Visão iconoclasta de Trump imola Ucrânia no altar de Putin
Folha de S. Paulo
Humilhação inédita imposta a Zelenski pelo
republicano mina ordem mundial, com perigo para interesses dos próprios EUA
A definição do que é interesse nacional é um
complexo jogo em que se equilibram, de forma conflituosa, imperativos
geopolíticos e a sustentação de princípios morais. Quase invariavelmente os
primeiros falam mais alto. A questão é a resultante. Na Guerra da Ucrânia, a
visão do principal ator externo ao conflito estava clara.
Para o governo dos Estados
Unidos sob Joe Biden,
impedir que Vladimir
Putin prevalecesse em sua agressão suplantava as vantagens do
apaziguamento. Havia, claro, cinismo: nunca se cogitou dar a Kiev recursos para
elevar o preço da invasão a tal ponto que o russo desistisse dela.
O veterano Biden temia a Terceira Guerra Mundial, não sem razão. O Kremlin aproveitou-se disso e modulou, com ameaças reiteradas de uma escalada nuclear, a ajuda que a Ucrânia recebia.
O próprio "casus belli" de Putin,
impedir vizinhos de serem mais um membro da Otan, era na
prática respeitado. Por toda a falação, os EUA nunca levaram a sério
admitir Volodimir
Zelenski no seu clube militar.
Ainda assim, o suporte à resistência foi
vendido como uma virtude moral, argumento fraco para definir interesses
nacionais.
Entra então Donald Trump e sua
revolução na política externa, alinhando-se a Putin e ameaçando todo o
edifício sobre o qual foi construída a estabilidade mundial no pós-Segunda
Guerra.
Que as fundações dessa estrutura estão
apodrecidas, há pouca dúvida, e defensores mais racionais de Trump o apontam
como uma espécie de bola de demolição necessária. Pode ser, mas o grau de
destruição escamoteia os riscos de seu vago projeto.
A civilidade do pós-guerra, um ativo moral e
geopolítico, foi brutalmente golpeada por Trump, que já havia transformado a
negociação da paz em um debate sobre vantagens econômicas.
O americano deitou uma armadilha ao vivo na
sexta (28) para Zelenski, humilhando seu visitante na Casa Branca com uma
admoestação agressiva e inaudita em relações internacionais.
"É boa televisão", disse Trump após
seu show de horrores. Zelenski também foi inábil, abrindo a porta para a surra
ao falar grosso. Depois, foi pedir ajuda à Europa, que
promete colaborar mais.
O fim da guerra é do interesse dos EUA e do
mundo. Mas estabelecer um regramento no qual vale a força bruta, elegendo a
ditadura chinesa e a autocracia russa como atores respeitáveis, é uma visão de
Trump que carrega riscos.
Com ela, a tradicional política de alianças
americana se desfaz em troca de nada, e muitas nações poderão recorrer à China durante
a disputa ao ver a Ucrânia ser imolada pela iconoclastia de Trump no altar de
Putin.
Já a alienação proposta da Europa tem
potencial para afastar parceiros que, sim, se aproveitaram da generosidade
americana. Fazê-los ser mais proativos é uma coisa; tê-los como adversários é
algo bem diferente, em especial quando os outros cachorros grandes começarem a
rosnar.
Benefícios tributários precisam ser mais
transparentes
Folha de S. Paulo
Valor de incentivos deve chegar a R$ 544 bi
sem análise de sua eficiência; além da arrecadação, gastos merecem atenção
É meritório o esforço do Ministério
da Fazenda em documentar e dar publicidade aos incentivos fiscais e
gastos tributários, que apenas no âmbito federal devem chegar a R$ 544 bilhões
neste ano, cifra equivalente a 4,8% do PIB e a 24% da arrecadação federal.
A luz do sol sobre os valores dos benefícios
e os caminhos para sua obtenção é uma forma de mobilizar a sociedade para um
debate sobre eficiência, custos e eventuais vantagens de cada um.
Na semana passada, o ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad, classificou
o emaranhado de benesses de caixa-preta, o que é verdade em parte. Alguns
dos incentivos, sobretudo os maiores, são amplamente conhecidos, caso da Zona
Franca de Manaus e
do Simples, que reduz a cobrança de impostos para micro e pequenas empresas.
Mas há muitos outros que são viabilizados em
negociações escondidas, ou ficam obscurecidos em regras tributárias arcanas e
de difícil compreensão. De comum a todas as iniciativas, é seguro dizer que
carecem de satisfatória avaliação sobre eficiência e impactos para
coletividade.
Haddad erra, por outro lado, ao dar a
impressão de que tem em mente apenas o potencial arrecadatório, a esta altura
uma agenda bastante desgastada na sociedade diante
da enormidade da carga geral de impostos e da baixa qualidade na
contrapartida de serviços públicos.
Sem um debate mais amplo sobre eficiência e
prioridades, o que inclui o lado da despesa, será difícil obter apoio da
opinião pública mesmo para reduções razoáveis dos incentivos.
Sobre isso, erra em especial o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que
vez ou outra critica o volume de benefícios, mas não se dispõe a entrar
seriamente no debate político e nada faz para combatê-los.
Foram os governos petistas, aliás, os que
mais ampliaram a tal caixa-preta descrita por Haddad —de menos de 2% do PIB em
2005 para mais de 4,5% no final da gestão de Dilma
Rousseff.
O PT e Lula sempre se renderam ao
patrimonialismo ora criticado. Na versão mais benigna, a mão aberta com lobbies
empresariais e interesses particulares derivaria de uma certa visão de mundo,
em que, por meio de cooptação, o setor privado se torna um conduíte para a
realização da utopia desenvolvimentista. Uma perspectiva mais cética diria que
a capa ideológica cobre outros objetivos.
Reduzir essa captura de recursos demanda
liderança política e clareza de propósitos, atributos hoje ausentes no governo
federal.
Fila do INSS é fator de desgaste para governo
O Globo
Após ganho de agilidade ao conceder
benefícios, a qualidade dos serviços da Previdência voltou a deteriorar-se
Problema que parece insolúvel, a fila de
segurados em frente aos guichês do INSS voltou
a crescer. Em novembro do ano passado, se aproximava de 2 milhões de pessoas,
como no início de 2020. É esperado que os números do INSS sejam colossais, dado
o tamanho da população. Mas é injustificável uma fila tão extensa para quem
espera um benefício ou aposentadoria a que tem direito por lei. A burocracia
estatal precisa prestar atendimento digno a quem necessita de seus serviços,
sobretudo quando há relação direta com a renda das famílias.
Em novembro, entre as requisições não
atendidas, 1,6 milhão aguardava perícia médica ou análise administrativa de
documentos. Há atrasos causados pelos segurados, quando demoram a apresentar a
papelada adicional requisitada pelos INSS. Em novembro, estavam nessa situação
365,5 mil pedidos, menos que os 378,3 mil existentes no mês anterior. Mas, se
dependesse apenas do segurado, a gigantesca fila andaria mais rápido. Parte
dela é virtual, formada por quem deu entrada com pedidos de benefícios —
aposentadorias ou auxílios — pelo INSS Digital. Mesmo assim, há lentidão.
Para acelerar o atendimento, o governo passou
a oferecer em 2023 um bônus aos servidores do INSS e a peritos médicos. Por
serem funcionários estáveis, apenas dessa forma é possível incentivá-los a
aceitar carga maior de trabalho. A bonificação vigorou até o final do ano
passado. E a fila já voltou a aumentar no segundo semestre. O INSS também
passou a atrasar a divulgação do boletim com as informações. O Ministério da
Previdência informou que o número de pedidos quase dobrou em um ano. Também
atribui os atrasos a greves dos servidores do INSS e dos peritos médicos. Num
governo preocupado com a popularidade, reduzir a fila para obter benefícios
deveria ser uma meta prioritária. Não parece ser o caso.
O tempo médio para a resposta a pedidos,
descontada a demora do segurado para apresentar documentos, era de 76 dias em
janeiro de 2023 e caíra a 34 dias em julho — menor patamar em dois anos. Mas a
conquista durou pouco. O indicador voltou a subir em agosto e, em novembro,
alcançou 39 dias. O prazo máximo por lei é de 45 dias. A espera depende da
região. No Nordeste, justamente onde a renda é mais baixa, o tempo médio chega
a 66 dias.
No ano passado, a média de novas requisições
protocoladas no INSS foi de 1,2 milhão por mês. A demanda ficou bastante acima
de 2023, quando se manteve em torno de 700 mil. Ao mapear as requisições dos
segurados, o governo constatou que é comum cidadãos ingressarem com mais de um
pedido ao mesmo tempo ou, enquanto recorrem de indeferimentos, apresentarem o
mesmo pedido novamente. A intenção do INSS é rever regras. É sempre positivo
racionalizar trâmites burocráticos, desde que isso não signifique perda de direitos
dos segurados.
Os gastos previdenciários estão em alta. Em
2024, somaram R$ 111 bilhões, ou R$ 29,9 bilhões acima do estimado. Com o
envelhecimento da população, a tendência se agravará. Mas isso não justifica a
qualidade sofrível do serviço prestado. O governo precisa dotar o INSS de
condições aceitáveis no atendimento. É preciso rever rotinas e sistemas para
ganhar eficiência. Tanto para incluir quem precisa receber os benefícios a que
tem direito quanto para excluir quem não tem mais direito, mas continua
recebendo.
Consumo de cultura reforça a vocação do Rio
como polo turístico
O Globo
Cariocas consomem mais cultura que moradores
das demais capitais — e não só no carnaval —, diz pesquisa
Entre as 26 capitais federais e o Distrito
Federal, o
Rio de Janeiro é a cidade que mais consome cultura em todas as suas formas —
livros, cinema, teatro, shows, visitas a museus ou locais históricos. Apresenta
índices superiores ou iguais à média nacional em todas as atividades
investigadas em pesquisa da JLeiva Cultura & Esportes, que ouviu 19,5 mil
moradores nas 27 cidades. O pendor para alegria do carioca contrasta com as
mazelas da cidade em geral destacadas no noticiário.
Berço da Bossa Nova, celeiro de marchinhas de
carnaval de letras picantes ou fundo político, o Rio é cidade musical por
excelência. No levantamento, a MPB foi o gênero mais citado como preferido do
carioca (39% dos entrevistados), seguida de pagode (30%), gospel (25%), rock
(24%), pop (19%), sertanejo (17%), samba (15%) e funk (13%). Ao contrário do
que acontece noutras cidades, onde o sertanejo é o tipo de música mais ouvido
em média (34%), o Rio é resistente ao gênero — menos apenas que o Recife, onde
reina o frevo.
O pendor musical do carioca vem de um longo
passado que remonta à passagem de Dom João VI pela cidade e ao período do
Império, quando a população teve contato com a música tocada nos palácios das
famílias reais europeias. A miscigenação brasileira também fermentou as artes.
Ritmos se fundiram e, dessa fusão, surgiram depois novos gêneros como o choro,
variedade de música de câmara essencialmente instrumental, que encontrou em
Pixinguinha seu maior expoente. O samba também surgiu no Rio, a partir do Morro
do Estácio, onde um grupo de inovadores, entre eles Ismael Silva, quebrou a
rigidez da música europeia e deu à batucada o molejo e o andamento que tem até
hoje. O embrião das escolas de samba vem daquela época (a Estácio de Sá é
considerada a primeira).
As atividades culturais do carioca não se
resumem, porém, ao carnaval. A praia de Copacabana tem se firmado como palco do
showbiz internacional. Por lá já passaram Rolling Stones, Madonna e, em breve,
se apresentará Lady Gaga. Esses shows atraem turistas de outros estados e até
de países vizinhos.
A rede extensa de museus, livrarias, cinemas.
teatros, além das produções televisivas, também contribui para tornar o Rio de Janeiro destino
obrigatório daqueles que se interessam por cultura. Os equipamentos culturais
da cidade a tornam naturalmente um polo turístico e de grandes eventos.
Políticas de incentivo ou gratuidade e facilidade de acesso pelo transporte público aos polos de cultura são necessários para fortalecer essa vocação. Um fator determinante para garantir público às atividades culturais é a escolaridade da população, diz João Leiva, diretor da empresa responsável pela pesquisa. Quem estuda mais consome mais cultura. E a cultura ajuda na formação educacional, num círculo virtuoso vivido no Rio como em nenhuma outra capital do Brasil.
O bem-vindo ocaso de Lula e Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Enquanto Bolsonaro está a caminho do banco
dos réus, Lula lida com a decepção e frustração popular. Um calvário que pode
deixar órfãos seus eleitores, mas é oportunidade para o País
Há um sentimento de orfandade no ar diante do
presente frágil e do futuro sombrio reservados aos dois principais líderes que,
nos últimos anos, empurraram o Brasil ladeira abaixo de uma divisão nefasta. O
presidente Lula da Silva e seu antecessor, Jair Bolsonaro, enfrentam, cada um a
seu modo, um julgamento público que pode significar-lhes o ocaso – um calvário
gerador de incômoda melancolia na larga faixa do eleitorado que tem se movido
por uma mistura de paixões políticas e ódio às identidades adversárias.
Como se sabe, o demiurgo petista se vê às
voltas com uma queda profunda de sua popularidade, expressão do
descontentamento e da frustração da base que o elegeu, além da insatisfação já
duradoura da chamada frente ampla que apostou nele por temor e rejeição ao
adversário. Não bastasse a impopularidade, Lula enfrenta ainda um mal maior: a
dificuldade crônica de renovar ideias e soluções para o País, fazendo do seu
governo uma soma inquietante de velhos projetos para novos problemas.
Já o ex-capitão liberticida, que passou seus
anos de mau militar, mau parlamentar e mau presidente insuflando ânimos
golpistas, precisará lidar com o julgamento do Supremo Tribunal Federal,
acusado que foi de ter cometido os crimes de organização criminosa, tentativa
de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre
outros delitos. Somadas, as penas podem passar dos 40 anos de prisão.
Dada a assimetria dos riscos impostos a
ambos, não são julgamentos similares, mas seus efeitos, de certo modo, são.
Para quem fez carreira dividindo o País entre “nós” e “eles”, não há
perspectiva pior do que a perda de força política e a crescente incapacidade de
inspirar o presente e o futuro – é disso, afinal, que depende o poder. Pois
Lula e Bolsonaro podem passar cada vez mais, isso sim, a representar o passado.
Bolsonaro já poderia ter sido expelido da
política desde quando ultrapassou os limites do decoro e da decência ao
envergonhar a instituição parlamentar. Poupado, entendeu que não precisava
respeitar limite algum – nem legal, nem político, nem moral – e foi em cima
dessa ideia que se lançou à Presidência, em 2018, como candidato
“antissistema”. E assim gestou um governo conflituoso, irresponsável e
desastroso.
Lula retornou ao poder vendendo a falácia de
que poderia ser o artífice da reconciliação tão desejada pelos brasileiros, mas
tem se mostrado incapaz de fazer jus à missão recebida. As contradições e
fragilidades do terceiro mandato são o preço a pagar pelo pensamento
envelhecido de um líder e de um partido que se opuseram aos esforços para a
estabilização da economia nos anos 1990, hostilizaram todos os governos aos
quais fizeram oposição e, uma vez no poder, produziram a mais grave crise
política e econômica da história recente do País.
O infortúnio dos dois deve tornar mais
difícil a vida das hostes de militantes, mas é uma ótima notícia para um país
que perde muito quando seus dois maiores líderes não conhecem outra língua
senão a do enfrentamento, estimulam o rancor contra aqueles que consideram seus
inimigos e buscam, como populistas empedernidos que são, confundir-se com os
mais legítimos interesses do povo.
Se ambos não se recuperarem da crise que os
abate, resta saber o que virá a seguir. Otimistas apontam uma boa dose de
esperança para o surgimento de novas lideranças – menos personalistas, mais
democráticas e plurais, e sobretudo mais capazes de oferecer novas e melhores
ideias para os problemas atuais e futuros. Céticos sugerem, ao contrário, que o
vácuo de lideranças pode abrir espaço para aventureiros que apostam na
antipolítica.
Este jornal acredita na chance de o País
virar a página, embora alerte para os aventureiros à espreita. Eis um
momento-chave para que o debate público no Brasil afinal deixe de ser
intoxicado pelo ódio, que reduz a política ao confronto estéril entre duas
visões atrasadas de mundo. Os tempos destrutivos e paralisantes protagonizados
por Lula e Bolsonaro podem chegar ao fim, desde que seus eventuais herdeiros
não sejam a continuidade do atraso.
‘Retenciones’ à brasileira
O Estado de S. Paulo
Se é realmente séria a cogitação de impor
barreiras à exportação de produtos agrícolas a pretexto de segurar a inflação,
será um evidente retrocesso, atingindo em cheio o agronegócio
Sabidamente leniente com a inflação e incapaz
de identificar a relação entre o estímulo ao consumo e o aumento dos preços ao
consumidor, o governo Lula da Silva começa a pagar o preço de suas escolhas e
anda em círculos sem saber o que fazer para conter a corrosão de sua
popularidade. O clima de desespero não é bom conselheiro e favorece o
surgimento de ideias as mais estapafúrdias.
Reportagens publicadas na semana passada
revelaram que integrantes do governo chegaram a debater a imposição de limites
às exportações do setor agropecuário para ampliar a oferta de itens como carnes
e açúcar no mercado interno e reduzir seus preços. Em razão da iniciativa,
batizada de “comércio administrado”, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro,
cogitou pedir demissão para salvar sua reputação.
Se quisermos saber quais são os efeitos desse
tipo de medida, basta olhar para a Argentina, que há décadas, com raros
intervalos, aplica alguma forma de barreira às exportações, sobretudo
agrícolas. Essas barreiras são conhecidas como retenciones. Os objetivos
variam, mas em geral elas servem para cobrir rombos orçamentários, bancar
subsídios estatais e impedir o desabastecimento de produtos agrícolas. Os
resultados, em todo caso, são baixa produtividade, queda da rentabilidade dos
produtores e perda de competitividade no exterior.
Se é realmente séria a cogitação de
impor retenciones à brasileira, portanto, será um evidente
retrocesso, atingindo em cheio o agronegócio, um dos setores mais dinâmicos e
competitivos do País.
Felizmente, o ministro Carlos Fávaro parece
contar com o apoio da equipe econômica e do vice-presidente Geraldo Alckmin
para impedir essa sandice. Juízo, no entanto, parece ser um artigo em falta em
parte da Esplanada dos Ministérios, especialmente na Casa Civil e no
Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Há um mês, em entrevista ao programa Bom Dia
Ministro, foi o próprio ministro da Casa Civil, Rui Costa, quem disse que o
governo cogitava adotar um conjunto de “intervenções” para baratear o preço dos
alimentos. Depois da péssima repercussão, ele substituiu a palavra por
“medidas”, mas o espírito de sua mensagem, aparentemente, era aquele mesmo. Só
o que importa é estancar a rejeição de Lula da Silva perante o eleitorado,
mesmo que à custa de um desastre na economia.
A despeito de alguns solavancos recentes, o
País tem conseguido manter certa estabilidade no câmbio, e isso só é possível
porque há segurança do setor externo. E quem sustenta esse desempenho, além do
investimento direto no País, é a balança comercial, que foi superavitária em
US$ 66,2 bilhões em 2024, segundo o Banco Central, muito em razão das
exportações do agronegócio, que compensam o déficit nas contas de serviços,
renda primária e financeira.
Para sorte do País, enquanto os bruxos do
Palácio do Planalto matutam ideias de jerico para segurar a inflação, os preços
dos alimentos começaram a arrefecer. Dados do IPCA-15, prévia do índice oficial
de inflação, mostram que o grupo alimentação desacelerou de 1,06% em janeiro
para 0,61% em fevereiro.
A tendência é de que isso se consolide com a
colheita da safra e a valorização do real ante o dólar, o que talvez ajude a
enterrar de vez medidas heterodoxas como limites a exportações. Mas o que
preocupa é o anacronismo do debate que ocorre a portas fechadas no governo, que
ignora até mesmo conceitos consagrados no comércio internacional.
Espanta também o grau de ingenuidade no
Executivo, que desconsidera o fato de que os produtores rurais não são
obrigados a cumprir cegamente as determinações do Executivo e que podem reagir
a elas.
Como ainda não há consenso, não se sabe se
as retenciones serão mesmo postas em prática ou se o governo Lula vai
preferir zerar as taxas de importação de alguns alimentos, como óleos vegetais
e trigo. O tema, aparentemente, ficará para depois do carnaval. Até lá,
espera-se que a razão prevaleça e que alguém tenha a coragem de dizer ao
presidente que essas medidas, se adotadas, produzirão efeito oposto ao desejado
e não salvarão sua popularidade.
Tapa na cara da legalidade
O Estado de S. Paulo
Agressão de PM a jovem rendido mostra o quão
longe ainda estamos de uma polícia cidadã
Não tardou para mais um episódio de violência
constranger as forças de segurança de São Paulo. Após uma série de vídeos
mostrando abusos cometidos por maus policiais, vieram a público agora imagens
de um agente da Polícia Militar (PM) desferindo um tapa no rosto de um homem
rendido e ameaçando-o de morte.
A abordagem ocorreu na Vila Ema, na zona
leste da capital paulista, no dia 21 de fevereiro. Na ocasião, um PM maltrata
vários jovens enfileirados em um muro. A um deles o policial diz que já o
conhece, afirma que o homem “sabe muito bem como o bagulho funciona” e pergunta
se ele “quer tomar na cara”.
Em seguida, após aparentemente receber alguma
informação de um colega, o agente acerta, com a mão aberta, o rosto do rapaz.
Em meio a xingamentos, o PM pede um revólver a um colega, engatilha a arma e a
aponta para a cabeça do abordado, dizendo que o tiro “tem que ser na cara para
estragar o velório”.
As circunstâncias dessa abordagem ainda não
foram esclarecidas e não se sabe se os jovens são inocentes ou se estão
envolvidos em alguma atividade ilegal. No entanto, o que se sabe é que a
conduta do policial representa uma violação de direitos humanos em estado
bruto.
Nenhum PM recebeu salvo-conduto para
extrapolar o exercício dos poderes que lhes foram conferidos pelo Estado. Pelo
contrário: a eles se impõe o mandamento máximo do estrito cumprimento de suas
funções dentro da legalidade e dos preceitos constitucionais, que não autorizam
ninguém a cometer agressões injustificadas ou fazer ameaças.
Na PM do maior Estado do País, existem
protocolos que devem ser seguidos à risca por seus integrantes. Não consta que
barbarizar quem quer que seja esteja entre os seus ensinamentos. Ademais, no
Estado Democrático de Direito, a função de julgar e punir, com o respeito ao
devido processo legal e à ampla defesa, não foi outorgada a PMs. E não há
previsão de castigo físico a quem supostamente infringe a lei nem há pena de
morte no País.
Infelizmente, a truculência de alguns
policiais tem envergonhado muito a PM paulista, que, vale lembrar, é certamente
composta em sua maioria por bons agentes. Recentemente, vídeos flagraram
policiais agredindo uma senhora durante uma abordagem, um motociclista sendo
arremessado de cima de uma ponte e o assassinato de um estudante de Medicina
com um tiro no abdome após dar um simples tapa no retrovisor de uma viatura.
No caso da Vila Ema, a Secretaria da
Segurança Pública disse o óbvio: que a abordagem não condiz com os protocolos
da PM. Ademais, informou que dois agentes foram afastados das ruas e que um
inquérito foi instaurado. Mas a gestão estadual precisa ir além.
Esses casos reforçam a necessidade de uma intervenção rápida das autoridades, sem margem para discursos dúbios ou lenientes com a violência, uma atitude firme do comando da PM, para enquadrar a tropa, e a aplicação de punição exemplar por parte dos órgãos de correição, para cessar a reincidência. Do contrário, os paulistas ficarão à espera dos próximos vídeos com novas práticas abusivas daqueles que desonram a polícia.
A força e o impacto do carnaval no Brasil
Correio Braziliense
Fazer desse sucesso um impulso para o
crescimento econômico deve ser objetivo de todos
De Norte a Sul do país, o carnaval toma conta
das ruas, avenidas, clubes, parques, praças e das casas dos brasileiros. Mas a
maior festa popular do Brasil — que é sinônimo de alegria e
despreocupação — não fica restrita à diversão. A folia impulsiona a
economia e apresenta oportunidades para negócios diversos. De empresas a
empreendedores individuais, a celebração momesca possibilita crescimento e até
mesmo sustento para muitas famílias.
Projeção da Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que o carnaval de 2025 deve gerar, em
todo o território nacional, R$ 12 bilhões em faturamento. Com isso, a edição
atual pode ser a mais lucrativa desde 2015, com crescimento de 2,1% em relação
a 2024. Já estimativa do Ministério do Turismo, com base em dados das
secretarias estaduais, indica que a festa deve ser comemorada por mais de 53
milhões de pessoas — essa previsão representa um aumento de cerca de 8% em
relação ao ano passado.
Tanta movimentação precisa ser valorizada na
mesma proporção dos números. Vitrine do país para o mundo, o carnaval oferece a
chance de atrair cada vez mais estrangeiros — não apenas durante a própria
festa, mas principalmente fora dela. Para isso, é preciso transformar a atração
espontânea dos dias sob o reinado de Momo em propaganda para as demais
possibilidades que o Brasil possui, desde os aspectos culturais até a riqueza
de opções de lazer, aventura, ecoturismo, turismo religioso e de negócios. Se o
país somar a vocação de receber bem as suas belezas naturais, o resultado será
positivo em vários campos.
É claro que algumas questões precisam ser
resolvidas e melhoradas. Infraestrutura e segurança, por exemplo, são quesitos
indispensáveis para quem viaja. Já sustentabilidade e turismo consciente são
pautas relevantes para muitos visitantes. O importante é que gestores públicos,
empresários e cidadãos percebam o carnaval como inspiração para tendências e
estratégias de desenvolvimento e faturamento. Isso em uma cadeia produtiva que
envolve áreas além do turismo, como serviços, alimentação, transporte, comércio,
vestuário e outras.
Com enorme potencial, o carnaval é uma fonte
de geração de empregos e de riqueza para o Brasil. Por isso, aprimorar,
profissionalizar e, especialmente, criar eventos que alcancem a envergadura da
folia são atitudes fundamentais. O turismo interno é mais um ponto de destaque
do período carnavalesco que deve ser ampliado para outras festividades
espalhadas pelos estados.
Campeão de vendas e de cenários para
investimentos, há décadas o carnaval mostra a força que o país possui quando a
população se mobiliza. Fazer desse sucesso um impulso para o crescimento
econômico deve ser objetivo de todos. Direcionar as ações necessárias nesse
sentido é tarefa que precisa partir dos governos municipais, estaduais e
federal de uma forma que motive setores da sociedade em geral. Marco importante
da identidade nacional, o carnaval também tem tudo para entregar ao Brasil
oportunidades que ultrapassam os seus limites no calendário. E aos foliões,
além da celebração, a festa proporciona muitas possibilidades duradouras.
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