segunda-feira, 3 de março de 2025

Golpismo não é liberdade de expressão - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Ninguém foi preso ou responsabilizado por meras palavras, mas por ações no 8 de janeiro

Golpistas de extrema direita estão em uma cruzada internacional para disseminar a ideia de que estariam sendo perseguidos e censurados. Para convencer seus alvos prioritários e seus eleitores, vale tudo.

O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, Pedro Vaca, precisou desmentir o que correu nas redes e afirmou que nenhuma ditadura recebe um relator. A equipe de Vaca teve uma demonstração empírica de como funciona a máquina de desinformação da extrema direita brasileira.

De acordo com a investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe, o uso de desinformação foi fundamental na estratégia dos golpistas. A investigação do plano Punhal Verde e Amarelo apontou a existência de vários núcleos militares e civis articulados, sendo que um destes era inteiramente dedicado à desinformação e ataques ao sistema eleitoral.

A importância da empreitada era tal que foi montada uma verdadeira ilha de produção de vídeos no principal acampamento conectado aos ataques do 8 de janeiro.

Nesse contexto, alguns parlamentares e comentaristas proeminentes alinhados à extrema direita e ao discurso golpista tiveram suas redes bloqueadas. Para efeito de comparação, de acordo com pesquisadores do Instituto Democracia em Xeque, nos dias posteriores à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, apenas no antigo Twitter, hoje X, 150 mil contas foram bloqueadas.

O número é esse mesmo: 150 mil. Na época, tal bloqueio não foi interpretado como censura por lideranças comprometidas com a defesa da democracia e da liberdade de expressão nos Estados Unidos ou em qualquer outro país do mundo.

No que diz respeito às prisões ligadas ao 8 de janeiro, também é importante lembrar que, há um mês, no dia 3 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que um acordo de não persecução penal (ANPP) foi oferecido a dois terços dos golpistas de 8 de janeiro para que não precisassem cumprir pena na prisão. No entanto, mais da metade recusou ou não respondeu à proposta oferecida pela Procuradoria-Geral da República.

A oferta do ANPP foi realizada para quem participou das manifestações golpistas em frente aos quartéis. Até o momento, 527 réus responsabilizados criminalmente, de um total de 898, aceitaram o ANPP e tiveram penas alternativas.

De acordo com Barroso, a recusa de parte significativa dos golpistas em aceitar o ANPP indica o nível de radicalidade dos golpistas e invalida o argumento de que se tratariam de pessoas comuns, como ambulantes e costureiras, que apenas foram a Brasília protestar.

Mas é importante apontar que a própria recusa das pessoas em assinar o ANPP segue sendo instrumentalizada politicamente por Jair Bolsonaro e seus apoiadores quando demandam por "anistia" e utilizam como exemplo as pessoas que declinaram o acordo como exemplos de perseguição e seguem encarceradas.

Por fim, vale ressaltar que ninguém foi preso ou responsabilizado por meras palavras, mas por ações. E nenhuma ação violenta ou plano de golpe de Estado se enquadra como simples opinião política. Por vezes, é importante dizer o óbvio, golpismo não é liberdade de expressão, mas seu exato oposto.

 

Nenhum comentário: