Folha de S. Paulo
Ninguém foi preso ou responsabilizado por
meras palavras, mas por ações no 8 de janeiro
Golpistas de extrema direita estão em uma
cruzada internacional para disseminar a ideia de que estariam sendo perseguidos
e censurados. Para convencer seus alvos prioritários e seus eleitores, vale
tudo.
O relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, Pedro Vaca, precisou desmentir o que correu nas redes e afirmou que nenhuma ditadura recebe um relator. A equipe de Vaca teve uma demonstração empírica de como funciona a máquina de desinformação da extrema direita brasileira.
De acordo com a investigação da Polícia
Federal sobre a tentativa de golpe, o uso de desinformação foi
fundamental na estratégia dos golpistas. A investigação do plano Punhal
Verde e Amarelo apontou a existência de vários núcleos militares e
civis articulados, sendo que um destes era inteiramente dedicado à
desinformação e ataques ao sistema eleitoral.
A importância da empreitada era tal que foi
montada uma verdadeira ilha de produção de vídeos no principal acampamento
conectado aos ataques
do 8 de janeiro.
Nesse contexto, alguns parlamentares e
comentaristas proeminentes alinhados à extrema direita e ao discurso golpista
tiveram suas redes bloqueadas. Para efeito de comparação, de acordo com
pesquisadores do Instituto Democracia em Xeque, nos dias posteriores à invasão do
Capitólio, nos Estados Unidos, apenas no antigo Twitter, hoje X, 150 mil
contas foram bloqueadas.
O número é esse mesmo: 150 mil. Na época, tal
bloqueio não foi interpretado como censura por lideranças comprometidas com a
defesa da democracia e da liberdade de expressão nos Estados Unidos ou em
qualquer outro país do mundo.
No que diz respeito às prisões ligadas ao 8
de janeiro, também é importante lembrar que, há um mês, no dia 3 de fevereiro,
o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou que um
acordo de não persecução penal (ANPP) foi oferecido a dois terços dos golpistas
de 8 de janeiro para que não precisassem cumprir pena na prisão. No entanto,
mais da metade recusou ou não respondeu à proposta oferecida pela
Procuradoria-Geral da República.
A oferta do ANPP foi realizada para quem
participou das manifestações
golpistas em frente aos quartéis. Até o momento, 527 réus responsabilizados
criminalmente, de um total de 898, aceitaram o ANPP e tiveram penas
alternativas.
De acordo com Barroso, a recusa de parte
significativa dos golpistas em aceitar o ANPP indica o nível de radicalidade
dos golpistas e invalida o argumento de que se tratariam de pessoas comuns,
como ambulantes e costureiras, que apenas foram a Brasília protestar.
Mas é importante apontar que a própria recusa
das pessoas em assinar o ANPP segue sendo instrumentalizada politicamente
por Jair
Bolsonaro e seus apoiadores quando demandam por "anistia" e
utilizam como exemplo as pessoas que declinaram o acordo como exemplos de
perseguição e seguem encarceradas.
Por fim, vale ressaltar que ninguém foi preso
ou responsabilizado por meras palavras, mas por ações. E nenhuma ação violenta
ou plano de golpe de Estado se enquadra como simples opinião política. Por
vezes, é importante dizer o óbvio, golpismo não é liberdade de expressão, mas
seu exato oposto.
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