segunda-feira, 3 de março de 2025

"Ainda Estou Aqui" faz história e ganha o primeiro Oscar do Brasil

Ubiratan Brasil / Valor Econômico

Oscar 2025 termina em festa para "Ainda Estou Aqui" e "Anora"

O clima de final de Copa do Mundo em torno do longa "Ainda Estou Aqui" se transformou em festa verdadeira com a vitória no Oscar de Melhor Filme Internacional, na noite desde domingo. Primeira produção brasileira a ganhar esse prêmio, "Ainda Estou Aqui" conquistou aos poucos a admiração de americanos e europeus. Isso porque é uma história universal liderada por Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, a mulher que teve de assumir o controle da família após o assassinato de seu marido, o deputado Rubens Paiva, pelo governo militar, nos anos 1970. No Brasil, já foi visto por mais de 5 milhões de pessoas e é apontado como um forte incentivador da volta do público ao cinema para ver produções nacionais. O longa é um drama simples, universal e, mesmo contando uma história do Brasil, reverbera em uma audiência de qualquer nacionalidade.

"Isso vai para uma mulher que - após uma perda sofrida durante um regime autoritário - decidiu não se curvar e resistir”, disse o diretor Walter Salles no palco, ao receber a estatueta de Penélope Cruz. Ele também dedicou a estatueta às atrizes Fernanda Torres (que perdeu o Oscar de melhor atriz para Mikey Madison, de "Anora") e Fernanda Montenegro, que vivem Eunice em tempos distintos.

Muito aplaudido na sala de imprensa, Salles disse que, ao começar a produzir o filme, sabia que contaria uma história que merecia ser contada. "Tivemos a proteção de Eunice Paiva", disse o cineasta. "É um filme sobre como lidar com a perda e como lutar contra a injustiça."

O grande vencedor da noite, pela qualidade dos prêmios, foi "Anora", eleito o melhor filme do ano, além de diretor (Sean Baker), atriz (Mikey Madison), roteiro original e edição. "Minha mãe me levou ao cinema quando eu tinha 5 anos e hoje é aniversário dela", festejou Baker. "“Cineastas, continuem fazendo filmes para a tela grande. Distribuidores, por favor, foquem no lançamento dos filmes nos cinemas. Pais levem seus filhos ao cinema. Vamos manter viva a experiência de ir ao cinema.”

Adrien Brody conquistou seu segundo Oscar de melhor ator, agora por "O Brutalista". Foi o marco de uma revitalização de carreira, depois que emendou papéis desinteressantes após ganhar a mesma estatueta por "O Pianista", em 2002.

O show do Oscar começou com a esperada homenagem a Los Angeles, cidade que foi castigada por diversos incêndios no início do ano. Depois de um clipe com imagens de filmes antigos, Ariana Grande cantou o clássico "Somewhere Over the Raibow", do filme Magico de Oz. Em seguida, ela se juntou a Cynthia Erivo, sua colega em "Wicked" para interpretar o grande sucesso do filme, “Defying Gravity”.

O humor começou a chegada do apresentador, o comediante Conan O'Brien, que simulou uma saída do corpo de Demi Moore, ironizando "A Substância". Depois de alfinetar a espanhola Karla Sofía Gascón, de "Emilia Pérez", ele reforçou a homenagem às pessoas desconhecidas que sustentam a indústria cinematográfica, reconhecendo que seu desempenho constitui grande parte de Los Angeles. Suas palavras finais sobre a importância do Oscar durante uma época de política divisiva e incêndios florestais devastadores também provocaram alegria na multidão.

Finalmente, o primeiro prêmio e justamente o mais previsível: Kieran Culkin venceu como ator coadjuvante. Em seu discurso de agradecimento, ele chamou diretor de "A Verdadeira Dor", Jesse Eisenberg, de “gênio”. “Nunca falaria isso na sua frente”, brincou. Também pediu de forma um tanto esquisita à esposa para ter mais filhos com ele.

Em seguida, a primeira surpresa: apesar de favorito, "O Robô Selvagem" perdeu o Oscar de animação para o pequeno e singelo filme letão "Flow". Com baixo orçamento, o diretor Gints Zilbalodis usou um software gratuito para concluir a animação. E, no seu discurso, agradeceu seus gatos e cães porque os observou atentamente para criar seus personagens. Também compartilhou uma mensagem de união. “Estamos todos no mesmo barco. Devemos superar nossas diferenças e encontrar maneiras de trabalhar juntos.”

A emoção continuou quando Paul Tazewell fez um emocionado discurso ao receber o Oscar de figurino por "Wicked". "Sou o primeiro negro a vencer nessa categoria", disse, emocionado, levantando a plateia no aplauso.

Anora” ganhou o prêmio de melhor roteiro original, conquistando o primeiro Oscar para o diretor Sean Baker. Durante seu discurso, Baker agradeceu à comunidade de profissionais do sexo. “Eles compartilharam suas experiências de vida comigo ao longo dos anos”, disse ele. “Meu mais profundo respeito - compartilho isso com vocês.”

O filme colecionou outro prêmio - também para Baker - com o Oscar de edição. “Eu realmente aprecio o reconhecimento por isso porque, Deus, se você viu aquela filmagem... Eu salvei este filme na edição - acreditem em mim”, ele disse, aos risos. “Eu considero a edição metade da minha direção e um terço do meu roteiro.”

E ainda foi eleito o melhor diretor. Há muito tempo queridinho em Hollywood por seu cinema indie, Baker finalmente é homenageado por seu trabalho - e por sua luta contínua por lançamentos dos filmes nos cinemas.

A disputa com "Conclave" continuou ainda na premiação de roteiro, dessa vez o adaptado. Peter Straughan segue bem de perto o texto original de Robert Harris sobre os bastidores de uma eleição papal. Mais do que isso, foi capaz de acrescentar novas camadas ao trabalho concebido pelo escritor inglês, merecendo o Oscar.

A fervura da festa veio com a premiação de Zoe Saldaña como melhor atriz coadjuvante por "Emilia Perez". A vitória no Globo de Ouro prometia uma campanha tranquila, mas as postagens ofensivas nas redes sociais da estrela do filme, Karla Sofía Gascón, fez com que as chances do filme desabassem. Mas não as dela. “Sou uma descendente orgulhosa de pais imigrantes. Minha avó, se estivesse aqui, estaria tão feliz”, disse ela, com palavras raivosas.

O filme francês conseguiu outro prêmio considerado favorito, melhor canção original, para "El Mal". O melhor, no entanto, foi a apresentação de Mick Jagger. “Estou muito honrado”, disse ele, antes de brincar ao dizer que a produção queria que Bob Dylan entregasse o prêmio.

O tom político voltou a tomar conta do palco do Dolby Theatre quando "No Other Land" foi anunciado como melhor documentário. Produção israelense-palestino sobre o governo israelense forçando os palestinos a saírem de suas casas em Masafer Yatta causa um mal estar no espectador. “Você não consegue ver que estamos interligados? Existe outra maneira”, disse um dos diretores, Yuval Abraham.

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