segunda-feira, 3 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Visão iconoclasta de Trump imola Ucrânia no altar de Putin

Folha de S. Paulo

Humilhação inédita imposta a Zelenski pelo republicano mina ordem mundial, com perigo para interesses dos próprios EUA

A definição do que é interesse nacional é um complexo jogo em que se equilibram, de forma conflituosa, imperativos geopolíticos e a sustentação de princípios morais. Quase invariavelmente os primeiros falam mais alto. A questão é a resultante. Na Guerra da Ucrânia, a visão do principal ator externo ao conflito estava clara.

Para o governo dos Estados Unidos sob Joe Biden, impedir que Vladimir Putin prevalecesse em sua agressão suplantava as vantagens do apaziguamento. Havia, claro, cinismo: nunca se cogitou dar a Kiev recursos para elevar o preço da invasão a tal ponto que o russo desistisse dela.

O veterano Biden temia a Terceira Guerra Mundial, não sem razão. O Kremlin aproveitou-se disso e modulou, com ameaças reiteradas de uma escalada nuclear, a ajuda que a Ucrânia recebia.

O próprio "casus belli" de Putin, impedir vizinhos de serem mais um membro da Otan, era na prática respeitado. Por toda a falação, os EUA nunca levaram a sério admitir Volodimir Zelenski no seu clube militar.

Ainda assim, o suporte à resistência foi vendido como uma virtude moral, argumento fraco para definir interesses nacionais.

Entra então Donald Trump e sua revolução na política externa, alinhando-se a Putin e ameaçando todo o edifício sobre o qual foi construída a estabilidade mundial no pós-Segunda Guerra.

Que as fundações dessa estrutura estão apodrecidas, há pouca dúvida, e defensores mais racionais de Trump o apontam como uma espécie de bola de demolição necessária. Pode ser, mas o grau de destruição escamoteia os riscos de seu vago projeto.

A civilidade do pós-guerra, um ativo moral e geopolítico, foi brutalmente golpeada por Trump, que já havia transformado a negociação da paz em um debate sobre vantagens econômicas.

O americano deitou uma armadilha ao vivo na sexta (28) para Zelenski, humilhando seu visitante na Casa Branca com uma admoestação agressiva e inaudita em relações internacionais.

"É boa televisão", disse Trump após seu show de horrores. Zelenski também foi inábil, abrindo a porta para a surra ao falar grosso. Depois, foi pedir ajuda à Europa, que promete colaborar mais.

O fim da guerra é do interesse dos EUA e do mundo. Mas estabelecer um regramento no qual vale a força bruta, elegendo a ditadura chinesa e a autocracia russa como atores respeitáveis, é uma visão de Trump que carrega riscos.

Com ela, a tradicional política de alianças americana se desfaz em troca de nada, e muitas nações poderão recorrer à China durante a disputa ao ver a Ucrânia ser imolada pela iconoclastia de Trump no altar de Putin.

Já a alienação proposta da Europa tem potencial para afastar parceiros que, sim, se aproveitaram da generosidade americana. Fazê-los ser mais proativos é uma coisa; tê-los como adversários é algo bem diferente, em especial quando os outros cachorros grandes começarem a rosnar.

Benefícios tributários precisam ser mais transparentes

Folha de S. Paulo

Valor de incentivos deve chegar a R$ 544 bi sem análise de sua eficiência; além da arrecadação, gastos merecem atenção

É meritório o esforço do Ministério da Fazenda em documentar e dar publicidade aos incentivos fiscais e gastos tributários, que apenas no âmbito federal devem chegar a R$ 544 bilhões neste ano, cifra equivalente a 4,8% do PIB e a 24% da arrecadação federal.

A luz do sol sobre os valores dos benefícios e os caminhos para sua obtenção é uma forma de mobilizar a sociedade para um debate sobre eficiência, custos e eventuais vantagens de cada um.

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou o emaranhado de benesses de caixa-preta, o que é verdade em parte. Alguns dos incentivos, sobretudo os maiores, são amplamente conhecidos, caso da Zona Franca de Manaus e do Simples, que reduz a cobrança de impostos para micro e pequenas empresas.

Mas há muitos outros que são viabilizados em negociações escondidas, ou ficam obscurecidos em regras tributárias arcanas e de difícil compreensão. De comum a todas as iniciativas, é seguro dizer que carecem de satisfatória avaliação sobre eficiência e impactos para coletividade.

Haddad erra, por outro lado, ao dar a impressão de que tem em mente apenas o potencial arrecadatório, a esta altura uma agenda bastante desgastada na sociedade diante da enormidade da carga geral de impostos e da baixa qualidade na contrapartida de serviços públicos.

Sem um debate mais amplo sobre eficiência e prioridades, o que inclui o lado da despesa, será difícil obter apoio da opinião pública mesmo para reduções razoáveis dos incentivos.

Sobre isso, erra em especial o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vez ou outra critica o volume de benefícios, mas não se dispõe a entrar seriamente no debate político e nada faz para combatê-los.

Foram os governos petistas, aliás, os que mais ampliaram a tal caixa-preta descrita por Haddad —de menos de 2% do PIB em 2005 para mais de 4,5% no final da gestão de Dilma Rousseff.

O PT e Lula sempre se renderam ao patrimonialismo ora criticado. Na versão mais benigna, a mão aberta com lobbies empresariais e interesses particulares derivaria de uma certa visão de mundo, em que, por meio de cooptação, o setor privado se torna um conduíte para a realização da utopia desenvolvimentista. Uma perspectiva mais cética diria que a capa ideológica cobre outros objetivos.

Reduzir essa captura de recursos demanda liderança política e clareza de propósitos, atributos hoje ausentes no governo federal.

Fila do INSS é fator de desgaste para governo

O Globo

Após ganho de agilidade ao conceder benefícios, a qualidade dos serviços da Previdência voltou a deteriorar-se

Problema que parece insolúvel, a fila de segurados em frente aos guichês do INSS voltou a crescer. Em novembro do ano passado, se aproximava de 2 milhões de pessoas, como no início de 2020. É esperado que os números do INSS sejam colossais, dado o tamanho da população. Mas é injustificável uma fila tão extensa para quem espera um benefício ou aposentadoria a que tem direito por lei. A burocracia estatal precisa prestar atendimento digno a quem necessita de seus serviços, sobretudo quando há relação direta com a renda das famílias.

Em novembro, entre as requisições não atendidas, 1,6 milhão aguardava perícia médica ou análise administrativa de documentos. Há atrasos causados pelos segurados, quando demoram a apresentar a papelada adicional requisitada pelos INSS. Em novembro, estavam nessa situação 365,5 mil pedidos, menos que os 378,3 mil existentes no mês anterior. Mas, se dependesse apenas do segurado, a gigantesca fila andaria mais rápido. Parte dela é virtual, formada por quem deu entrada com pedidos de benefícios — aposentadorias ou auxílios — pelo INSS Digital. Mesmo assim, há lentidão.

Para acelerar o atendimento, o governo passou a oferecer em 2023 um bônus aos servidores do INSS e a peritos médicos. Por serem funcionários estáveis, apenas dessa forma é possível incentivá-los a aceitar carga maior de trabalho. A bonificação vigorou até o final do ano passado. E a fila já voltou a aumentar no segundo semestre. O INSS também passou a atrasar a divulgação do boletim com as informações. O Ministério da Previdência informou que o número de pedidos quase dobrou em um ano. Também atribui os atrasos a greves dos servidores do INSS e dos peritos médicos. Num governo preocupado com a popularidade, reduzir a fila para obter benefícios deveria ser uma meta prioritária. Não parece ser o caso.

O tempo médio para a resposta a pedidos, descontada a demora do segurado para apresentar documentos, era de 76 dias em janeiro de 2023 e caíra a 34 dias em julho — menor patamar em dois anos. Mas a conquista durou pouco. O indicador voltou a subir em agosto e, em novembro, alcançou 39 dias. O prazo máximo por lei é de 45 dias. A espera depende da região. No Nordeste, justamente onde a renda é mais baixa, o tempo médio chega a 66 dias.

No ano passado, a média de novas requisições protocoladas no INSS foi de 1,2 milhão por mês. A demanda ficou bastante acima de 2023, quando se manteve em torno de 700 mil. Ao mapear as requisições dos segurados, o governo constatou que é comum cidadãos ingressarem com mais de um pedido ao mesmo tempo ou, enquanto recorrem de indeferimentos, apresentarem o mesmo pedido novamente. A intenção do INSS é rever regras. É sempre positivo racionalizar trâmites burocráticos, desde que isso não signifique perda de direitos dos segurados.

Os gastos previdenciários estão em alta. Em 2024, somaram R$ 111 bilhões, ou R$ 29,9 bilhões acima do estimado. Com o envelhecimento da população, a tendência se agravará. Mas isso não justifica a qualidade sofrível do serviço prestado. O governo precisa dotar o INSS de condições aceitáveis no atendimento. É preciso rever rotinas e sistemas para ganhar eficiência. Tanto para incluir quem precisa receber os benefícios a que tem direito quanto para excluir quem não tem mais direito, mas continua recebendo.

Consumo de cultura reforça a vocação do Rio como polo turístico

O Globo

Cariocas consomem mais cultura que moradores das demais capitais — e não só no carnaval —, diz pesquisa

Entre as 26 capitais federais e o Distrito Federal, o Rio de Janeiro é a cidade que mais consome cultura em todas as suas formas — livros, cinema, teatro, shows, visitas a museus ou locais históricos. Apresenta índices superiores ou iguais à média nacional em todas as atividades investigadas em pesquisa da JLeiva Cultura & Esportes, que ouviu 19,5 mil moradores nas 27 cidades. O pendor para alegria do carioca contrasta com as mazelas da cidade em geral destacadas no noticiário.

Berço da Bossa Nova, celeiro de marchinhas de carnaval de letras picantes ou fundo político, o Rio é cidade musical por excelência. No levantamento, a MPB foi o gênero mais citado como preferido do carioca (39% dos entrevistados), seguida de pagode (30%), gospel (25%), rock (24%), pop (19%), sertanejo (17%), samba (15%) e funk (13%). Ao contrário do que acontece noutras cidades, onde o sertanejo é o tipo de música mais ouvido em média (34%), o Rio é resistente ao gênero — menos apenas que o Recife, onde reina o frevo.

O pendor musical do carioca vem de um longo passado que remonta à passagem de Dom João VI pela cidade e ao período do Império, quando a população teve contato com a música tocada nos palácios das famílias reais europeias. A miscigenação brasileira também fermentou as artes. Ritmos se fundiram e, dessa fusão, surgiram depois novos gêneros como o choro, variedade de música de câmara essencialmente instrumental, que encontrou em Pixinguinha seu maior expoente. O samba também surgiu no Rio, a partir do Morro do Estácio, onde um grupo de inovadores, entre eles Ismael Silva, quebrou a rigidez da música europeia e deu à batucada o molejo e o andamento que tem até hoje. O embrião das escolas de samba vem daquela época (a Estácio de Sá é considerada a primeira).

As atividades culturais do carioca não se resumem, porém, ao carnaval. A praia de Copacabana tem se firmado como palco do showbiz internacional. Por lá já passaram Rolling Stones, Madonna e, em breve, se apresentará Lady Gaga. Esses shows atraem turistas de outros estados e até de países vizinhos.

A rede extensa de museus, livrarias, cinemas. teatros, além das produções televisivas, também contribui para tornar o Rio de Janeiro destino obrigatório daqueles que se interessam por cultura. Os equipamentos culturais da cidade a tornam naturalmente um polo turístico e de grandes eventos.

Políticas de incentivo ou gratuidade e facilidade de acesso pelo transporte público aos polos de cultura são necessários para fortalecer essa vocação. Um fator determinante para garantir público às atividades culturais é a escolaridade da população, diz João Leiva, diretor da empresa responsável pela pesquisa. Quem estuda mais consome mais cultura. E a cultura ajuda na formação educacional, num círculo virtuoso vivido no Rio como em nenhuma outra capital do Brasil.

O bem-vindo ocaso de Lula e Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Enquanto Bolsonaro está a caminho do banco dos réus, Lula lida com a decepção e frustração popular. Um calvário que pode deixar órfãos seus eleitores, mas é oportunidade para o País

Há um sentimento de orfandade no ar diante do presente frágil e do futuro sombrio reservados aos dois principais líderes que, nos últimos anos, empurraram o Brasil ladeira abaixo de uma divisão nefasta. O presidente Lula da Silva e seu antecessor, Jair Bolsonaro, enfrentam, cada um a seu modo, um julgamento público que pode significar-lhes o ocaso – um calvário gerador de incômoda melancolia na larga faixa do eleitorado que tem se movido por uma mistura de paixões políticas e ódio às identidades adversárias.

Como se sabe, o demiurgo petista se vê às voltas com uma queda profunda de sua popularidade, expressão do descontentamento e da frustração da base que o elegeu, além da insatisfação já duradoura da chamada frente ampla que apostou nele por temor e rejeição ao adversário. Não bastasse a impopularidade, Lula enfrenta ainda um mal maior: a dificuldade crônica de renovar ideias e soluções para o País, fazendo do seu governo uma soma inquietante de velhos projetos para novos problemas.

Já o ex-capitão liberticida, que passou seus anos de mau militar, mau parlamentar e mau presidente insuflando ânimos golpistas, precisará lidar com o julgamento do Supremo Tribunal Federal, acusado que foi de ter cometido os crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros delitos. Somadas, as penas podem passar dos 40 anos de prisão.

Dada a assimetria dos riscos impostos a ambos, não são julgamentos similares, mas seus efeitos, de certo modo, são. Para quem fez carreira dividindo o País entre “nós” e “eles”, não há perspectiva pior do que a perda de força política e a crescente incapacidade de inspirar o presente e o futuro – é disso, afinal, que depende o poder. Pois Lula e Bolsonaro podem passar cada vez mais, isso sim, a representar o passado.

Bolsonaro já poderia ter sido expelido da política desde quando ultrapassou os limites do decoro e da decência ao envergonhar a instituição parlamentar. Poupado, entendeu que não precisava respeitar limite algum – nem legal, nem político, nem moral – e foi em cima dessa ideia que se lançou à Presidência, em 2018, como candidato “antissistema”. E assim gestou um governo conflituoso, irresponsável e desastroso.

Lula retornou ao poder vendendo a falácia de que poderia ser o artífice da reconciliação tão desejada pelos brasileiros, mas tem se mostrado incapaz de fazer jus à missão recebida. As contradições e fragilidades do terceiro mandato são o preço a pagar pelo pensamento envelhecido de um líder e de um partido que se opuseram aos esforços para a estabilização da economia nos anos 1990, hostilizaram todos os governos aos quais fizeram oposição e, uma vez no poder, produziram a mais grave crise política e econômica da história recente do País.

O infortúnio dos dois deve tornar mais difícil a vida das hostes de militantes, mas é uma ótima notícia para um país que perde muito quando seus dois maiores líderes não conhecem outra língua senão a do enfrentamento, estimulam o rancor contra aqueles que consideram seus inimigos e buscam, como populistas empedernidos que são, confundir-se com os mais legítimos interesses do povo.

Se ambos não se recuperarem da crise que os abate, resta saber o que virá a seguir. Otimistas apontam uma boa dose de esperança para o surgimento de novas lideranças – menos personalistas, mais democráticas e plurais, e sobretudo mais capazes de oferecer novas e melhores ideias para os problemas atuais e futuros. Céticos sugerem, ao contrário, que o vácuo de lideranças pode abrir espaço para aventureiros que apostam na antipolítica.

Este jornal acredita na chance de o País virar a página, embora alerte para os aventureiros à espreita. Eis um momento-chave para que o debate público no Brasil afinal deixe de ser intoxicado pelo ódio, que reduz a política ao confronto estéril entre duas visões atrasadas de mundo. Os tempos destrutivos e paralisantes protagonizados por Lula e Bolsonaro podem chegar ao fim, desde que seus eventuais herdeiros não sejam a continuidade do atraso.

‘Retenciones’ à brasileira

O Estado de S. Paulo

Se é realmente séria a cogitação de impor barreiras à exportação de produtos agrícolas a pretexto de segurar a inflação, será um evidente retrocesso, atingindo em cheio o agronegócio

Sabidamente leniente com a inflação e incapaz de identificar a relação entre o estímulo ao consumo e o aumento dos preços ao consumidor, o governo Lula da Silva começa a pagar o preço de suas escolhas e anda em círculos sem saber o que fazer para conter a corrosão de sua popularidade. O clima de desespero não é bom conselheiro e favorece o surgimento de ideias as mais estapafúrdias.

Reportagens publicadas na semana passada revelaram que integrantes do governo chegaram a debater a imposição de limites às exportações do setor agropecuário para ampliar a oferta de itens como carnes e açúcar no mercado interno e reduzir seus preços. Em razão da iniciativa, batizada de “comércio administrado”, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cogitou pedir demissão para salvar sua reputação.

Se quisermos saber quais são os efeitos desse tipo de medida, basta olhar para a Argentina, que há décadas, com raros intervalos, aplica alguma forma de barreira às exportações, sobretudo agrícolas. Essas barreiras são conhecidas como retenciones. Os objetivos variam, mas em geral elas servem para cobrir rombos orçamentários, bancar subsídios estatais e impedir o desabastecimento de produtos agrícolas. Os resultados, em todo caso, são baixa produtividade, queda da rentabilidade dos produtores e perda de competitividade no exterior.

Se é realmente séria a cogitação de impor retenciones à brasileira, portanto, será um evidente retrocesso, atingindo em cheio o agronegócio, um dos setores mais dinâmicos e competitivos do País.

Felizmente, o ministro Carlos Fávaro parece contar com o apoio da equipe econômica e do vice-presidente Geraldo Alckmin para impedir essa sandice. Juízo, no entanto, parece ser um artigo em falta em parte da Esplanada dos Ministérios, especialmente na Casa Civil e no Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Há um mês, em entrevista ao programa Bom Dia Ministro, foi o próprio ministro da Casa Civil, Rui Costa, quem disse que o governo cogitava adotar um conjunto de “intervenções” para baratear o preço dos alimentos. Depois da péssima repercussão, ele substituiu a palavra por “medidas”, mas o espírito de sua mensagem, aparentemente, era aquele mesmo. Só o que importa é estancar a rejeição de Lula da Silva perante o eleitorado, mesmo que à custa de um desastre na economia.

A despeito de alguns solavancos recentes, o País tem conseguido manter certa estabilidade no câmbio, e isso só é possível porque há segurança do setor externo. E quem sustenta esse desempenho, além do investimento direto no País, é a balança comercial, que foi superavitária em US$ 66,2 bilhões em 2024, segundo o Banco Central, muito em razão das exportações do agronegócio, que compensam o déficit nas contas de serviços, renda primária e financeira.

Para sorte do País, enquanto os bruxos do Palácio do Planalto matutam ideias de jerico para segurar a inflação, os preços dos alimentos começaram a arrefecer. Dados do IPCA-15, prévia do índice oficial de inflação, mostram que o grupo alimentação desacelerou de 1,06% em janeiro para 0,61% em fevereiro.

A tendência é de que isso se consolide com a colheita da safra e a valorização do real ante o dólar, o que talvez ajude a enterrar de vez medidas heterodoxas como limites a exportações. Mas o que preocupa é o anacronismo do debate que ocorre a portas fechadas no governo, que ignora até mesmo conceitos consagrados no comércio internacional.

Espanta também o grau de ingenuidade no Executivo, que desconsidera o fato de que os produtores rurais não são obrigados a cumprir cegamente as determinações do Executivo e que podem reagir a elas.

Como ainda não há consenso, não se sabe se as retenciones serão mesmo postas em prática ou se o governo Lula vai preferir zerar as taxas de importação de alguns alimentos, como óleos vegetais e trigo. O tema, aparentemente, ficará para depois do carnaval. Até lá, espera-se que a razão prevaleça e que alguém tenha a coragem de dizer ao presidente que essas medidas, se adotadas, produzirão efeito oposto ao desejado e não salvarão sua popularidade.

Tapa na cara da legalidade

O Estado de S. Paulo

Agressão de PM a jovem rendido mostra o quão longe ainda estamos de uma polícia cidadã

Não tardou para mais um episódio de violência constranger as forças de segurança de São Paulo. Após uma série de vídeos mostrando abusos cometidos por maus policiais, vieram a público agora imagens de um agente da Polícia Militar (PM) desferindo um tapa no rosto de um homem rendido e ameaçando-o de morte.

A abordagem ocorreu na Vila Ema, na zona leste da capital paulista, no dia 21 de fevereiro. Na ocasião, um PM maltrata vários jovens enfileirados em um muro. A um deles o policial diz que já o conhece, afirma que o homem “sabe muito bem como o bagulho funciona” e pergunta se ele “quer tomar na cara”.

Em seguida, após aparentemente receber alguma informação de um colega, o agente acerta, com a mão aberta, o rosto do rapaz. Em meio a xingamentos, o PM pede um revólver a um colega, engatilha a arma e a aponta para a cabeça do abordado, dizendo que o tiro “tem que ser na cara para estragar o velório”.

As circunstâncias dessa abordagem ainda não foram esclarecidas e não se sabe se os jovens são inocentes ou se estão envolvidos em alguma atividade ilegal. No entanto, o que se sabe é que a conduta do policial representa uma violação de direitos humanos em estado bruto.

Nenhum PM recebeu salvo-conduto para extrapolar o exercício dos poderes que lhes foram conferidos pelo Estado. Pelo contrário: a eles se impõe o mandamento máximo do estrito cumprimento de suas funções dentro da legalidade e dos preceitos constitucionais, que não autorizam ninguém a cometer agressões injustificadas ou fazer ameaças.

Na PM do maior Estado do País, existem protocolos que devem ser seguidos à risca por seus integrantes. Não consta que barbarizar quem quer que seja esteja entre os seus ensinamentos. Ademais, no Estado Democrático de Direito, a função de julgar e punir, com o respeito ao devido processo legal e à ampla defesa, não foi outorgada a PMs. E não há previsão de castigo físico a quem supostamente infringe a lei nem há pena de morte no País.

Infelizmente, a truculência de alguns policiais tem envergonhado muito a PM paulista, que, vale lembrar, é certamente composta em sua maioria por bons agentes. Recentemente, vídeos flagraram policiais agredindo uma senhora durante uma abordagem, um motociclista sendo arremessado de cima de uma ponte e o assassinato de um estudante de Medicina com um tiro no abdome após dar um simples tapa no retrovisor de uma viatura.

No caso da Vila Ema, a Secretaria da Segurança Pública disse o óbvio: que a abordagem não condiz com os protocolos da PM. Ademais, informou que dois agentes foram afastados das ruas e que um inquérito foi instaurado. Mas a gestão estadual precisa ir além.

Esses casos reforçam a necessidade de uma intervenção rápida das autoridades, sem margem para discursos dúbios ou lenientes com a violência, uma atitude firme do comando da PM, para enquadrar a tropa, e a aplicação de punição exemplar por parte dos órgãos de correição, para cessar a reincidência. Do contrário, os paulistas ficarão à espera dos próximos vídeos com novas práticas abusivas daqueles que desonram a polícia.

A força e o impacto do carnaval no Brasil

Correio Braziliense

Fazer desse sucesso um impulso para o crescimento econômico deve ser objetivo de todos

De Norte a Sul do país, o carnaval toma conta das ruas, avenidas, clubes, parques, praças e das casas dos brasileiros. Mas a maior festa popular do Brasil — que é sinônimo de alegria e despreocupação — não fica restrita à diversão. A folia impulsiona a economia e apresenta oportunidades para negócios diversos. De empresas a empreendedores individuais, a celebração momesca possibilita crescimento e até mesmo sustento para muitas famílias.

Projeção da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que o carnaval de 2025 deve gerar, em todo o território nacional, R$ 12 bilhões em faturamento. Com isso, a edição atual pode ser a mais lucrativa desde 2015, com crescimento de 2,1% em relação a 2024. Já estimativa do Ministério do Turismo, com base em dados das secretarias estaduais, indica que a festa deve ser comemorada por mais de 53 milhões de pessoas — essa previsão representa um aumento de cerca de 8% em relação ao ano passado.

Tanta movimentação precisa ser valorizada na mesma proporção dos números. Vitrine do país para o mundo, o carnaval oferece a chance de atrair cada vez mais estrangeiros — não apenas durante a própria festa, mas principalmente fora dela. Para isso, é preciso transformar a atração espontânea dos dias sob o reinado de Momo em propaganda para as demais possibilidades que o Brasil possui, desde os aspectos culturais até a riqueza de opções de lazer, aventura, ecoturismo, turismo religioso e de negócios. Se o país somar a vocação de receber bem as suas belezas naturais, o resultado será positivo em vários campos.

É claro que algumas questões precisam ser resolvidas e melhoradas. Infraestrutura e segurança, por exemplo, são quesitos indispensáveis para quem viaja. Já sustentabilidade e turismo consciente são pautas relevantes para muitos visitantes. O importante é que gestores públicos, empresários e cidadãos percebam o carnaval como inspiração para tendências e estratégias de desenvolvimento e faturamento. Isso em uma cadeia produtiva que envolve áreas além do turismo, como serviços, alimentação, transporte, comércio, vestuário e outras.

Com enorme potencial, o carnaval é uma fonte de geração de empregos e de riqueza para o Brasil. Por isso, aprimorar, profissionalizar e, especialmente, criar eventos que alcancem a envergadura da folia são atitudes fundamentais. O turismo interno é mais um ponto de destaque do período carnavalesco que deve ser ampliado para outras festividades espalhadas pelos estados.

Campeão de vendas e de cenários para investimentos, há décadas o carnaval mostra a força que o país possui quando a população se mobiliza. Fazer desse sucesso um impulso para o crescimento econômico deve ser objetivo de todos. Direcionar as ações necessárias nesse sentido é tarefa que precisa partir dos governos municipais, estaduais e federal de uma forma que motive setores da sociedade em geral. Marco importante da identidade nacional, o carnaval também tem tudo para entregar ao Brasil oportunidades que ultrapassam os seus limites no calendário. E aos foliões, além da celebração, a festa proporciona muitas possibilidades duradouras.

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