo. A indiferença se alastra ao Legislativo e se reproduz na sociedade.

Se a população estivesse realmente sensibilizada e mobilizada em torno do problema, o Congresso não estaria entre a inércia e o modo contravapor, dedicado a prover os interesses de suas altezas.

É só olhar para a agenda eleitoral das disputas municipais. À exceção de cidades gaúchas, o tema das mudanças climáticas não entrou na pauta dos palanques como se esperava no auge da tragédia no Sul.

Verdade que hoje o presidente da República não teria ambiente para repetir a piada da "perereca" que, na visão dele de 15 anos atrás, atrapalhava a execução de obras. Ainda assim, o Lula 3 cedeu a pressões para ignorar o compromisso de campanha de criar uma autoridade climática e só o fez agora em meio ao sufoco do fogaréu.

Terá de se esforçar muito mais se não quiser fazer feio na COP30. Falta pouco mais de um ano.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! A sociedade é complacente com o agronegócio, que há décadas queima e desmata para ampliar suas áreas ocupadas. Nos últimos anos, muitos antigos desmatadores e incendiários reduziram seus crimes ambientais, pressionados pelos importadores europeus e pela imprensa, mas os agrotrogloditas continuam realizando seus tradicionais crimes ambientais, até porque ainda eram estimulados a isto no DESgoverno Bolsonaro, onde o crimoso ambiental Ricardo Salles impedia e dificultava fiscalizações e punia/demitia fiscais que agissem para cumprir suas funções quando desagradassem a cúpula do MMA ou o próprio GENOCIDA (punido por pesca ilegal no RJ).

Mais um amador disse...

Perfeito.

ADEMAR AMANCIO disse...

Incêndios acontecem à revelia de qualquer governo.